OCUPAÇÃO POÉTICA — TEATRO CÂNDIDO MENDES (2ª EDIÇÃO): OS VÍDEOS IV
6 de outubro de 2015

Paulo Sabino_Ocup Poet_2ª Ed_09 Set 2015
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A quem possa interessar, mais 2 vídeos da 2ª edição do projeto “Ocupação Poética”, ocorrido nos dias 9 (quarta-feira) & 10 (quinta-feira) de setembro, no teatro Cândido Mendes (Ipanema – RJ), com a participação de 4 feras da poesia contemporânea: Luis Turiba, Cristiano Menezes, Mauro Sta Cecília & Claufe Rodrigues!

Em ambos os vídeos, o encerramento da minha participação no projeto, tanto no dia 09/09 como no dia 10/09, onde recito, no primeiro vídeo (09/09), um poema do sofisticado poeta & compositor Paulo César Pinheiro, e, no segundo vídeo (10/09), um poema do francês Paul Éluard, em tradução dos mestres Carlos Drummond de Andrade & Manuel Bandeira.

Fabrício Corsaletti, autor de “Seu nome”, postado na publicação de título “Ocupação Poética — Teatro Cândido Mendes (2ª Edição): Os Vídeos II”, faz, inclusive, uma menção ao poema de Paul Éluard que aparece nesta publicação. Dizem os seus versos:

 

o último verso do famoso poema de Éluard poderia muito
……………………………………………….[bem ser o seu nome

 

Pois bem, aos senhores, aqui, o famoso poema de Éluard.

E, assim, com o encerramento das duas noites, encerro as postagens de vídeos referentes à segunda edição deste projeto que, para mim, é um grande prazer & uma grande honra poder coordenar.

Que venham as próximas edições!

Divirtam-se!

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 09/09/2015. Paulo Sabino recita Brasil moleque, poema de Paulo César Pinheiro.)

 

BRASIL MOLEQUE  (Paulo César Pinheiro)

Uma era branca,
Pureza de moça,
Boneca de louça,
Que ninguém nos ouça,
Do queixo cair.
Outra era preta
Da cor do azeviche,
Boneca de piche,
Vudu de fetiche,
Moleca saci.
O moço, um caboclo
De sangue mestiço,
De olho mortiço,
Jogando feitiço
Nas moças dali.

A branca era filha
De nhô de fazenda
De gado e moenda,
De dote e de prenda
Pro moço servir.
A preta era cria
De eito e senzala,
Mucama de sala,
Daquela que embala
Sinhá pra dormir.
O moço era solto,
E, sem ter grande coisa,
Era moço de pose,
Viola de doze,
A cantar por aí.

A branca, uma noite,
Seguiu rio abaixo,
Com fogo no facho,
Sem nada por baixo
Do seu organdi.
A lua amarela,
De cana no tacho,
Mostrou, no riacho,
Presença de macho
Banhando-se ali.
Caiu seu vestido,
E o moço muchacho
Desmanchou-lhe o cacho,
E viu, rio abaixo,
Um sangue sair.

Depois foi a preta,
Com o fogo da raça
Queimando a carcaça,
Soltando fumaça
No seu frenesi.
Na beira do rio,
Emborcando a cabaça
De mel com cachaça,
Rolava devassa
Que nem sucuri.
E o moço na preta
Foi sentando praça,
Deixando outra graça,
No rio que passa,
De sangue a cobrir.

Depois nove-luas
Do fogo no cio,
Do sangue no rio,
Pulou, do baixio
Da branca, um guri.
Era um mameluco,
Mas de carapinha,
Cheirando a morrinha,
Puxado na linha
De Ganga-Zumbi.

Também nove-luas
Do sangue da preta,
Coisa do Capeta,
Grudado na teta
Tinha um bacuri.
Mas era um cafuzo,
Cheirando a cidreira,
Lisa cabeleira,
Da raça guerreira
Do sangue Tupi.

