navegantes,
como já sabido, pois aqui anunciado, estou no meu período de férias.
quarta-feira, dia 16 de junho, embarco para buenos aires. passarei 10 dias (retorno no dia 26) na casa de um grande amigo.
conhecemo-nos em 1995, há exatos 15 anos(!), quando tínhamos 18 aninhos… cursamos comunicação social juntos, e, desse encontro, nasceu uma amizade muito bonita, muito verdadeira, de muito querer-bem.
ele mora em buenos aires há 7 anos, e eu, muito sem-vergonha (rs), nunca o visitei. ele já veio aqui umas boas vezes, rever família & amigos, para férias, e são sempre MUITO divertidos os nossos encontros. ele é companhia para toda & qualquer hora. por isso, estou muito feliz em fazer a viagem.
curiosamente, comemorarei as minhas 34 primaveras a serem vencidas no dia 24 de junho (dia de são joão!: [cantarolando para mim] “ai, xangô, xangô menino/ da fogueira de são joão/ quero ser sempre o menino, xangô/ da fogueira de são joão”) ao seu lado. lembro-me que o dani (daniel oiticica) foi um dos poucos amigos do curso que foi à minha festinha de aniversário de 19 anos (aproximamo-nos logo no início do curso. à época do aniversário eu ainda não conhecia a turma da faculdade, não tinha a intimidade que passei a ter com muitos). quinze anos depois a história não se repete, não mesmo, mas, sob algum aspecto sentimental em mim, se assemelha (rs).
essas tantas linhas apenas para avisar-lhes que as publicações, nesse período de viagem (16 a 26/06), ficarão ainda mais incertas.
levarei alguns poucos livrinhos de poesia, porque não conseguiria viajar sem, pelo menos, dois. mas não sei se os lerei, não sei o que será, o que é ulterior, não sei de quase nada (rs).
estou alheio, estou lateral (coisas que são do tempo).
a única postagem certa é a do dia do aniversário deste que vos escreve. haverá um “poeminha” (lindo, já selecionado!) comemorando a data (rs). 😉
(buenos aires: o bairro que não é seu nem é meu.
buenos aires: o que ignoramos e amamos…
que assim seja!)
beijo bom em todos!
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Poesia. autor: Jorge Luis Borges. tradução: Josely Vianna Baptista. editora: Companhia das Letras.)
BUENOS AIRES
O que será Buenos Aires?
É a praça de Maio à qual voltaram, depois de guerrear
no continente, homens cansados e felizes.
É o dédalo crescente de luzes que divisamos do avião e
sob o qual estão a sotéia, a calçada, o último pátio, as
coisas quietas.
É o paredão da Recoleta contra o qual morreu,
executado, um de meus antepassados.
É uma grande árvore da rua Junín que, sem saber,
depara-nos sombra e frescor.
É uma rua longa de casas baixas, que perde e
transfigura o poente.
É a Doca Sul da qual zarpavam o Saturno e o Cosmos.
É a calçada de Quintana na qual meu pai, que estivera
cego, chorou, por enxergar as antigas estrelas.
É uma porta numerada, atrás da qual, na escuridão,
passei dez dias e dez noites, imóvel, dias e noites que
são na memória um instante.
É o ginete de pesado metal que projeta do alto sua série
cíclica de sombras.
É o mesmo ginete sob a chuva.
É uma esquina da rua Perú, na qual Julio César Dabove
nos disse que o pior pecado que um homem pode
cometer é gerar um filho e sentenciá-lo a esta vida
espantosa.
É Elvira de Alvear, escrevendo em cuidadosos
cadernos um longo romance, que no início
era feito de palavras e no fim de vagos traços
indecifráveis.
É a mão de Norah, traçando o rosto de uma amiga
que é também o de um anjo.
É uma espada que serviu nas guerras e que é menos
uma arma do que uma memória.
É uma divisa descolorida ou um daguerreótipo gasto,
coisas que são do tempo.
É o dia em que deixamos uma mulher e o dia em que
uma mulher nos deixou.
É aquele arco da rua Bolívar do qual se divisa a
Biblioteca.
É o cômodo da Biblioteca, no qual descobrimos, por
volta de 1957, a língua dos ásperos saxões, a língua
da coragem e da tristeza.
É a sala contígua, na qual morreu Paul Groussac.
É o último espelho que repetiu o rosto de meu pai.
É o rosto de Cristo que vi no pó, desfeito a
marteladas, numa das naves de La Piedad.
É uma alta casa do Sul na qual minha mulher e
eu traduzimos Whitman, cujo grande eco oxalá
reverbere nesta página.
É Lugones, olhando da janela do trem as formas que
se perdem e pensando que já não o aflige o dever
de traduzi-las para sempre em palavras, porque
esta viagem será a última.
É, na desabitada noite, certa esquina do Once na qual
Macedonio Fernández, que morreu, continua me
explicando que a morte é uma falácia.
Não quero prosseguir, estas coisas são excessivamente
individuais, são excessivamente o que são, para serem
também Buenos Aires.
Buenos Aires é a outra rua, a que nunca pisei, é o centro
secreto das quadras, os pátios últimos, é o que as
fachadas ocultam, é meu inimigo, se ele existir, é a
pessoa a quem meus versos desagradam (também
me desagradam), é a modesta livraria em que talvez
tenhamos entrado e que esquecemos, é essa rajada
de milonga assoviada que não reconhecemos e que
nos toca, é o que se perdeu e o que será, é o ulterior,
o alheio, o lateral, o bairro que não é teu nem
é meu, o que ignoramos e amamos.