OCUPAÇÃO POÉTICA — TEATRO CÂNDIDO MENDES (3ª EDIÇÃO) — FOTOS & VÍDEO DE ABERTURA
1 de março de 2016

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(Casa lotada na 3ª edição deste projeto)

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(Os participantes desta 3ª edição do projeto: Vitor Thiré, Luiza Maldonado, Danilo Caymmi, Paulo Sabino, Geraldo Carneiro, Camilla Amado, Maria Padilha, Alice Caymmi, Luana Vieira, Bruce Gomlevsky & Tonico Pereira)

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(Paulo Sabino: lendo poemas & o “MC” — Mestre de Cerimônias — da noite)

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(O ator & diretor Bruce Gomlevsky)

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(A atriz Camilla Amado & o homenageado da noite, Geraldo Carneiro)

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(O ator Vitor Thiré & a atriz Luiza Maldonado em trecho de “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, tradução de Geraldo Carneiro)

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(Danilo & Alice Caymmi em dueto de canção nascida da parceria entre Danilo Caymmi & Geraldo Carneiro)

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(A atriz Maria Padilha interpretando sonetos de Shakespeare na tradução de Geraldo Carneiro)

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(O mestre Tonico Pereira & a atriz Luana Vieira na encenação do poema épico “Fabulosa jornada ao Rio de Janeiro”, recém-lançado em livro por Geraldo Carneiro)

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(Com os grandes & queridos Tonico Pereira & Maria Padilha)

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(Com os diretores artísticos da noite: Bruce Gomlevsky & Geraldo Carneiro)

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(Com o grande homenageado da noite, o poeta, tradutor & dramaturgo Geraldo Carneiro)

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(Ao final de tudo, no camarim, Fernandinha Oliveira & Adil Tiscatti, os administradores do teatro Cândido Mendes, e nossos amigos que ajudaram a lotar a sala nesta 3ª edição)
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“Querido Paulo,

Foi uma noite adorável.

Agradeço a você, pela delicadeza, pela compreensão da poesia, pela pluri-competência.

Saiba que você ganhou pelo menos um amigo, talvez muitos outros.

Espero que tenhamos outras oportunidades de saborear noites tão felizes.

Obrigado por tudo e grande abraço,
Geraldo”.

(Geraldo Carneiro)

 

“Foi lindo Paulo Sabino…Tonico Pereira e Geraldinho mais que brilharam… a jovem que contracenou com Tonico também esteve maravilhosa… parabéns para todos pq tudo estava perfeito.

Ah, me esqueci do Danilo… ele é realmente o máximo.”

(Guilherme Zarvos — poeta & fundador do CEP 20.000)

 

“UMA POESIA ENCANTANTE

poesia culta perfumada por tiradas de amor & humor. bem colocada como uma flor na primavera: lírica & prosaica. poesia que surpreende como um drible de Garrincha. nem moderna nem pós: poesia sem nós pra nós que nos faz vestir cada palavra dita e nos impulsiona ao aplauso e ao bem-estar da surpresa inebriante que só a boa poesia causa. poesia charmosa e manhosa de Geraldo Carneiro.

o teatro Cândido Mendes se encheu de gente para o recital ‘Ocupação Póetica’, um sarau organizado por Paulo Sabino, que ganhou um novo e surpreendente formato com vários convidados interpretando poemas do homenageado. seu estilo saboreado em várias e diferentes vozes. entre os convidados, as atrizes Maria Padilha, o cantor Danilo Caymmi e sua filha Alice Caymmi, além do fantástico ator Tonico Pereira que, só de cuecão vermelho, interpretou um texto bufo macunaímico do poeta intitulado ‘Fabulosa jornada ao Rio de Janeiro’.

uma noite onde a deusa Poesia ganhou um novo status e falou mais alto.

tiramos o chapéu.”

(Luis Turiba — poeta & fundador da revista BRIC-A-BRAC)

 

 

 

Queridos,

Nem sei como iniciar… talvez eu só tenha mesmo que agradecer, agradecer, agradecer & agradecer imensamente, tudo o que a Poesia, minha Musa Eterna, minha Amante Maior, tem trazido à minha vida.

A 3ª edição do projeto “Ocupação Poética”, no teatro Cândido Mendes (Ipanema), como eu pressentia, foi linda, esplendorosa, um desbunde!

Como é de costume quando vivo intensamente um momento regado a rimas & versos, no dia seguinte ao evento eu era — e ainda sou! — o puro sumo do amor, no dia seguinte ao evento eu era — e ainda sou! — amor da cabeça aos pés!

Casa lotada, público quente, participantes pra lá de talentosos & especiais, comemorando os 40 anos de produção literária do grande poeta, tradutor & dramaturgo — hoje também um grande & querido amigo meu — Geraldo Carneiro!

Eu só sei de uma coisa: quanto mais melhor! A idéia é de que a “Ocupação Poética”, no teatro Cândido Mendes (Ipanema), aconteça bimestralmente!

