NUVENS
15 de julho de 2014

Nuvens

Nuvens & Cadeia de montanhas

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Céu, tão grande é o céu
E bandos de nuvens que passam ligeiras
Pra onde elas vão, ah, eu não sei, não sei

(Canção: Dindi. Versos: Aloysio de Oliveira. Música: Tom Jobim.)

 

 

eu sempre fui um admirador de muitas coisas da natureza.

o mar é o meu amante maior, é a coisa que mais me fascina, que mais prende a minha atenção.

uma outra coisa que me fascina é árvore, ser carregado de folhas & dramaticidade. suas ramificações & galhos, juntamente com as suas folhas, dispõem-se aos meus olhos como braços & mãos em poses dramáticas, em poses teatrais.

coisa também que me fascina é pedra, sua constituição maciça, inteiriça, inerte, inanimada, silenciosa, parada no tempo, pregada ao chão.

e, por fim, coisa também fascinante, que é o inversamente proporcional às pedras, é nuvem.

pelo motivo inverso ao das pedras (sua constituição maciça, inteiriça, inerte, inanimada, silenciosa, parada no tempo, pregada ao chão), eu adoro olhar nuvens. desde muito novo.

para descrever as nuvens, eu necessitaria ser muito rápido — numa fração de segundo, deixam de ser as que são, tornam-se outras.

é próprio delas não se repetir nunca nas formas, matizes, poses & composição.

sem o peso de nenhuma lembrança, as nuvens flutuam, sem esforço, sobre os fatos mundanos.

elas — as nuvens — lá podem ser testemunhas de alguma coisa?

logo se dispersam para todos os lados.

comparada com as nuvens, passageiras & ligeiras & mutáveis por demais, a vida, que também é passageira & ligeira & mutável por demais, parece muito sólida, parece quase perene, quase ininterrupta, praticamente eterna.

perante as nuvens, até a pedra parece uma irmã em quem se pode confiar, devido à sua constituição maciça, inteiriça, inerte, inanimada, silenciosa, parada no tempo, pregada ao chão.

já elas, as nuvens — são primas distantes & inconstantes.

(é próprio delas não se repetir nunca nas formas, matizes, poses & composição.)

que as pessoas vivam, se quiserem, e, em seqüência, que cada uma, que cada pessoa, morra: as nuvens nada têm a ver com toda essa coisa muito estranha a que chamamos: existência.

sobre a tua vida inteira, caro leitor, e sobre a minha vida, ainda incompleta, elas, as nuvens, passam pomposas, como sempre passaram.

as nuvens não têm obrigação de conosco findar.

as nuvens não precisam ser vistas para navegar.

nuvens: é próprio delas não se repetir nunca nas formas, matizes, poses & composição. sem o peso de nenhuma lembrança, as nuvens flutuam, sem esforço, sobre os fatos mundanos.

pelo motivo inverso ao das pedras (sua constituição maciça, inteiriça, inerte, inanimada, silenciosa, parada no tempo, pregada ao chão), eu adoro olhar nuvens (numa fração de segundo, deixam de ser as que são, tornam-se outras). desde muito novo.

a cabeça nas nuvens, os olhos no céu: a tentativa, em solo, dos mais altos vôos.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas. autora: Wislawa Szymborska. seleção & tradução: Regina Przybycien. editora: Companhia das Letras.)

 

 

NUVENS

 

Para descrever as nuvens
eu necessitaria ser muito rápida —
numa fração de segundo
deixam de ser estas, tornam-se outras.

É próprio delas
não se repetir nunca
nas formas, matizes, poses e composição.

Sem o peso de nenhuma lembrança
flutuam sem esforço sobre os fatos.

Elas lá podem ser testemunhas de alguma coisa —
logo se dispersam para todos os lados.

Comparada com as nuvens
a vida parece muito sólida,
quase perene, praticamente eterna.

Perante as nuvens
até a pedra parece uma irmã
em quem se pode confiar,
já elas — são primas distantes e inconstantes.