Brasil não tem raça,
Que raça não conta,
Tem gente que é tonta,
Que vive de afronta
Com as raças daqui.
Contei só uma estória,
Tem tanta já pronta,
Que, de ponta a ponta,
Quanto mais se conta
Mais tem pra se ouvir.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 10/09/2015. Paulo Sabino recita Um único pensamento, poema de Paul Éluard, em tradução de Carlos Drummond de Andrade & Manuel Bandeira.)

 

UM ÚNICO PENSAMENTO  (Paul Éluard / Tradução: Carlos Drummond de Andrade & Manuel Bandeira)

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jângales, no deserto
Nos ninhos e nas giestas
Nos ecos da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Em meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas no horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças regorgitantes
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
De meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes de meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade

OCUPAÇÃO POÉTICA — TEATRO CÂNDIDO MENDES (2ª EDIÇÃO): OS VÍDEOS II
22 de setembro de 2015

Paulo Sabino_Ocupação Poética 2ª Edição 09 Set 2015

(Paulo Sabino)

Luis Turiba_Ocupação Poética_9 Set 2015

(Luis Turiba)

Cristiano Menezes_Ocupação Poética_9 Set 2015

(Cristiano Menezes)
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Aos senhores, 6 vídeos da 2ª edição do projeto “Ocupação Poética”, ocorrido nos dias 9 (quarta-feira) & 10 (quinta-feira) de setembro, no teatro Cândido Mendes (Ipanema – RJ), com a participação de 4 feras da poesia contemporânea: Luis Turiba, Cristiano Menezes, Mauro Sta Cecília & Claufe Rodrigues!

Nos vídeos que seguem, os participantes do primeiro dia do projeto, 09/09, os poetas Luis Turiba & Cristiano Menezes. Ambos recitam poemas da própria autoria.

Eu recito, no meu primeiro vídeo, um poema da minha autoria, e no meu segundo recito um poema que amo, do poeta paulista Fabrício Corsaletti, e faço um convite a todos: para o sarau do Largo das Neves, em Santa Teresa (Rio de Janeiro), que comando com a participação efetiva de grandes amigos, e que, de fato, como anuncia o vídeo, ocorrerá nesta quinta-feira (24/09), a concentração no largo a partir das 19h & as leituras a partir das 20h30. Teremos a honra das participações, nesse sarau, das feras que integram esta publicação! Oba!

Na próxima postagem, vídeos com os poetas do segundo dia do projeto, Mauro Sta Cecília & Claufe Rodrigues.

Divirtam-se com estes!

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 09/09/2015. Paulo Sabino recita A certeza de uma incerteza, poema de sua autoria.)

 

A CERTEZA DE UMA INCERTEZA  (Paulo Sabino)

Hoje, que a noite pulsa tranqüila
Dentro do meu quarto,
Busco a pacacidade de coisa nenhuma, inerte, inanimada,
Por sentimentos de cores apagadas.
Este sol que mina em mim,
Propagando-se por todo o resto,
Faz-me sentir a necessidade inútil
Ao mundo, à humanidade —
Sou incapaz de evitar catástrofes
Nem, ao menos, de dar por elas.
Compreendo, mais do que nunca,
Que a vida é e sempre será
Uma parte do desconhecido,
Assentada em tudo que resta e rasteja.
A certeza de uma incerteza
Insolúvel, o ponto com nó.
Portanto, almejar a viagem
De poder debruçar à janela,
Condutor-passageiro fervoroso,
Do caminho a ser vislumbrado.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 09/09/2015. Paulo Sabino recita Seu nome, poema de Fabrício Corsaletti.)

