BRINDE
31 de dezembro de 2012

Brinde

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mais um ano chega ao fim. e, com ele, mais um rito de passagem se aproxima: a virada do ano.

ano novo: vida nova: dívidas novas, dúvidas novas, novas vidas a serem vividas dentro desta vida que nos abriga.

vida: sempre um recomeçar, o eterno retorno: ab ovo (expressão em latim que significa “desde o ovo”, isto é, “desde a origem”, “desde o início”).

31 de dezembro: de repente, meia-noite: hora zero: soma do velho? idade do novo?

primeiro de janeiro: tudo novo de novo: vamos nos jogar onde já caímos.

vamos nos jogar onde já caímos: no desconhecido, pois o futuro a deus pertence (e olhe lá!), ninguém consegue prever: onde já caímos: o escuro que é o futuro, o nada à nossa frente: um ovo: intacto, fechado, impenetrável, até o momento em que a casca se quebra & o que há dentro do ovo nos é revelado: a hora em que o futuro deixa de ser futuro & passa a ser presente.

salve o ano novo! saúdo a sua chegada!

salve-se o ano novo! que ele consiga livrar-se de todas as mazelas & maus tratos durante a sua estada de 365 dias!

(tomara, meu deus, tomara!)

a mim, a única certeza para 2013 é esta: mesmo que bravo, o mar, meu amante maior, virá na canção.

beijo todos!

paulo sabino.

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(do livro: Poesia completa. autor: José Paulo Paes. editora: Companhia das Letras.)

 

 

BRINDE

 

ano novo: vida

nova

dívidas novas

dúvidas novas

 

ab ovo outra

vez: do revés

ao talvez (ou

ao tanto faz como fez)

 

hora zero: soma

do velho?

idade do novo?

o nada: um ovo

 

salve (-se) o ano novo!

POÉTICA
30 de novembro de 2011

 
(poética: aceito meu inferno, mas falo do meu céu)
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poética: segundo o dicionário aurélio:
 
“arte de fazer versos”. “teoria da versificação”.
 
poética (a da minha vida):
 
não sei palavras dúbias, palavras incertas, ambíguas.
 
minhas palavras, ainda que nunca sejam minhas (pois não fui eu quem as inventei, não fui eu quem as criei, e o seu uso é corrente desde antes de eu nascer), foram me forjando, foram me moldando, foram criando esta criatura que sou. 
 
na poética que me cabe, as palavras dizem ao que vieram, sem meios-termos.
 
meu sermão, minha admoestação, minha advertência, chama ao lobo verdugo, lobo carrasco, lobo capaz de maus tratos, lobo que precisa da reprimenda a fim de parar com os seus atos, e meu sermão, minha admoestação, minha advertência, chama ao cordeiro irmão, cordeiro manso, inocente, cordeiro que precisa da reprimenda a fim de acordar, enxergar & dar cabo da sua condição de presa, sempre nas mãos de um lobo mau.
 
com duas mãos fraternas, afetuosas, cumplicio, compartilho, a ilha prometida (ilha das imaginações, ilha dos sonhos) para a proa do navio, navio que me leva aos mares do mundo. afinal, de que me adianta estar sozinho na ilha prometida? a graça reside em estar acompanhado de quem mais quiser aportar na ilha, para que a alegria, na ilha, seja ainda maior.
 
a posse me é aventura sem sentido. só compreendo, só entendo, o pão se dividido.
 
a mim não me interessa reter nada. o grande barato, na vida, é o compartilhamento. na lida diária, percebo que a vida se dá bonita, se dá saudável, através da solidariedade, através da cooperação mútua. não sou auto-suficiente. não me basto no mundo. nem eu nem a minha poética.
 
aprendo, e muito, com o meu entorno. aprendo, e muito, com a troca de conhecimentos. 
 
o meu intuito com este espaço, com o “prosa em poema”, é o de compartir belezas, o meu intuito é o de dividir com os senhores as coisas que alimentam a minha existência, pensando que elas podem servir-lhes para alguma coisa. 
 
acredito que o mundo pode mais & melhor a partir da troca de experiências. ninguém é nada sem o auxílio do outro.
 
o homem aprende, o homem constrói-se, em sociedade. impreterivelmente, o ser humano é um animal social.
 
não brinco de juiz, porque, de fato, não me cabe o papel, na brincadeira, de julgar, não me cabe o papel, na brincadeira, de julgador (que as pessoas façam das suas vidas o que melhor lhes aprouver, desde que respeitem os direitos das demais pessoas também fazerem das suas vidas o que melhor lhes aprouver), nem me disfarço de réu, de acusado, não me disfarço de julgado. 
 