Fernandinha Oliveira, Adil Tiscatti, Rafael Roesler Millon, Geraldinho Carneiro, Bruce Gomlevsky, Tonico Pereira, Vitor Thiré, Maria Padilha, Camilla Amado, Luiza Maldonado, Luana Vieira, Danilo & Alice Caymmi, amigos que foram assistir, público de modo geral, obrigadíssimo por tudo, por toda a beleza que ficou impressa na minha memória & no meu coração.

Temos vídeos das apresentações! Irei, com mais calma & tempo, disponibilizando aos interessados.

Aqui, o vídeo & o poema de abertura desta 3ª edição do projeto & mais um outro poema, que complementa o lido por mim.

Viva a Poesia! Viva a “Ocupação Poética”! Vida longa ao projeto!

Valeu!

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [3ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 24/02/2016. Abertura desta ediçãoPaulo Sabino recita Madrigal triste, poema de Geraldo Carneiro.)

 

MADRIGAL TRISTE  (Geraldo Carneiro)

eu sou como o rei de um país ensolarado
e todos os vadios me devem vassalagem
assim como as mariposas, as sereias
& os moluscos da beira-mar
aos 25 anos decaptei
o busto de meu avô ex-monarca
e inaugurei uma nova ordem natural
aboli por decreto a realidade
e abdiquei também de certas pompas

a preguiça infame
jamais me permitiu demarcar
os limites de meu reino
digamos então que confino
a Leste com o Oceano Atlântico
ao Sul com o Paraíso
a Oeste com as ficções selvagens
de José de Alencar
e ao Norte com minha morte

tudo isso não me basta
(ai de mim) queria mesmo era colher
o grito pleno da tua alma cheia de tormentos

(maiores informações em Madrigal Triste,
de Charles Baudelaire)
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(do livro: Poesia e prosa — volume único. autor: Charles Baudelaire. poema extraído originalmente do livro: As flores do mal. tradução de “As flores do mal”: Ivan Junqueira. editora: Nova Aguilar.)

 

 

MADRIGAL TRISTE

 

1

Que me importa que saibas tanto?
Sê bela e taciturna! As dores
À face emprestam certo encanto,
Como à campina o rio em pranto;
A tempestade apraz às flores.

Eu te amo mais quando a alegria
Te foge ao rosto acabrunhado;
Quando a alma tens em agonia,
Quando o presente em ti desafia
A hedionda nuvem do passado.

Eu te amo quando em teu olhar
O pranto escorre como sangue;
Ou quando, a mão a te embalar,
A tua angústia ouço aflorar
Como um espasmo quase exangue.

Aspiro, volúpia divina,
Hino profundo e delicioso!
A dor que o teu seio lancina
E que, quando o olhar te ilumina,
Teu coração enche de gozo!

2

Sei que o teu peito, que palpita
À sombra de amores passados,
Qual uma forja ainda crepita,
E que a garganta enfim te habita
Algo do orgulho dos danados;

Mas enquanto, amor, no que sonhas
Do Inferno a imagem não for dada,
E dessas visões tão medonhas,
Em meio a gládios e peçonhas,
De pólvora e ferro animada,

Sempre de todos te escondendo,
Denunciando em tudo a desgraça
E à hora fatal estremecendo,
Não houveres sentido o horrendo
Aperto do asco que te abraça,

Não poderás, rainha e escrava,
Que apenas me amas com pavor,
Nos abismos que a noite escava,
Dizer-me, a voz trêmula e cava:
“Sou tua igual, ó meu Senhor!”

É TUDO AMOR
2 de dezembro de 2014

Samambaia

(É tudo amor, e mais coisa nenhuma de que sequer se guarde uma lembrança: na foto, uma samambaia, planta preferida do meu pai, o primeiríssimo Paulo Sabino)
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se entre nós, no primeiro dia do último mês do ano (01/12), o responsável por trazer à luz da vida este que vos escreve, o primeiríssimo paulo sabino, venceria as suas 72 primaveras.

2014: este ano, exatos 10 anos sem a presença dele.

2014: este ano, exatos 10 anos com a presença dele apenas em mim: no meu gestual, na minha alegria de vida, no meu bom-humor, na delicadeza que busco no trato dispensado aos meus demais irmãos de terra: na minha memória.

2014: há exatos 10 anos, o grande paulo sabino, o primeiríssimo, partia deste mundo para tornar-se uma estrela-guia no meu trajeto noite adentro, estrela-guia na obscuridade em que se projeta a existência.

o que há de melhor, em mim, eu devo a ele. tanto devo, que, hoje, o que, antes, foi uma saudade demasiadamente doída, 10 anos depois da sua partida transfigurou-se em lembranças doces. por vezes melancólicas, porém muito doces na sua composição.

filho de um violonista baiano & de uma catarinense, foi envolvido com a música, especificamente com o samba, desde que me entendo por gente (envolveu-se por 10 anos com uma escola de samba do rio de janeiro).

adorava viajar de carro, adorava passeios ao ar livre (o parque do flamengo foi dos seus cenários prediletos), adorava cinema (foi ele quem me apresentou almodóvar, lá atrás, quando o diretor espanhol nem sonhava com o sucesso que alcançou).

adorava dançar em casa, e se acabava quando eu, fascinado por sua presença alegre, iluminada, punha, na vitrola, determinadas canções que o faziam rodopiar pela casa com o seu sorriso farto, de quem nasceu para a amorosidade.

ele foi um apaixonado pela língua portuguesa & admirava & apostava no meu talento para com as letras, desde que me dedico à poesia & à interpretação de poemas.

entre mim & meu velho, meu eterno, meu pai,  é tudo amor, e mais coisa nenhuma de que sequer se guarde uma lembrança, um traço do seu rosto, o fluido passo de uma dança, uma canção — na vitrola antiga — que foge em meio à bruma.