 

SEU NOME  (Fabrício Corsaletti)

se eu tivesse um bar ele teria o seu nome
se eu tivesse um barco ele teria o seu nome
se eu comprasse uma égua daria a ela o seu nome
minha cadela imaginária tem o seu nome
se eu enlouquecer passarei as tardes repetindo o seu nome
se eu morrer velhinho no suspiro final balbuciarei o seu
…………………………………………………………………..[nome
se eu for assassinado com a boca cheia de sangue gritarei o
…………………………………………………………………… [seu nome
se encontrarem meu corpo boiando no mar no meu bolso
…………………………………..[haverá um bilhete com o seu nome
se eu me suicidar ao puxar o gatilho pensarei no seu nome
a primeira garota que beijei tinha o seu nome
na sétima série eu tinha duas amigas com o seu nome
antes de você tive três namoradas com o seu nome
na rua há mulheres que parecem ter o seu nome
na locadora que frequento tem uma moça com o seu nome
às vezes as nuvens quase formam o seu nome
olhando as estrelas é sempre possível desenhar o seu nome
o último verso do famoso poema de Éluard poderia muito
……………………………………………….[bem ser o seu nome
Apollinaire escreveu poemas a Lou porque na loucura da
…………………….[guerra não conseguia lembrar o seu nome
não entendo por que Chico Buarque não compôs uma
………………………………………….[música para o seu nome
se eu fosse um travesti usaria o seu nome
se um dia eu mudar de sexo adotarei o seu nome
minha mãe me contou que se eu tivesse nascido menina
……………………………………………[teria o seu nome
se eu tiver uma filha ela terá o seu nome
minha senha do e-mail já foi o seu nome
minha senha do banco é uma variação do seu nome
tenho pena dos seus filhos porque em geral dizem “mãe”
…………………………………………………[em vez do seu nome
tenho pena dos seus pais porque em geral dizem “filha” em
……………………………………………………..[vez do seu nome
tenho muita pena dos seus ex-maridos porque associam o
……………………………………..[termo ex-mulher ao seu nome
tenho inveja do oficial de registro que datilografou pela
………………………………………….[primeira vez o seu nome
quando fico bêbado falo muito o seu nome
quando estou sóbrio me controlo para não falar demais o
……………………………………………………………[seu nome
é difícil falar de você sem mencionar o seu nome
uma vez sonhei que tudo no mundo tinha o seu nome
coelho tinha o seu nome
xícara tinha o seu nome
teleférico tinha o seu nome
no índice onomástico da minha biografia haverá milhares
……………………………………..[de ocorrências do seu nome
na foto de Korda para onde olha o Che senão para o
……………………………………………..[infinito do seu nome?
algumas professoras da USP seriam menos amargas se
………………………………………………….[tivessem o seu nome
detesto trabalho porque me impede de me concentrar no
…………………………………………………………….[seu nome
cabala é uma palavra linda mas não chega aos pés do seu
…………………………………………………………………….[nome
no cabo da minha bengala gravarei o seu nome
não posso ser niilista enquanto existir o seu nome
não posso ser anarquista se isso implicar a degradação do
………………………………………………………………..seu nome
não posso ser comunista se tiver que compartilhar o seu
……………………………………………………………………[nome
não posso ser fascista se não quero impor aos outros o seu
…………………………………………………………………… [nome
não posso ser capitalista se não desejo nada além do seu
…………………………………………………………………… [nome
quando saí da casa dos meus pais fui atrás do seu nome
morei três anos num bairro que tinha o seu nome
espero nunca deixar de te amar para não esquecer o seu
…………………………………………………………………… [nome
espero que você nunca me deixe para eu não ser obrigado a
………………………………………………..[esquecer o seu nome
espero nunca te odiar para não ter que odiar o seu nome
espero que você nunca me odeie para eu não ficar arrasado
………………………………………………..ao ouvir o seu nome
a literatura não me interessa tanto quanto o seu nome
quando a poesia é boa é como o seu nome
quando a poesia é ruim tem algo do seu nome
estou cansado da vida mas isso não tem nada a ver com o
………………………………………………………………..seu nome
estou escrevendo o quinquagésimo oitavo verso sobre o seu
…………………………………………………………………….nome
talvez eu não seja um poeta à altura do seu nome
por via das dúvidas vou acabar o poema sem dizer
……………………………………………[explicitamente o seu nome
______________________________________________________

(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 09/09/2015. Luis Turiba recita Ábsono, poema de sua autoria.)

