A ARTE DOS VERSOS
21 de julho de 2015

Plantação de couve

(Plantação de couves.)
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Um convite aos navegantes: nesta quinta-feira, 23 de julho, a 5ª edição do Sarau do Largo das Neves, em Santa Teresa, Rio de Janeiro. Na frente do bar Alquimia. As leituras & declamações começam às 20h30, mas a concentração, para uns drinques & um bate-papo animado, a partir das 19h. Aguardando todos!
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Para Antonio Cicero, que me fez lembrar o poema

 

 

toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui, na maneira como esta mulher, dos arredores de cantão, na china, ou dos campos de alpedrinha, em portugal, rega quatro ou cinco leiras, rega quatro ou cinco canteiros, de couves: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração.

assim se faz a planta bonita & viçosa: toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração.

assim se faz o poema: toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui: mão certeira com a água & intimidade com a terra, mão certeira & intimidade com os nutrientes do poema, com aquilo que o alimenta (a palavra, o vocabulário, as formas poéticas, as brincadeiras lingüísticas), e empenho do coração (a dedicação à causa, o cuidado, o carinho, a atenção, com os versos).

assim se faz a planta bonita & viçosa, assim se faz o poema: mão certeira & intimidade com os nutrientes, com aquilo que os alimenta, e empenho do coração — a dedicação à causa, o cuidado, o carinho, a atenção.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas de Eugénio de Andrade. seleção: Arnaldo Saraiva. autor: Eugénio de Andrade. editora: Nova Fronteira.)

 

 

A ARTE DOS VERSOS

 

Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão,
ou dos campos de Alpedrinha,
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.

DESEJOS & ENSINAMENTOS
19 de outubro de 2012

(Paulo Sabino na companhia daquela que o trouxe ao mundo, a grande responsável.) 
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senhores,
 
hoje, 19 de outubro, é um dos dias mais importantes  da minha vida, pois foi hoje que, há 70 anos atrás, veio ao mundo aquela que ao mundo me revelou.
 
hoje, 19 de outubro, a minha amada & idolatrada (salve salve!) cabocla jurema armond, minha mãe, vence as suas 70 primaveras, feliz por vencê-las & cheia de disposição para a vida.
 
digo a vocês que a minha mãe é figura central & imprescindível na minha formação.
 
desde pequeno, me incitava à leitura. desde pequeno, mesmo com seus medo & respeito, me incitava o amor marinho. foi com dona jurema armond que conheci aquela que me abriu as portas da poesia: maria bethânia, e também foi com dona jurema armond que conheci parte da história do cancioneiro popular brasileiro, que, juntamente à poesia, é a arte que mais me emociona.
 
meu amor pelo mar, meu amor pela leitura, meu amor pela música, tudo isso eu devo a ela, à minha mãe, estrela do meu céu.
 
devo a ela tudo que sei de mais fundo sobre o amor & suas capacidades.
 
jurema armond é capaz de tantas belezas… aprendo ouvindo, conversamos muito, mas, sobretudo, aprendo observando as suas ações no quotidiano, observando os seus modos de processar a vida.
 
em todos eles, em todos os seus modos de processar a vida, o que sempre cabe é: amor.
 
é claro, evidente, que a minha cabocla se aborrece, se irrita, se chateia. como todo bom ser humano. entretanto, mesmo aborrecida, irritada, chateada, o viés dos seus atos está sempre de acordo com o amor. não alimenta brigas, não alimenta rancores; tem horror a isso. não abre mão de uma boa conversa, sempre pronta a ouvir, desarmada, verdadeira.
 
suas preferências mundanas (no que se refere a bens materiais) são simples, corriqueiras; suas sofisticações moram em outro departamento: e é assim, desse jeito, que se faz a sua sapiência, a sua sabedoria, sabedoria que busco para minha existência. as minhas sofisticações, assim como as da minha mãe, são existenciais, portanto, mais profundas, não-superficiais. de resto, sou homem de gosto ordinário, de gosto simples, sou um homem comum, qualquer um.
 
aos 70 anos, dona jurema armond não acumulou bens, não acumulou dinheiro. possui o suficiente para uma vida digna, sem dificuldades financeiras.
 