é tudo amor: é tudo o que há na ponta de uma lança que nos fere como áspera verruma (verruma: instrumento de aço que tem a sua extremidade inferior aberta em espiral e terminada em ponta, usado para abrir furos), pois todos sabemos, como já versejou o poetinha, que o amor é a coisa mais triste quando se desfaz, todos sabemos que o amor é a coisa mais triste quando perdido, e, quando fere, quando machuca, ninguém mais se apruma, ninguém mais se endireita, nem que o gáudio — nem que a alegria, o contentamento — da vingança — quando perde-se um amor & o sentimento torna-se mágoa — conserte o furo, a ferida, que o amor causou.

o amor é tudo & apenas o que não se alcança, porque não se pode compreender plenamente o amor: nenhuma definição existente sobre o amor consegue conter o que seja o amor em sua plenitude: ao amor cabe o imponderável, ao amor cabe o inexplicável.

o amor é o que, às vezes tão próximo, se esfuma & escorre mais depressa do que a espuma com que as ondas tecem sua trança de água & sal.

o amor é a chaga que, sendo fugaz, sendo efêmera, passageira, perdura & nos dói como um mal que não tem cura.

o amor é tudo isso & um pouco mais: o amor não possui forma, fórmula, cheiro, cor, cara, peso, tamanho. por mais bem escrita a definição, não existe definição que comporte todo o matiz, todo o colorido, que o amor carrega, que o mais nobre dos sentimentos agrega.

mas seja o que for o amor, cair, quedar em seu abismo com admirações tamanhas que do amor & seu abismo não se consiga mais sair.

pai, por tudo, por tanto, esta singela homenagem nesta primeira década sem a sua presença física, com você aceso em mim. uma chama que nunca se extinguirá neste peito. não há vento ou tempestade capaz de apagá-la, não há intempérie capaz de miná-la.

chama eterna, como eterno o meu amor por você.

entre mim & meu velho, meu eterno, meu pai,  é tudo amor, e mais coisa nenhuma de que sequer se guarde uma lembrança.

salve o primeiríssimo paulo sabino!
salve a sua existência na minha!

beijo todos!
paulo sabino, o filho.
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(do livro: Essa música. autor: Ivan Junqueira. editora: Rocco.)

 

 

É TUDO AMOR

 

É tudo amor, e mais coisa nenhuma
de que sequer se guarde uma lembrança,
um traço, o fluido passo de uma dança,
uma canção que foge em meio à bruma.
É tudo o que há na ponta de uma lança
que nos fere como áspera verruma
e, quando fere, ninguém mais se apruma,
nem que o conserte o gáudio da vingança.
É tudo e apenas o que não se alcança,
o que, às vezes tão próximo, se esfuma
e escorre mais depressa do que a espuma
com que tecem as ondas sua trança.
É a chaga que, sendo fugaz, perdura
e nos dói como um mal que não tem cura.

FLOR AMARELA — AOS 37, O MENINO QUE MORA DENTRO DELA
24 de junho de 2013

Paulo Sabino & a flor amarela

 

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mais um ano que se passa, mais um ciclo que se fecha ao início de outro.

hoje, 24 de junho, dia de são joão, xangô menino, este que vos escreve vence as suas 37 primaveras.

frente à vida, tantos acontecimentos, tantas vivências… viver não é fácil. há que se fortalecer a fim de enfrentar os dissabores do dia-a-dia. mas as dificuldades não tornam a vida menos interessante & bela naquilo que nos retorna interessante & belo.

a busca pelo bem-estar é um exercício. reter-se no que agrada, no que estimula, no que emociona, é quase uma obrigação para quem deseja atravessar os dias com o mínimo de bom humor.

são tantos os aborrecimentos, que fazer as coisas — ainda que mínimas — que proporcionem prazeres é um jeito de tirar um tanto do peso dos desagrados cotidianos.

ler poesia, ir ao teatro, assistir a um filme, sair para dançar, ver um espetáculo de música, brincar com as palavras, observar as nuances do dia (suas cores, seus cheiros, suas paisagens, suas pessoas), encontrar os amigos, encontrar o mar, passar um tempo no meio do mato tomando banho de rio, tudo isso forma a estrutura que atenua os males do viver & que me faz resistir.

tudo isso ajuda a preservar o menino que há em mim & que não deixo morrer.

o menino que circula em mim & que descansa por detrás daquela montanha, dentro da flor amarela.

pois atrás daquela montanha tem uma flor amarela.

dentro da flor amarela, o menino que eu era.

porém, se atrás daquela montanha não houver a tal flor amarela, o importante é acreditar que, atrás de uma outra montanha, tenha uma flor amarela com o menino que eu era, guardado dentro dela.

o importante é acreditar que dentro da flor amarela repousa o menino que circula em mim.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia reunida. autor: Ivan Junqueira. editora: A Girafa.)

