___________________________________________________________________
mel silvestre tirei das plantas, sal tirei das águas, luz tirei do céu.
escutai, meus irmãos: poesia tirei de tudo para oferecer à vida, para oferecer à força criadora que move este mundo.
não tirei ouro da terra nem sangue de meus irmãos.
estalajadeiros, que são os donos de estalagem, não me incomodeis.
bufarinheiros, que são vendedores ambulantes de bufarinhas (coisas bobas, insignificantes), e banqueiros, sei fabricar distâncias para vos recuar.
a vida está malograda, está fracassada, está malsucedida, e eu creio nas mágicas da força criadora do universo.
os galos não cantam, a manhã não raiou: a vida está malograda, está fracassada, está malsucedida.
vi navios irem & voltarem (não completando a sua viagem), vi infelizes irem & voltarem (não completando a sua viagem), vi ziguezagues na escuridão: a vida está malograda, está fracassada, está malsucedida.
capitão-mor, governador de capitania hereditária, homem de conhecimentos, onde é o congo? me diz, capitão-mor, governador de capitania hereditária, homem de conhecimentos, onde é a ilha de são brandão?
capitão-mor, governador de capitania hereditária, que noite escura!
(os galos não cantam, a manhã não raiou: a vida está malograda, está fracassada, está malsucedida.)
uivam molossos, uivam cães de aspecto robusto & ameaçador, na escuridão.
ó indesejáveis, ó indivíduos cuja presença não é desejável por mostrarem-se perniciosos aos interesses dos demais irmãos de terra, qual o país, qual o país que desejais?…
(os indesejáveis só sabem denegrir a vida, os indesejáveis só sabem obscurecer os caminhos dos demais irmãos de terra.)
mel silvestre tirei das plantas, sal tirei das águas, luz tirei do céu: só tenho poesia para vos dar.
abancai-vos, meus irmãos!
para vos dar, só tenho: poesia: e um convite para a ilha:
não digo em que signo se encontra esta ilha, não falo sob que forma avista-se a ilha, mas ilha mais bela não há no alto-mar.
o peixe cantor existe por lá.
ao norte dá tudo: baleias azuis, o ouriço vermelho, o boto voador.
a leste da ilha há o gêiser gigante (gêiser: fonte termal que lança no ar jatos de água ou vapor em intervalos regulares), deitando água morna. quem quer se banhar?
há plantas carnívoras sem gula, que amam & não devoram.
ao sul o que há? há rios de leite, há terras bulindo, mulheres nascendo, raízes subindo, lagunas tremendo, coqueiros gemendo, areias se entreabrindo.
a oeste o que há? não há o ocidente nem coisa de lá: a terra está nova: devemos olhar o sol se elevar.
convido os rapazes & as raparigas para ver esta ilha, correr nos seus bosques, nos vales em flor, nadar nas lagunas, brincar de esconder, dormir no areal, caçar os amores que existem por lá.
o sol da meia-noite, a aurora boreal, o cometa de halley, as moças & moços nativos, podeis desfrutar.
partamos todos, enquanto esta ilha não vai afundar, enquanto não chegam guerreiros das terras, enquanto não chegam piratas do mar.
(os indesejáveis só sabem denegrir a vida, os indesejáveis só sabem obscurecer os caminhos dos demais irmãos de terra.)
as noites! que noites de imenso luar! podeis, todos vós, no céu da ilha, contemplar constelações: a ursa maior, a lira, a órion, a luz de altair, estrelas cadentes correndo no espaço, a estrela dos magos — a tão célebre estrela de belém, que guiou os três reis magos do ocidente até o recanto onde nascera o redentor — parada no ar.
que noites de imenso luar!
e as sestas? e as horas de descanso após o almoço? que sestas! a brisa é tão mansa! há redes debaixo dos coqueirais, sanfonas tocando, o sol se encobrindo, as aves cantando canções de ninar.
partamos todos, que as noites de escuro não tardam, não demoram, a chegar na ilha.
(partamos todos, enquanto não chegam guerreiros das terras, enquanto não chegam piratas do mar.)
partamos todos! mas onde fica a ilha? em que parte exatamente do oceano? então que é da ilha, da ilha mais bela que há pelo mar & onde se pode sonhar com os amores que nunca na vida nos hão de chegar?
o jeito é partir em busca desta ilha, o jeito é partir em busca do meu paraíso aqui na terra, o jeito é partir em busca do recanto que desejo a mim, que desejo ao meu bem-estar, sem mapa ou bússola para orientar. simplesmente partir, singrando os mares da vida.
eu, o antinavegador de moçambiques, goas, calecutes.
beijo todos!
paulo sabino.
___________________________________________________________________
(do livro: Melhores poemas. seleção: Gilberto Mendonça Telles. autor: Jorge de Lima. editora: Global.)
DISTRIBUIÇÃO DA POESIA
Mel silvestre tirei das plantas,
sal tirei das águas, luz tirei do céu.
Escutai meus irmãos: poesia tirei de tudo
para oferecer ao Senhor.
Não tirei ouro da terra
nem sangue de meus irmãos.
Estalajadeiros não me incomodeis.
Bufarinheiros e banqueiros
sei fabricar distâncias
para vos recuar.
A vida está malograda,
creio nas mágicas de Deus.
Os galos não cantam,
a manhã não raiou.
Vi os navios irem e voltarem.
Vi os infelizes irem e voltarem.
Vi homens obesos dentro do fogo.
Vi ziguezagues na escuridão.
Capitão-mor, onde é o Congo?
Onde é a ilha de São Brandão?
Capitão-mor que noite escura!
Uivam molossos na escuridão.
Ó indesejáveis, qual o país,
qual o país que desejais?
Mel silvestre tirei das plantas,
sal tirei das águas, luz tirei do céu.
Só tenho poesia para vos dar.
Abancai-vos meus irmãos.
CONVITE PARA A ILHA
Não digo em que signo se encontra esta ilha
mas ilha mais bela não há no alto-mar.
O peixe cantor existe por lá.
Ao norte dá tudo: baleias azuis,
o ouriço vermelho, o boto voador.
A leste da ilha há o Gêiser gigante
deitando água morna. Quem quer se banhar?
Há plantas carnívoras sem gula que amam.
Ao sul o que há? — há rios de leite,
há terras bulindo, mulheres nascendo,
raízes subindo, lagunas tremendo,
coqueiros gemendo, areias se entreabrindo.
A oeste o que há? — não há o ocidente nem coisa de lá:
a terra está nova: devemos olhar o sol se elevar.
Convido os rapazes e as raparigas
pra ver esta ilha, correr nos seus bosques,
nos vales em flor, nadar nas lagunas,
brincar de esconder, dormir no areial,
caçar os amores que existem por lá.
O sol da meia-noite, a aurora boreal,
o cometa de Halley, as moças nativas,
podeis desfrutar. Meninas partamos
enquanto esta ilha não vai afundar,
enquanto não chegam guerreiros das terras,
enquanto não chegam piratas do mar.
As noites! Que noites de imenso luar!
Podeis contemplar a Ursa maior,
A Lira, a Órion, a Luz de Altair,
estrelas cadentes correndo no espaço,
a estrela dos magos parada no ar.
Que noites, meninas, de imenso luar!
E as sestas? Que sestas! A brisa é tão mansa!
Há redes debaixo dos coqueirais,
sanfonas tocando, o sol se encobrindo,
as aves cantando canções de ninar.
Meninas partamos que as noites de escuro
não tardam a chegar. Então que é da ilha,
da ilha mais bela que há pelo mar
e onde se pode sonhar com os amores
que nunca na vida nos hão de chegar?