(não estou aqui para isso.)
 
sei que não sou santo (nem desejaria!) e aceito o meu inferno, acato os meus tormentos, os meus martírios, os meus sofrimentos. porém, na minha poética, mais que do meu inferno, falo do meu céu, falo do que está acima, do que é superior, falo do meu céu, esplendor, das minhas alegrias, dos meus júbilos, dos meus contentamentos.
 
(falo do que acredito realmente importar a todos nós.)
 
na minha poética, aceito o meu inferno, mas falo do meu céu:
 
e é no céu da poesia que naufraga, que afunda, a minha ave-vida.
 
(graças!)
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia completa. autor: José Paulo Paes. editora: Companhia das Letras.)
 
 
 
POÉTICA
 
 
Não sei palavras dúbias. Meu sermão
Chama ao lobo verdugo e ao cordeiro irmão.
 
Com duas mãos fraternas, cumplicio
A ilha prometida à proa do navio.
 
A posse é-me aventura sem sentido.
Só compreendo o pão se dividido.
 
Não brinco de juiz, não me disfarço em réu.
Aceito meu inferno, mas falo do meu céu.

COMO ARMAR UM PRESÉPIO
27 de dezembro de 2010

receita de como armar um presépio:
 
1- pegar uma paisagem qualquer.
 
2- cortar todas as árvores da paisagem e tranformá-las em papel.
 
3- enviar ao matadouro todos os animais da região.
 
4- extrair toda a riqueza mineral do solo, para fabricação de automóveis, aviões, tanques, mísseis nucleares.
 
5- despejar os detritos industriais nos rios, nos mares, nos lagos.
 
6- exterminar, com o uso de substâncias químicas tóxicas, os últimos traços de vegetação.
 
7- evacuar a população sobrevivente para os cortiços e favelas.
 
8- erguer o estábulo com restos de madeira, cobri-lo de chapas enferrujadas e esperar que algum boi doente, algum burro fugido, algum carneiro sem dono, venha esconder-se nele.
 
9- esperar esperar esperar…
 
10- quem sabe, ali, não nasce uma criança e a vida recomeça?
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o homem, ao longo da sua trajetória, ao longo da sua história neste planeta, vem armando os seus presépios, vem transformando este pequenino pedaço de chão azul — ante a grandeza do universo — num grande & inóspito curral.
 
eis a medida do homem:
 
em prol do “bem da humanidade”, em prol do “desenvolvimento humano”, em prol de “melhorias”, em prol de “benefícios para todos”, desmata-se, mata-se, destrói-se, dilacera-se, tudo o que é encontrado pela frente. sem dó nem piedade. em prol da “paz”, guerras & mais guerras & mais guerras. 
 
já começamos a sofrer os reveses de todas as nossas ações irresponsáveis e desmedidas, de todas as nossas ações gananciosas.
 
cuidemos do nosso entorno, cuidemos da população, dos nossos irmãos de trilha.
 
causando-se tanto mal-estar, não adianta acreditar em milagres e esperar que a vida recomece com a vinda de uma criança, esperando que um único ente nasça para nos redimir.
 
fica o alerta. 
 
e fica, sobretudo, o desejo de uma existência menos depredatória, o desejo de uma existência onde as desgraças não sirvam a justificativas de bem-estar social, o desejo de um ano melhor, mais frutífero, mais florido, para todos nós.
 
beijo afetuoso nos senhores!
paulo sabino / paulinho.   
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(do livro: Poesia completa. autor: José Paulo Paes. editora: Companhia das Letras.)
 