 

 

FLOR AMARELA

A José Reynaldo Magalhães

 

Atrás daquela montanha
tem uma flor amarela;
dentro da flor amarela,
o menino que você era.

Porém, se atrás daquela
montanha não houver
a tal flor amarela,
o importante é acreditar
que atrás de outra montanha
tenha uma flor amarela
com o menino que você era
guardado dentro dela.

CANÇÃO
22 de junho de 2013

Flores coloridas

(Flores para te enfeitar, flores para te agradar.)
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porque pedes (e não precisarias pedir, porque a tua satisfação é o meu maior prazer), trago flores & derramo-as em teu leito, porque pedes, trago flores & derramo-as sobre teus úmidos pêlos, porque pedes, trago flores & derramo-as entre os gomos de teu peito, refúgio meu para um sono apaziguado.

porque pedes (e não precisarias pedir, porque ver-te sorrir é um alimento à alma), planto flores no lugar do desespero & mudo os tons da palheta — que te pigmentam o humor & a disposição — do negro (luto, tristeza, desânimo) para o vermelho (vitalidade, ânimo, vontade acesa).

porque pedes (e não precisarias pedir, porque o teu pedido me soa uma ordem), colho flores até na escarpa mais erma, na escarpa mais infrutífera, porque pedes, colho flores até nos desertos onde a seca mostra a vida pelo avesso, onde a seca mostra a vida destituída de vida.

porque pedes (e não precisarias pedir, porque te obedeço, cego da tua branca luz), ponho flores nos tetos & nas paredes, e são elas (as flores), não as letras, que dão sentido ao que escrevo.

as letras, sem as flores, não fazem o menor sentido, pois são as flores que direcionam, aqui, o caminho das letras.

as flores que te ofereço. as flores que te clamam. as flores que te querem.

porque pedes (e não precisarias pedir, porque a tua luz & corpo brancos me despertam o melhor), deito flores às ondas de teus cabelos, e elas (as flores) faíscam, as flores fagulham — feito estrelas no céu — no pélago em que as semeio; as flores, que adornam os teus cabelos, fagulham — como estrelas — no abismo em que as semeio, em que as distribuo (o abismo: teu corpo branco, macio, onde o meu delírio fez morada).

(a ti, esta canção.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia reunida. autor: Ivan Junqueira. editora: A Girafa.)

 

 

CANÇÃO

 

Porque pedes, trago flores
e derramo-as em teu leito,
sobre teus úmidos pêlos,
entre os gomos de teu seio.

Porque pedes, planto flores
em lugar do desespero
e mudo os tons da palheta
do negro para o vermelho.

Porque pedes, colho flores
até na escarpa mais erma,
nos desertos onde a seca
mostra a vida pelo avesso.

Porque pedes, ponho flores
nos tetos e nas paredes
e são elas, não as letras,
que dão sentido ao que escrevo.

Porque pedes, deito flores
às ondas de teus cabelos
e elas faíscam — estrelas —
no pélago em que as semeio.

A ÁRVORE SECA
12 de abril de 2011

(trecho da contracapa do livro: A árvore seca. autor do texto da contracapa: Ivan Junqueira. editora: G. Ermakoff Casa Editorial.)

 

O trajeto percorrido até agora pela poesia de Alexei Bueno envolve uma estratégia que se desdobra em movimentos extremos, ou seja, os da contração e da distensão formais. Seus dois últimos livros, Em Sonho e Os Resistentes, atestam de modo cabal essa oscilação entre a medida e a desmedida rítmica. No presente volume, A Árvore Seca, Alexei Bueno volta à prática das formas fixas tradicionais, elaborando nos poemas que o integram uma cerrada urdidura métrico-rímica que, se de um lado se apóia na tradição, de outro nos brinda, graças à temática que neles se explora e ao insólito tratamento que lhes dá o poeta, com uma aguda lição de modernidade. Trata-se de um livro áspero, anfractuoso, denso e talvez desolado, uma vez que nos oferece, sem qualquer comiseração, uma imagem crua e quase brutal da realidade cotidiana.
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o lado escuro da vida. 

a face ressequida da existência.

em torno da árvore seca, satisfeitos, nos sentamos (os assassinatos, sejam estes metafóricos ou não, são cometidos mas sem deixar um só vestígio. ninguém os percebe).

tentamos alcançar algum fruto da árvore, porém, o que achamos: galhos em luto.

em torno da árvore seca, onde a coruja defeca, a coruja, ave que, segundo a superstição popular, é capaz de adivinhar a morte, onde a coruja defeca nós dançamos plenos, dançamos cumpridos, isto é, dançamos realizados, preenchidos.

tantos horrores, e foi entre os homens que os vi.

os horrores: servem de estofo dos pesadelos: assassinos, bolores & cancros existenciais.

é preciso criar a aurora.

é preciso criar a beleza, para além dos paredões escuros, para além das bestas, para além dos roncos das sestas, para além dos bares, para além dos rançosos lares.