Que as pessoas vivam, se quiserem,
e em sequência que cada uma morra,
as nuvens nada têm a ver
com toda essa coisa
muito estranha.

Sobre a tua vida inteira
e a minha, ainda incompleta,
elas passam pomposas como sempre passaram.

Não têm obrigação de conosco findar.
Não precisam ser vistas para navegar.

NASCE O SOL & NÃO DURA MAIS QUE UM DIA
21 de julho de 2013

Pôr do sol

 

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nasce o sol & não dura mais que um dia.

depois da luz solar, impreterivelmente, chega a noite escura.

com a chegada da noite, toda a formosura do mundo morre em sombras.

assim como o dia morre com a chegada da noite & suas sombras, a alegria acaba quando chega a tristeza.

porém, se o sol acaba todo dia, por que nascer? por que não dura a formosura da luz solar, que abarca com seus dedos-raios toda a beleza que há?

como a beleza assim se transfigura? por que o mundo, tão belo, encoberto por tristes sombras? por que a alegria, uma hora, acaba em tristeza? por que não perene a felicidade?…

como o gosto da pena, da dor, do sofrimento, assim se fia, como o gosto da pena, da dor, do sofrimento, assim se trama, como o gosto da pena, da dor, do sofrimento, é urdido?…

e também: como o gosto da pena, isto é, como a escrita do poeta, pode fiar, tramar, urdir, criar, algum tecido poético — tecido trançado por palavras — verdadeiramente belo, verdadeiramente feliz, se o mundo é, como se sabe, tramado em tristezas, se no mundo, um dia, as belezas se encerram?…

ainda que desejemos muito que assim não seja, sabemos que falta a firmeza da constância no sol & sua luz, sabemos que a constância não se dá na formosura (tudo, na vida, é transitório: a beleza de um rosto, o amor, a idade, a vida dos amigos), sabemos que na alegria cabe, um dia, uma hora, a tristeza.

o mundo começa pela total ignorância. o conhecimento humano se dá através da transmissão das experiências dos nossos antecessores aos seus sucessores. aqueles que nos antecedem, com as suas vivências, deixam um legado de informações sobre o mundo, permitindo, às próximas gerações, a geração de conhecimentos ainda mais amplos.

hoje sabemos que qualquer dos bens do mundo, por natureza, tem a firmeza somente na inconstância.

hoje sabemos que qualquer dos bens do mundo, por natureza, tem a inconstância como a única constante.

(tudo muda, o tempo todo, no mundo.)

(saibamos aproveitar o transitório & o que ele nos traz de bom & feliz.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: O canto das musas — poemas para conhecer, ler, recitar e cantar. autores: Aline Evangelista Martins, Cibele Lopresti e Péricles Cavalcanti. organização: Zélia Cavalcanti. autor do poema: Gregório de Matos. editora: Companhia das Letras.)

 

 

NASCE O SOL E NÃO DURA MAIS QUE UM DIA

 

Moraliza o poeta nos ocidentes do Sol a inconstância dos bens do mundo.

Nasce o sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas, no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

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Gregório de Matos Guerra nasceu em Salvador, Bahia, em 1633 ou 36 — não se sabe ao certo —, e morreu em Recife, Pernambuco, em 1696. Aos catorze anos foi estudar em Lisboa, Portugal, onde se formou advogado. Lá começou a trabalhar junto à corte, mas desde sempre demonstrou aptidão para as sátiras, forma que o autor mais utilizou. Por zombar de políticos, religiosos e pessoas influentes na sociedade de sua época, foi chamado de Boca do Inferno. Em 1681, depois de colecionar inimizades, foi mandado de volta a Salvador, onde continuou a se portar como um crítico incansável. Indispondo-se com pessoas influentes, terminou exilado em Angola, onde também zombou dos poderosos. Para afastá-lo daqueles a quem ele podia incomodar, foi enviado de volta para Recife, onde morreu um ano depois. Gregório de Matos foi um dos primeiros a usar palavras de origem indígena e africana em suas produções, por isso o estudo de sua obra colabora para a reflexão sobre o momento inaugural da literatura brasileira.