VERSOS DE ORGULHO: CHARNECA EM FLOR
24 de abril de 2013

Charneca em flor

(Charneca em flor: charneca: vegetação que cresce em regiões incultas & arenosas, caracterizada por arbustos & plantas herbáceas resistentes.)
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enche o peito da mulher amorosa, num encanto mágico, o frêmito — o balançar, o bramido — das coisas dolorosas, das coisas doídas, das coisas que machucam…

sob as urzes — plantas arbustos que florescem flores brancas — queimadas da mulher amorosa, nascem suas rosas…

(sob as coisas dolorosas, coisas doridas, da mulher amorosa, nasce seu encanto mágico.)

nos seus olhos as lágrimas são apagadas.

anseia, deseja, a mulher amorosa! asas abertas! o que traz dentro de si? ela ouve bocas silenciosas murmurar-lhe as palavras misteriosas que perturbam seu ser como um afago (as palavras misteriosas: desejo, febre, amor…).

e, na febre ansiosa que a invade, a mulher amorosa despe a sua mortalha, despe o seu burel, a mulher amorosa despe as suas vestimentas de luto, de tristeza, e já não é — a mulher amorosa — “sóror saudade”, e já não é — a mulher amorosa — a porta-voz da saudade, e já não é — a mulher amorosa — a religiosa a carregar a saudade no andor.

olhos a arder em êxtases de amor, boca a saber a sol, a fruto, a mel: a escolha da mulher que já não é “sóror saudade” (a religiosa que carrega a saudade no andor): a proposta — que não é a mesma de antes — da mulher: arder em êxtases de amor: ser a charneca rude a abrir em flor!

por ter os olhos a arder em êxtases de amor, por ter a boca a saber a sol, a fruto, a mel, por ser a charneca rude a abrir em flor, diz a mulher amorosa que o mundo lhe quer mal. diz a mulher amorosa que o mundo lhe quer mal também porque ninguém tem asas como as suas, porque deus a fez nascer “princesa” entre plebeus, numa torre de orgulho & de desdém.

à mulher amorosa — princesa de um reino para além (do mundo material), alheia aos reles mortais que somos, encastelada em sua torre de orgulho & de desdém — cabe, no seu olhar, os vastos céus; e os ouros & os clarões da vida (a luz do dia, a transparência da água, o frescor do vento, a clareza da cor) são todos seus.

o mundo — o que é o mundo ao amor da mulher amorosa, princesa presa ao seu reino (que fica para além), distante desta nossa vida ordinária?

o mundo ao amor da mulher amorosa: o jardim dos seus versos todo em flor… a seara — extensão de terra cultivada — dos beijos do amado amor, pão bendito em sua boca.

os êxtases os sonhos os cansaços, da mulher amorosa: são os braços do seu amado amor dentro dos seus braços, via láctea (os braços da mulher amorosa) fechando, abarcando, acolhendo, abrigando, cabendo, o infinito (o universo que representa o amado amor para a mulher amorosa, para a sua proposta, não mais a de “sóror saudade”: olhos a arder em êxtases de amor, boca a saber a sol, a fruto, a mel, a charneca rude a abrir em flor).

(nunca é tarde para mudanças, nunca é tarde para novas propostas.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas. autora: Florbela Espanca. organização: Maria Lúcia Dal Farra. editora: Martins Fontes.)

 

 

CHARNECA EM FLOR

 

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas…
Sob as urzes queimadas nascem rosas…
Nos meus olhos as lágrimas apago…

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, Sóror Saudade…

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

 

 

VERSOS DE ORGULHO

 

O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.

Porque o meu Reino fica para além…
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus!
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

O mundo! O que é o mundo, ó meu Amor?
— O jardim dos meus versos todo em flor…
A seara dos teus beijos, pão bendito…

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços…
— São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.