é preciso criar a aurora. fazer raiar um novo dia.

é preciso adubar o solo da árvore, vê-la mudar sua estrutura seca, assistir-lhe a copa crescendo, os frutos nascendo, a sombra, fresca, abrigando.

(acredito que devemos lutar, lutar por mudanças, batalhar por melhorias, defender uma existência mais confortável, menos agressiva, para todas as pessoas.)

deixo alguns versos em meio aos perversos, já como contribuição.

beijo todos!
paulo sabino.

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(do livro: A árvore seca. autor: Alexei Bueno. editora: G. Ermakoff Casa Editorial.)

 

A ÁRVORE SECA

Em torno da árvore seca
Satisfeitos nos sentamos.
O sol, que cega e resseca
Varava os seus secos ramos.

Estendemos nossas mãos
Para alcançar-lhe algum fruto,
Mas rindo, entre os seus desvãos,
Só achamos galhos em luto.

Cantamos à sua volta
E ave alguma respondia
À nossa canção revolta,
À nossa poenta alegria.

De noite, sob os seus galhos,
Dormimos, mas folha alguma
Nos protegeu dos orvalhos
Que a frígida alva ressuma.

E assim, crestados, famintos,
Úmidos, sós, aqui estamos
Entre os seus braços extintos
E as leves viúvas dos ramos.

Em torno da árvore seca,
Com as folhas pardas vestidos,
Onde a coruja defeca,
Dançamos, plenos, cumpridos.

 

VISAGEM

O estofo dos pesadelos:
Pênis vivos com cem patas,
Felação entre baratas,
Um olho eivado de pêlos,

Um formigueiro fervente
(No meio a rainha, morta),
Um ovo dentro da aorta,
Bílis brotando de um dente,

Línguas nascendo de joelhos,
Róseos traidores gratuitos,
Ânus cantando fortuitos,
Cancros crescendo de espelhos,

Um assassino que ri
Dentro de um berço, uns bolores
Na língua. Ah, tantos horrores
Foi entre os homens que os vi.

 

I.M.L.

Na porta do boteco
Com flores de coroas
Que oferta às moças boas
Ele ergue o seu caneco

De alumínio gravado
Com o escudo do seu time,
E conta o último crime,
E olha o bordel fechado.

Sorrindo, no balcão,
Beberica e, prudente,
Fita a vaga onde, em frente,
Deixou o rabecão.

Então, se há um que lhe peça
Que lembre do seu carro,
Diz, dando um grosso escarro:
— Defunto não tem pressa.

 

FAIT DIVERS

Carlinhos, o segurança,
O terror da Mem de Sá,
Trocou tiros num mafuá
Com o Fuinha, em plena dança.

O Fuinha perdeu a perna.
Depois morreu, no hospital.
O membro encaixou bem mal
No corpo, o que até consterna.

Carlinos, pior que o Fuinha,
Pagou na hora o seu erro.
Três tiros. No seu enterro
Só foi a sua mãezinha.

 

GLÓRIA

Bêbado, às duas da manhã,
Parei na loja de ovos e aves.
Subi na grade e, em grande afã,
Cacarejei, de ecoar nas traves.

Os galos todos acordaram
Cheios de brio e, num só coro,
Com seu cacarejo enfrentaram
O meu, mais forte, mais sonoro.

Saltavam todas as galinhas.
Penas voavam loja afora.
Ligavam luzes nas vizinhas
Casas. Parti. Criara a aurora.

 

LAPA

Nesta casa antiga,
Sob estas volutas,
Como ri com as putas
Entre uma e outra briga.

Como virei copos
E extingui charutos,
Discuti com brutos,
Vaiei misantropos.

Urinei nas pias,
Vomitei nas portas,
Com passadas tortas
Vi nascer os dias.

Velha, velha casa,
Como ainda és a mesma.
(Não tens dentro a lesma
Que nos funda e abrasa.)

 

LÁZARO

Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.

De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.

Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.

Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.

Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.

 

DISFARCE

Esta sombra antiga,
A beleza, diga,
Onde se acha e abriga,
Se o imaginares.

Não aqui, nos duros
Paredões escuros,
Entre arames, muros,
Vísceras, bazares.

Não junto das bestas,
Nos roncos das sestas,
Nos bares, nas festas,
Nos rançosos lares.

Mas só lá, nos portos,
Nos arbustos tortos
Entre o vento e os mortos,
No arquejar dos mares.

Lá onde não se fala,
Onde a terra exala,
E tudo se cala
Só para escutares

O que não se escuta,
Que se esquiva, e luta,
A voz absoluta
A atroar nos ares.

 

JUSTIFICATIVA

Não sei o que fiz na vida.
Não a gastei como os cães.
Cada instante é a despedida
Do rio irreal das manhãs.

Nada ganhei. Não venci.
Nunca o quis. Deixo alguns versos,
Prova do que fiz aqui,
Perplexo em meio aos perversos.