 

ÁBSONO  (Luis Turiba)

sambo espalhafatosamente
para dentro como quem não quer nada
sambo parado
no espaço do meu corpo
com minhas vísceras
meus testículos
meus intestinos
minhas moléculas
minhas cartilagens
minhas células em permanente renovação rumo à morte
meus glóbulos brancos vermelhos desbotados
meus neurônios
minha aura vital
minhas correntes sanguíneas
no trânsito intenso e interno das veias e vácuos
sambo com meus buracos
descalço, nu como nasci
meio preso meio solto
ábsono e absorto
quase com sono
sambo meio grogue
minha apoteose
é iogue
de mãos no bolso
______________________________________________________

(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 09/09/2015. Luis Turiba recita Ou a gente…, poema de sua autoria.)

 

OU A GENTE…  (Luis Turiba)

Ou a gente se Raoni
Ou a gente se Sting

Uma metade passa fome
Outra metade faz regime

Minha vida é uma novela
Minha casa um tele-cine

No meu quarto tem uma cama
Que às vezes vira um ringue

Quem não sabe cala a boca
Quem não conhece só finge

Você só pensa em tarô
Mas meu caso é com I-Ching

O teu corpo é escultura
Minha alma sua vitrine

Uns preferem a linha reta
Outros vão pelo suingue

No amor somos sinceros
Na morte somos esfinges

Ainda me mando pros ares
Vou montado no estilingue

A vida não dá replay
Aproveite e não se vingue

Ou a gente se Raoni
Ou a gente se Sting
______________________________________________________

(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 09/09/2015. Cristiano Menezes recita Palavras, poema de sua autoria.)

 

PALAVRAS  (Cristiano Menezes)

Que não nos faltem as palavras
palavras faladas
ou no papel
palavras ao léu
palavras
contato

Palavras sem tato
palavras claras
fanhas
loucas
ou roucas

Palavras aflitas
palavras medidas
palavras soltas
nas línguas ferinas
ou afogadas no batom
de bocas carnudas

Palavras confete,
desnudas
envoltas em serpentinas
palavras purpurina
na festa da carne

Palavras sapecas
atrevidas
cintilando
nas rimas do meu samba na avenida

Palavras signos
do código que nos decifra
alegorias dos enredos
marolas do rio
que me leva ao mar

São as palavras que me fazem amar
ou brigar

Palavras excitam
palavras hesitam
e me lançam
como flecha
nos corações desavisados

Palavras
que não nos faltem as palavras
_____________________________________________________

(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 09/09/2015. Cristiano Menezes relata um ocorrido entre ele & o poeta amazonense Thiago de Mello. Depois, recita Trilha, poema de sua autoria.)

 

TRILHA  (Cristiano Menezes)

O que será que há
depois daquela curva

O que será
ao fim deste caminho
que se oferece
e me instiga
a seguir
passo a passo
hesitante
atento ao estalo
de cada galho
em que piso
neste caminho
que se estende
entre verdes
e esperanças

O que será
ali à frente
quando vira
parece que desce
não sei pra onde
e mais adiante
segue morro acima

O que será que há
depois daquela ladeira

Onde vai dar este caminho
que agora vejo
não tem volta
este caminho
que não conheço
mas a cada passo
enfim percebo
é meu este caminho.

SEU NOME
15 de setembro de 2010

seu nome em tudo o que vejo, em tudo o que sinto, em tudo o que desejo.
 
seu nome para iluminar, seu nome a fim de expandir, seu nome como força motriz, seu nome para concluir, seu nome para estar triste e, sobretudo, seu nome para ser feliz.
 
em seu nome, erguer elegias. em seu nome, eleger elegâncias.
 
seu nome para paladar, seu nome para pedalar, seu nome para perdurar.
 
seu nome solto no ar.
 
seu nome na boca do povo.
 
seu nome em nome de todos!
 
beijo bom nos senhores!
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(do livro: Esquimó. autor: Fabrício Corsaletti. editora: Companhia das Letras.)
 