FLOR BELA D’ALMA
29 de março de 2010

queridos & queridas,
 
abaixo, três poesias da delicada e amorosa poeta portuguesa florbela espanca, uma grande voz feminina do início do século vinte.
 
uma robusta melancolia permeia toda a sua obra, marcada por saudades e umas tantas tristezas & decepções amorosas. 
 
os textos que seguem dão conta de mostrar essa nuance que muito se destaca na sua poética.
 
gosto muito dos poetas que atrelam ao seu modo de escrever a simplicidade (na abordagem do assunto que se dispõem a tratar) & a sofisticação, o requinte (ao manejarem com maestria a língua na qual versejam).
 
florbela espanca, aos meus olhos, integra essa categoria de vates.
 
seu nome é já poesia: florbela d’alma (da conceição espanca) e diz um bocado sobre o que é encontrado nesta bela flor da alma. 
 
aqui, escritos que falam sobre a vida, sobre seus versos e seu jeito de ver os poetas.
 
colham estas formosas flores poéticas e guardem-nas em algum recanto do ser.
 
beijo em vocês.
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Poemas. autora: Florbela Espanca. organização: Maria Lúcia Dal Farra. editora: Martins Fontes.)
 
 
VERSOS
 
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma…
 
Versos!… Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!
 
Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…
 
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Meus soluços de dor andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…
 
 
POETAS
 
Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.
 
Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!
 
Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas
 
E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!
 
 
A VIDA
 
É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento…
Lançar um grande amor aos pés d’alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!
 
Todos somos no mundo “Pedro Sem”,
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo d’onde vem!
 
A mais nobre ilusão morre… desfaz-se…
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida…
 
Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a Vida!…

ÀS MULHERES
8 de março de 2010

Mulheres_PB
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o dia de hoje, 8 de março, é reservado internacionalmente a uma homenagem às mulheres. por essa razão, segue este poema-canção, lindíssimo, que se encaixa perfeitamente ao laurel proposto: versos que falam de mulheres, mais especificamente das mulheres do meu brasil varonil, porém possíveis de serem estendidos a todas as demais mulheres, debuxados por uma grande cantora & compositora & interpretados por outra grande companheira de profissão. eu, desde sempre, desde a minha mãe, desde as minhas tias, sou louco por mulheres, um grande fã. as que conheço & estão ao meu lado são habituadas a delicadezas. inteligentes, protetoras, perspicazes.

gosto muito de gente. gosto de escutar gente, de saber o que pensa, como anda. não seria diferente com as mulheres.

a elas, a capacidade não só de gerar, mas também de armazenar vida latente, vida pulsante. acho comovente mulher barriguda que vai ter menino.

à jurema, nely, joyce, maria, clarice, lya, lygia, marly, nélida, adélia, rachel, orides, cora, cecília, sophia, natália, florbela, cacilda, fernanda, marília, bibi, dolores, clara, gal, nana, rita, elis, elisa, alice, hilda, claudia, patrícia, zélia, e assim sucessivamente, em espiral vertiginosa: muitíssimo obrigado. por tanto, por tudo, agradeço a vocês, mulheres da minha trilha, irmãs porque a mãe natureza fez todas tão belas.

parir, gerar, criar: existir: eis a prova de destino tão valoroso.

a mulher brasileira, no alto a sua bandeira, saúda o povo & pede passagem!

que vocês, mulheres, de um modo bonito, de um modo delicado, conquistem o mundo!

um brinde a elas!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do encarte do cd: Maria. artista: Maria Bethânia. autora dos versos: Joyce. gravadora: BMG Ariola.)

 

 

MULHERES DO BRASIL

 

No tempo em que a maçã foi inventada
Antes da pólvora, da roda e do jornal
A mulher passou a ser culpada
Pelos deslizes do pecado original
Guardiã de todas as virtudes
Santas e megeras, pecadoras e donzelas
Filhas de Maria ou deusas lá de Hollywood
São irmãs porque a Mãe Natureza fez todas tão belas
Tão belas
Ó Mãe, ó Mãe, ó Mãe
Nossa Mãe, abre teu colo generoso
Parir, gerar, criar e provar nosso destino valoroso
São donas de casa, professoras, bailarinas
Moças, operárias, prostitutas, meninas
Lá do breu das brumas vem chegando a bandeira
Saúda o povo e pede passagem a mulher brasileira
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Maria. artista & intérprete: Maria Bethânia. canção: Mulheres do Brasil. autora da canção: Joyce. gravadora: BMG Ariola.)