VAI LONGE O TEMPO
11 de abril de 2011

o tempo vai longe.

o tempo vai até onde a vista não alcança.

o tempo: muito mais que os horizontes de todos os mundos de todo o universo.

o tempo é mais.

o tempo: compositor de destinos, tambor de todos os ritmos.

o tempo: deus inventivo & contínuo, eterno.

vai longe o tempo em que se sabia prever, através de símbolos criados no espaço, ou seja, através de símbolos (insígnias) criados pelas sociedades humanas à sua época, as maldições do apocalipse, as previsões para o fim do mundo, e as duras penas do juízo final, tribunal onde cada um de nós seria julgado pela força divina suprema.

vai longe, isto é, está longe, o tempo do sofrimento no patíbulo (espécie de forca montada em palanque ou estrado, em local público), está longe o tempo das lâminas da guilhotina, está longe o tempo das masmorras, onde as vítimas, na áspera pedra, apodreciam, está longe o tempo de quem, na forca, sacudia os músculos frios & lívidos.

e também vai longe o tempo que, na cruz vazia dos nossos tempos, não sobe um mártir ou outro alguém que nos redima.

vai longe, está longe, o tempo de todas as atrocidades cometidas e aqui comentadas.

todavia,

no entanto,

porém,

o mundo, de uma maneira mais polida, de um modo mais educado, de um modo mais elegante, mais inteligente, mais instruído, o mundo assassina, o mundo mata, o mundo liqüida, pessoas, sem deixar um só vestígio.

houve a mudança no modo de assassinar, no modo de provocar o assassinato, não deixando que o assassinado se dê conta de que sua morte se trata de: homicídio. pessoas são mortas, são aniquiladas, especialmente nas periferias dos grandes centros urbanos, nos sertões mundo afora, interior adentro, nos campos de cultivo, na qualidade das funções ofertadas neste mundo cão, mundo de latidos & mordidas, mundo de disputas territoriais — seja pelo território de um país, seja pelo território do trabalho, seja pelo território da casa —.

os assassinatos são cometidos mas sem deixar um só vestígio. ninguém os percebe.

e, como não é enxergado o horror que pode ser a vida, como não é percebido o terror que pode ser “ser”, como não é percebido o terror que pode ser “viver”, não nos suicidamos.

e eu digo mais: não nos suicidamos, e, aos meus olhos, nem deveríamos.

acredito que devemos lutar, lutar por mudanças, batalhar por melhorias, defender uma existência mais confortável, menos agressiva, para todas as pessoas.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia reunida. autor: Ivan Junqueira. editora: A Girafa.) 

 

VAI LONGE O TEMPO

Vai longe o tempo em que sabias
gravar no espaço essas insígnias
com que os profetas anteviam
as maldições do Apocalipse
e as duras penas do Juízo.

Vai longe o tempo do martírio
e dos algozes no patíbulo,
das lâminas da guilhotina
e das masmorras onde as vítimas
na áspera pedra apodreciam.

Não ouço mais o grito estrídulo
dos que à tortura sucumbiam,
nem vejo a língua intumescida
de quem na forca sacudia
os músculos frios e lívidos.

Já não me cega os olhos vítreos
a luz dos ossos nos jazigos
e há muito que, à cruz vazia,
não sobe um mártir em suplício
nem outro alguém que nos redima.

Vai longe o tempo, e todavia
sequer por isso te suicidas
ante um mundo que, mais polido,
de outra maneira te assassina,
mas sem deixar um só vestígio.

ONDE ESTÃO?
3 de dezembro de 2010

onde?

onde estão?

onde estão os que partiram?

onde estão os que partiram desta vida?

onde estão, se não ouvimos deles sequer uma sílaba?

onde o pai, onde o primo, o avô, alguns queridos amigos?

onde, enfim, toda a família, moída qual farinha por moenda antiqüíssima, por uma máquina de moer oculta, que tritura todos que aqui estão?

onde os bens, a glória, a insígnia, o poder, a riqueza, a honraria, se tudo o que se vive acaba junto aos jazigos, e, nos jazigos, esfria sob o pó, sob o trigorganismo triturado?

(todas as coisas, como areia dos rios: as coisas retinem, isto é, ecoam fortemente, as coisas fluem, cintilam, e se esvaem, sem valia…)

nômades de trilhas ásperas, transeuntes de duras caminhadas (pela estrada escura), errantes de caminhos inóspitos, até que a morte — este moinho oculto — nos deite as suas garras de harpia, capturando-nos & devorando-nos goela abaixo, numa única & certeira garfada.

ao morrermos, um vazio, um nada é o que nos resta, deixando-nos, assim, assaz distantes de nós mesmos (seres mortos e não mais seres vivos), transmutando-nos em oco. 

e tudo, afinal, se finda, sem aparições de seres celestes que digam “amém”, sem cânticos divinos ou quaisquer efeitos especiais imagináveis à partida inapelável, o que me faz crer que nem deus nos lastime…

(nada resta. resta: nada.)

portanto, queridos & benvindos,

aproveitemos enquanto HÁ tempo!

VIVAMOS enquanto VIVEMOS!

(é a ÚNICA alternativa que nos sobra.)

beijo bom em todos!
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Poesia reunida. autor: Ivan Junqueira. editora: A Girafa.)

 

ONDE ESTÃO?

Partimos cuando nacemos,
andamos mientras vivimos,
y llegamos
al tiempo que fenecemos;
así que cuando morimos
descansamos.