a sua sabedoria: sofisticações existenciais & preferências mundanas (no que se refere a bens materiais) corriqueiras: os desejos, aos 70 anos, de dona jurema armond:
 
de religiosidade acentuada, roga à vida a sua justa medida, nem para mais nem para menos.
 
pede que não sinta o que não tem & não lamente o que podia ter mas se perdeu — os lamentos, pelo que ficou para trás & não volta, não servem de nada.
 
jurema armond, com sua sapiência, busca ser como a chuva desejada caindo mansa, numa terra sedenta (sedenta de suas águas, águas que alimentam & revitalizam) & num telhado velho, desses casarões em ruazinhas residenciais que tanto avivam & aquecem o olhar.
 
à vida, a minha cabocla agradece o suficiente seu para uma existência confortável porém sem grandes luxos, ao lado das suas coisinhas, dos apetrechos que auxiliam a modelar os seus hábitos, a sua rotina.
 
na vida, a minha cabocla almeja acender, ela mesma, o fogo alegre da sua aconchegante morada, na manhã de um novo dia que começa. 
 
começar & recomeçar, e assim por diante: seguir a trilha: eis o seu rumo.
 
de toda a sua sabedoria, ficam-me ensinamentos para um bem viver, ensinamentos dos quais não me esquecerei, ensinamentos que guardarei para sempre:
 
fazer uma chave, mesmo pequena (não importa o seu tamanho), entrar na casa, abrigar-se, acolher-se.
 
consentir na doçura, consentir na delicadeza, ter dó (e, com a dó, cuidar) da matéria dos sonhos (tão frágil a matéria dos sonhos, feita de ar, feita de vôo na imaginação) & da matéria das aves (tão frágil a matéria das aves, feita de penas & plumas, feita de vôo na imensidão).
 
invocar o fogo (o que arde, o que aquece, o que conforta), invocar a claridade, invocar a música dos flancos (o flanco: região localizada acima do quadril, região que mexe & remexe, que agita, que dança).
 
não dizer pedra (palavra dura, sem arestas, palavra que dói, palavra que machuca se arremessada), dizer janela (palavra que areja, palavra que ventila, palavra por onde chegam a luz & o ar).
 
não ser como a sombra (região onde a luz não chega).
 
dizer homem, dizer criança, dizer estrela.
 
repetir as sílabas onde a luz é feliz & se demora.
 
voltar a dizer: homem, mulher, criança.
 
(voltar) onde a beleza é mais nova — e é mais nova porque a beleza no homem, na mulher, na criança, a cada dia, a cada instante vivido, a beleza se re-nova.
 
aqui, senhores, desejos & ensinamentos para um bem viver, desejos & ensinamentos da dona juju.
 
(feliz aniversário, mãe! saúdo a sua existência agora & sempre!)
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Melhores poemas. autora: Cora Coralina. seleção: Darcy França Denófrio. editora: Global.)
 
 
 
HUMILDADE 
 
 
Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.
 
Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.
 
Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura,
numa terra sedenta
e num telhado velho.
 
Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.    
 
 
 
 
(do livro: Poemas de Eugénio de Andrade. autor: Eugénio de Andrade. seleção: Arnaldo Saraiva. editora: Nova Fronteira.)
 
 
 
Faz uma chave, mesmo pequena,
entra na casa.
Consente na doçura, tem dó
da matéria dos sonhos e das aves.
 
Invoca o fogo, a claridade, a música
dos flancos.
Não digas pedra, diz janela.
Não sejas como a sombra.
 
Diz homem, diz criança, diz estrela.
Repete as sílabas
onde a luz é feliz e se demora.
 
Volta a dizer: homem, mulher, criança.
Onde a beleza é mais nova.

URGENTEMENTE
20 de abril de 2012

 
(Na foto, Tito, o meu Xuxuzinho mais lindo!, de 2 aninhos, uma das tantas belas invenções do amor.)
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diz o dito popular: “quem canta seus males espanta”.
 
se ouvir, ao léu, o rumor de abelhas que sobe à sua garganta, o canto que sobe à sua boca, o zumbido que lhe chega sabe-se lá de que entranha, não pergunte de onde vem, de que fonte, de que boca (interna) ou pedra aberta (dentro do peito).
 