 
 
COMO ARMAR UM PRESÉPIO
 
 
pegar uma paisagem qualquer 
 
cortar todas as árvores e transformá-las em papel de im-
prensa
 
enviar para o matadouro mais próximo todos os animais
 
retirar da terra o petróleo ferro urânio que possa eventual-
mente conter e fabricar carros tanques aviões mísseis nu-
cleares cujos morticínios hão de ser noticiados com destaque
 
despejar os detritos industriais nos rios e lagos
 
exterminar com herbicida ou napalm os últimos traços de
vegetação
 
evacuar a população sobrevivente para as fábricas e cortiços
da cidade
 
depois de reduzir assim a paisagem à medida do homem
 
erguer um estábulo com restos de madeira cobri-lo de cha-
pas enferrujadas e esperar
 
esperar que algum boi doente algum burro fugido algum
carneiro sem dono venha nele esconder-se
 
esperar que venha ajoelhar-se diante dele algum velho pas-
tor que ainda acredite no milagre
 
esperar esperar
 
quem sabe um dia não nasce ali uma criança e a vida reco-
meça?

A SURPRESA: ROSTO AO ESPELHO
12 de novembro de 2010

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que cara é essa, descobrindo-se no espelho, atrás de cada pêlo de barba?
 
de repente, a surpresa: olhar-se ao espelho e dizer-se, deslumbrado:
 
EU?
UE?
 
interrogar-se sobre si.
 
(mas que diabos é isso (rs)?)
 
olho por olho, dente por dente, ruga por ruga:
 
EU?
UE?
 
o fio da barba, o fio da lâmina, a vida por um fio, sendo revisitada, ante o espelho…
 
interrogar-se de estar sendo:
 
EU?
UE?
 
por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado.
 
aprofundar-se nesse olhar: um certo conhecimento de si contribui, ao menos, para que saibamos o que não queremos da vida. o que querer, do que gostar, como amar, isso podemos ir tentando, podemos ir testando trilhafora.
 
é bom não saber. acho importantíssimo para vida. porém, não saber, em determinada medida, pode representar um (grande) problema.
 
EU?
UE?
 
assim, em meio a divagações, concluir, surpreendido de ser: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo…
 
e aceitar, aceitar mais um dia, reafirmando-se:
 
EU
EU
 
e acenar, de si para si, como se acena a um (bom & velho) companheiro de viagem. 
 
e seguir o rumo, batalhando, matando um leão por dia, buscando a trilha do bem-estar & do bem-fazer.
 
(neste fim de semana com feriado, pego estrada com muitos amigos, grandes na minha existência, para um passeio na roça. semana próxima estamos aí. até lá!)
 
beijo terno em todos!
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: A descoberta do mundo. autora: Clarice Lispector. editora: Rocco.)
 
 
 
A SURPRESA
 
 
Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência.
 
Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo. 
 
 
 
(do livro: Em trânsito. autor: Alberto Martins. editora: Companhia das Letras.)
 
 
 
ROSTO
 
 
que cara é essa
se descobrindo no espelho
atrás de cada pelo
de barba?
 
de longe
levanto as sobrancelhas
e aceno
como se deve
a um discreto companheiro de viagem
 
 
 
(do livro: Poesia completa. autor: José Paulo Paes. editora: Companhia das Letras.)
 
 
 
O POETA AO ESPELHO, BARBEANDO-SE
 
 
o rito
do dia
o ríctus
do dia
o risco
do dia
 
EU?
UE?
 
olho
por olho
dente
por dente
ruga
por ruga
 
EU?
UE?
 
o fio
da barba
o fio
da navalha
a vida
por um fio
 
EU?
UE?
 
mas a barba
feita
a máscara
refeita
mais um dia
aceita
 
EU
EU

A CABEÇA DO FÓSFORO, A CABEÇA DO POETA
14 de abril de 2010

a cabeça do fósforo, a cabeça do poeta: riscar o ar, e arriscar, acender, queimar, iluminar, inflamar.
 
(a capacidade de inflamar e acender inúmeras coisas: o fósforo. o poeta.)
 
a poesia e suas habilidades incendiárias (rs)…
 
queimem, ardam na sua chama! (chamo-os a isso.)
 
beijo bom em todos,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Prosas seguidas de Odes Mínimas. autor: José Paulo Paes. editora: Companhia das Letras.)
 
 
AO FÓSFORO
 
Primeiro a cabeça
o corpo depois
 
se inflamam e acendem
 
o forno
do pão
 
a luz
na escuridão
 
a pira
da paixão
 
a bomba
da revolução.
 
Sim, mas vamos à coisa concreta:
 
você fala de fósforos
ou de poetas?