Jorge Manrique, Coplas por la
muerte de su padre
, V

Onde estão os que partiram
Desta vida, desvalidos?
Onde estão, se não ouvimos
deles sequer uma sílaba?

Onde o pai, a mãe, a ríspida
irmã que se contorcia
sob a névoa dos soníferos
e a gosma da nicotina?

Ou bem a outra, a quem víamos
trincar, crispada, os caninos,
banhada em sangue e saliva,
no espasmo agudo das fibras?

Onde o riso dos meninos
que entre as folhas se escondiam
como pássaros nos ninhos,
ermos de infâmia ou malícia?

Onde a lúbrica menina
cujas coxas se entreabriam
à gula dos que sabiam
tocar-lhe os veios mais íntimos?

Onde, enfim, toda a família
que se desfez qual farinha
por entre as mós antiqüíssimas
de algum oculto moinho?

Onde estão os que seguiram
seus inóspitos caminhos
ou sendas que, mais propícias,
desaguaram no vazio?

Onde os bens, a glória, a insígnia,
se tudo o que aqui se vive
reverte empós aos jazigos
e lá, sob o pó, esfria?

Poder, riqueza, honraria
são como a areia dos rios:
retinem, fluem, cintilam.
E se esvaem, sem valia.

Nômades de ásperas trilhas,
andamos mientras vivimos
,
até que a morte, em surdina,
nos deite as garras de harpia.

E tudo afinal se finda
sem cor, sem luz, sem martírio;
así que cuando morimos,
de nós mesmos nos sentimos

tão distantes quanto as cinzas
de uma estrela que se extingue
na goela azul dos abismos.
E ninguém, nem Deus, nos lastima.

VER VIVER ESCREVER, ANTES QUE O SOL SE PONHA
16 de julho de 2010

a grande verdade:
 
as experiências passam e não somos capazes de retê-las, bordado que se faz e se desfaz, e se faz e se desfaz, e se faz e se desfaz, e assim sucessivamente, incessantemente, no tecido existencial.
 
as vivências vão perdendo-se num poço escuro da memória, uma vez que as agulhas do tempo não bordam os acontecimentos pretéritos no pano da existência. o que bordam as agulhas do tempo não é retido na urdidura, na trama, nas linhas, da vida.
 
portanto, um pacto: viver, e ver, na vida, tudo o que tiver que ser vivido e visto.
 
portanto, viver e ver de um tudo; ver e viver o conflito dos antônimos, isto é, ver e viver os paradoxos, as contradições, e as dores.
 
(não seria, antes, essa harmonia redonda de que se gabam os geômetras, os especializados em geometria, os versados em formas-objetos e espaços, sintoma — fruto — exatamente do que é conflituoso?)
 
(haverá alguma “ordem atônita”, alguma “ordem desordenadamente organizada”, que nos dê a medida do homem?)
 
sei que vivo e vejo.
 
deu-me deus dois olhos nômades com que vejo o que me ronda: um traz o abismo, o que é profundo, à tona. o outro, o que os biombos escondem.
 
o olho: vê.
 
e a mão: escreve.
 
a mão que escreve é aquela que, além de répobra, além de malvada, de detestada, e amiúde analfabeta (mão que, no fundo, não entende de escrever), sofre de exageros e excessos por/para: nada.
 
(a mão que escreve é aquela que compôs versos, odes, elegias, aos quais ninguém deu crédito nem ouvidos.)
 
ver, viver, escrever…
 
ver, viver, escrever, tudo tudo tudo: antes que o sol se ponha de vez. antes que se ponha o ponto final definitivo, aquele que encerra, que impede, a continuidade de qualquer discurso, de qualquer trama, de qualquer linha.
 
(pois súbito colhemos a morte, flor cediça, dentro da vida.)
 
beijo bom em todos!
paulo sabino / paulinho.  
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(do livro: Poesia reunida. autor: Ivan Junqueira. editora: A Girafa.)
 
 
TALVEZ O VENTO SAIBA
 
Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

 

 
PACTO
 
Terei parte com o demônio
ou será que apenas sonho
o que os outros, além do sono,
jamais enxergam na sombra?
 
Seria um acordo anônimo
com o mal, o horror, o assombro?
Seria o quê? Não suponho,
mas o sinto em meus neurônios.
 
Essa harmonia redonda
de que se gabam os geômetras
não seria antes sintoma
do conflito entre os antônimos?
 
Não haverá na hecatombe
algo de lúdico e hedônico,
uma ordem que, por atônita,
nos dê a medida do homem?
 
Deu-me Deus dois olhos nômades
com que vejo o que me ronda:
um traz o pélago à tona;
outro, o que escondem os biombos.
 
 
A MÃO QUE ESCREVE
 
A mão que escreve é aquela
que não pôde, inepta,
agarrar o que lhe era
devido nesta gleba:
glória, insígnias, troféus
e algo enfim que soubesse
àquilo a que, incrédulos,
chamamos vida eterna.
 
A mão que escreve é aquela
cujas linhas, babélicas,
descumpriram o périplo
que lhes previa a esfera
de um trismegístico Hermes,
e que, por dolo e inércia,
deixou rolar a pérola
que arrancara do pélago.
 