 
SEU NOME
 
se eu tivesse um bar ele teria o seu nome
se eu tivesse um barco ele teria o seu nome
se eu comprasse uma égua daria a ela o seu nome
minha cadela imaginária tem o seu nome
se eu enlouquecer passarei as tardes repetindo o seu nome
se eu morrer velhinho no suspiro final balbuciarei o seu
                                                                            [nome
se eu for assassinado com a boca cheia de sangue gritarei o
                                                                            [seu nome
se encontrarem meu corpo boiando no mar no meu bolso
                                   [haverá um bilhete com o seu nome
se eu me suicidar ao puxar o gatilho pensarei no seu nome
a primeira garota que beijei tinha o seu nome
na sétima série eu tinha duas amigas com o seu nome
antes de você tive três namoradas com o seu nome
na rua há mulheres que parecem ter o seu nome
na locadora que frequento tem uma moça com o seu nome
às vezes as nuvens quase formam o seu nome
olhando as estrelas é sempre possível desenhar o seu nome
o último verso do famoso poema de Éluard poderia muito
                                                         [bem ser o seu nome
Apollinaire escreveu poemas a Lou porque na loucura da
                        [guerra não conseguia lembrar o seu nome
não entendo por que Chico Buarque não compôs uma
                                                 [música para o seu nome
se eu fosse um travesti usaria o seu nome
se um dia eu mudar de sexo adotarei o seu nome
minha mãe me contou que se eu tivesse nascido menina
                                                             [teria o seu nome
se eu tiver uma filha ela terá o seu nome
minha senha do e-mail já foi o seu nome
minha senha do banco é uma variação do seu nome
tenho pena dos seus filhos porque em geral dizem “mãe”
                                                         [em vez do seu nome
tenho pena dos seus pais porque em geral dizem “filha” em
                                                               [vez do seu nome
tenho muita pena dos seus ex-maridos porque associam o
                                            [termo ex-mulher ao seu nome
tenho inveja do oficial de registro que datilografou pela
                                                 [primeira vez o seu nome
quando fico bêbado falo muito o seu nome
quando estou sóbrio me controlo para não falar demais o
                                                                      [seu nome
é difícil falar de você sem mencionar o seu nome
uma vez sonhei que tudo no mundo tinha o seu nome
coelho tinha o seu nome
xícara tinha o seu nome
teleférico tinha o seu nome
no índice onomástico da minha biografia haverá milhares
                                             [de ocorrências do seu nome
na foto de Korda para onde olha o Che senão para o
                                                     [infinito do seu nome?
algumas professoras da USP seriam menos amargas se
                                                          [tivessem o seu nome
detesto trabalho porque me impede de me concentrar no
                                                                        [seu nome
cabala é uma palavra linda mas não chega aos pés do seu
                                                                                [nome
no cabo da minha bengala gravarei o seu nome
não posso ser niilista enquanto existir o seu nome
não posso ser anarquista se isso implicar a degradação do
                                                                           seu nome
não posso ser comunista se tiver que compartilhar o seu
                                                                              [nome
não posso ser fascista se não quero impor aos outros o seu
                                                                              [nome
não posso ser capitalista se não desejo nada além do seu
                                                                              [nome
quando saí da casa dos meus pais fui atrás do seu nome 
morei três anos num bairro que tinha o seu nome
espero nunca deixar de te amar para não esquecer o seu
                                                                              [nome
espero que você nunca me deixe para eu não ser obrigado a
                                                        [esquecer o seu nome
espero nunca te odiar para não ter que odiar o seu nome
espero que você nunca me odeie para eu não ficar arrasado
                                                        ao ouvir o seu nome
a literatura não me interessa tanto quanto o seu nome
quando a poesia é boa é como o seu nome
quando a poesia é ruim tem algo do seu nome
estou cansado da vida mas isso não tem nada a ver com o
                                                                          seu nome
estou escrevendo o quinquagésimo oitavo verso sobre o seu
                                                                               nome
talvez eu não seja um poeta à altura do seu nome
por via das dúvidas vou acabar o poema sem dizer
                                              [explicitamente o seu nome