(é para você mesmo o canto que você canta ou simplesmente para ninguém?)
 
(que juventude, que frescor, que jovialidade, morde ainda os seus lábios e o leva a cantar?)

não pergunte, não se preocupe com a resposta, apenas escute:

 
é para você que canta (já que é você mesmo quem o pronuncia). não é para ninguém o en-canto: é para você que o canto canta.
 
portanto, cante sempre!
 
cante a tristeza, cante as mazelas, porque estas fazem parte do percurso, mas, sobretudo, cante o amor, cante a beleza, cante a vida.
 
num mundo como este, onde pessoas nefastas submetem seus semelhantes ao gosto de terra & sangue, é urgente (e faz-se “urgente” porque deve acontecer no hoje, no agora, no neste instante, no presente momento) o amor.
 
é urgente (porque deve existir no hoje, no agora, no neste instante, no presente momento) um barco no mar.
 
é urgente (porque deve ser realizado no hoje, no agora, no neste instante, no presente momento) destruir certas palavras, como “ódio”, “solidão”, “crueldade”, é urgente destruir alguns lamentos, é urgente destruir muitas espadas.
 
é urgente (porque deve ser vivido no hoje, no agora, no neste instante, no presente momento) inventar alegria, é urgente multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas & risos & manhãs claras.
 
pois sobre os nossos ombros fatigados de tantos pesares, cai o silêncio, cai, por sobre os nossos ombros fatigados, a solidão (palavra que deveria ser destruída), nos ombros, cai a inabilidade ao amor, cai a inabilidade à solidariedade, e cai também a luz impura, até doer.
 
é urgente (porque deve ser provado no hoje, no agora, no neste instante, no presente momento) o amor.
 
é urgente (porque deve ser pensado no hoje, no agora, no neste instante, no presente momento) permanecer.
 
e permanecer bem.
 
a fim de que sangre & valha o existir.
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas de Eugénio de Andrade. seleção: Arnaldo Saraiva. autor: Eugénio de Andrade. editora: Nova Fronteira.)
 
 
NÃO PERGUNTES
 
 
De onde vem? De que fonte
ou boca
ou pedra aberta?
É para ti que canta
ou simplesmente
para ninguém?
 
Que juventude
te morde ainda os lábios?
Que rumor de abelhas
te sobe à garganta?
Não perguntes, escuta:
é para ti que canta.
 
 
 
URGENTEMENTE
 
 
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
 
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
 
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
 
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

ADEUS
3 de junho de 2011

adeus também foi feito para ser dito.
 
(adeus, adeus…)
 
todos os dias é um “vai & vem”.
 
a vida vem em ondas, como o mar.
 
tudo o que um dia se inicia, um dia termina.
 
em alguns momentos é muito duro dizer adeus, em alguns momentos é muito difícil assistir, de perto, ao fim de determinadas coisas, porém o fim de determinados fatos é necessário.
 
quando as palavras estão gastas e o que ficou não chega, não basta, para afastar o frio de quatro paredes, quando gastos os olhos com o sal das lágrimas, quando gastas as mãos com a força de terem sido apertadas, quando gasto o relógio — o tempo — e gastas as pedras das esquinas em esperas inúteis, quando sobrar apenas o silêncio, a boca muda, quando sobrar apenas a falta do verbo:
 
adeus.
 
se não há nada para dar, se, dentro, não há nada mais que peça a água de um corpo que, outrora, foi o aquário de uns olhos-peixes, peixes verdes, peixes imersos naquela natureza aquática, se as coisas não mais estremecem, quando murmurado o nome de quem se ama, no silêncio do coração, se o passado é inútil como um trapo, se, como já dito, as palavras estão gastas:
 
adeus.
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas de Eugénio de Andrade. seleção: Arnaldo Saraiva. autor: Eugénio de Andrade. editora: Nova Fronteira.)
 
 
 
ADEUS
 

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sol das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.

E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.