A mão que escreve é aquela
que foi, além de réproba
e amiúde analfabeta,
muitas vezes canhestra:
enfiou por ínvias vielas,
urdiu frases sem nexo,
bateu-se em tolos duelos
e excedeu-se, sem rédeas.
 
A mão que escreve é aquela
que compôs alguns versos,
odes, canções de gesta
e elegias sem metro,
às quais ninguém deu crédito
nem ouvidos. Aquela
que ergueu um brinde aos féretros
de uma insepulta Grécia.
 
 
ANTES QUE O SOL SE PONHA
 
Antes que o sol se ponha e seja tarde,
e o azul crepuscular me deite a garra,
e eu, nu, retorne à terra sem fanfarra
ou mortalha que o corpo me resguarde;
antes que murche a pétala na jarra,
e eu cale, para sempre, sem alarde,
e tudo o que me coube, por covarde,
não mais recorde a relva que se agarra
às últimas raízes da existência;
antes que eu cerre os olhos e adormeça,
e em minhas próprias células esqueça
as chamas que me arderam na consciência;
antes que a luz regresse e que amanheça,
e eu a mim mesmo já não me conheça.
 
 
EPITÁFIO
 
De tua história, nada;
ou tudo, se quiseres:
entre uma e outra data,
a fábula de seres
nunca o tangível, mas
o pássaro, o maralto
(o passo, não: o salto
em vão, fora do espaço),
o amor, vale dizer:
sua forma álgida e rara,
avessa à coisa amada
— e, súbito, colher
a morte, flor cediça,
dentro da vida.

(A ARTE) POÉTICA: O POEMA
4 de janeiro de 2010

senhores e senhoras,
 
a poesia sempre me salva (e muito me encanta). e muito me encanta por uma série de razões. uma delas é o processo de construção de um poema e tudo o que envolve tal construção, isto é, a arte poética.
 
na edificação de um texto poético, o poeta atira-se no escuro, num caminho desconhecido & hostil, não sabendo onde as linhas desembocarão, não conhecendo a natureza da correnteza que as forma. (o surgimento, o aparecimento, saídas de regiões desconhecidas, de idéias-fantasmas que vão se desgarrando do ser do poeta, a fim de ganharem uma forma clara.)
 
e tudo, para que fique a contento, é matematicamente pensado, medido, dosado (como uma tocata de bach ou uma pincelada de cézanne): pois que os sentimentos se curvam, se sub–metem, à força do pensamento, do raciocínio, da psique. num poema, os sentimentos são organizados a partir dos senso e crivo críticos do poeta, que almeja o máximo de beleza para a sua obra.   
 
e uma beleza (a da poesia) que não a natural, que não a relativa à natureza, mas uma beleza (a do poema) arquitetada, ou seja, uma beleza construída por tijolos-palavras, como quando elaboram-se, de pátina & gesso & concreto, ornatos arquitetônicos com suas geometrias, suas exatidões — sejam rosáceas, arcadas ou pilastras —. é assim que dura e esplende uma catedral poética, feita de versos, erguida para muito além de quaisquer árvores. a adaga do pensamento, com seu gume afiado, trespassa, sem dó, a emoção.
 
chico buarque de hollanda, numa fala ou entrevista impressa — não me recordo bem —, diz que o escritor, compositor, poeta, deve conseguir um afastamento sentimental da sua obra para julgá-la merecedora ou não da exposição pública. antes, o rebento poético tem que passar pela aprovação do seu criador, que, anterior a tudo e qualquer coisa, deve ser um leitor interessado e atento ao que, de fato, o seduz e o cativa numa leitura.  
 
gosto de repetir esta sentença:
 
a poesia — a arte poética — me salva, me salvará, sempre!
 
(que assim seja.)
 
beijo bom em todos.
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Poesia Reunida. autor: Ivan Junqueira. editora: A Girafa.)
 
POÉTICA
 
A arte é pura matemática
como de Bach uma tocata
ou de Cézanne a pincelada
exasperada, mas exata.
 
É mais do que isso: uma abstrata
cosmogonia de fantasmas
que de ti lentos se desgarram
em busca de uma forma clara,
 
da linha que lhes dê, no espaço,
a geometria das rosáceas,
a curva austera das arcadas
ou o rigor de uma pilastra;
 
enfim, nada que lembre as dádivas
da natureza, mas a pátina
em que, domada, a vida alastra
a luz e a cor da eternidade,
 
tal qual se vê nas cariátides
ou nas harpias de um bestiário,
onde a emoção sucumbe à adaga
do pensamento que a trespassa.
 
Despencam, secas, as grinaldas
que o tempo pendurou na escarpa.
Mas dura e esplende a catedral
que se ergue muito além das árvores.
 
 
O POEMA
 
Que será o poema,
essa estranha trama
de penumbra e flama
que a boca blasfema?
 
Que será, se há lama
no que escreve a pena,
ou lhe aflora à cena
o excesso de um drama?
 
Que será o poema:
uma voz que clama?
Uma luz que emana?
Ou a dor que o algema?