LANÇAMENTO DO LIVRO “LARINGES DE GRAFITE”, DE ADRIANO NUNES
27 de novembro de 2012

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Dia 29 de novembro (nesta quinta-feira), na Academia Alagoana de Letras (Maceió – Alagoas), o poeta que tanto amo & admiro, o talentosíssimo Adriano Nunes, lança o seu livro de estréia, “Laringes de grafite”, a partir das 19h.
 
“Laringes de grafite” conta com capa do artista plástico Gal Oppido, orelhas do poeta-membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) Lêdo Ivo & prefácio do querido amigo, e filósofo poeta letrista ensaísta, Antonio Cicero.
 
Luxo puro!
 
E uma das coisas que me fazem muitíssimo feliz é que, no livro, há um poema dedicado a mim! Achei chique (rs)!
 
Abaixo, palavras de outro poeta-membro da Academia Brasileira de Letras, Antonio Carlos Secchin, sobre o “Laringes de grafite”:
 
 
“Uma bela surpresa, já antecipada no fino estudo introdutório de Antonio Cicero. Adriano Nunes consegue ser polígrafo num único gênero, desenvolvendo múltiplas vozes e inflexões. Seus textos são réplicas, não pastiches, aos poetas homenageados.
 
 
Adriano Nunes vai muito bem em formas e ritmos variadíssimos, o que é raro. Gostei muito, igualmente, dos poemas que Adriano ‘dedica’ a… Adriano, isto é, aqueles em que algum diálogo poético, se existe, é apenas implícito; caso de ‘Engasgo’, ‘Fuga’, e tantos outros textos de qualidade.”
 
 
Agora fica a expectativa do lançamento do livro no Rio de Janeiro, onde aguardo, de braços abertos, este precioso poeta & amado amigo.
 
Aos senhores, uma pérola-poema: aqui, uma atividade ligada à poesia, desempenhada com muito afinco, respeito, destreza & prazer pelo poeta: a tradução de poemas.
 
No seu belo blog “Quefaçocomoquenãofaço” (http://astripasdoverso.blogspot.com.br/) há uma diversa & bela mostra do seu trabalho como tradutor.
 
Salve Adriano Nunes!
Salve a chegada do “Laringes de grafite”!
 
Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do blog: QUEFAÇOCOMOQUENÃOFAÇO, de: Adriano Nunes. autor dos versos: Rubén Vela. tradução: Adriano Nunes.)
 
 
 
ARTE POÉTICA
 
 
Pedra sobre pedra
palavra sobre palavra
o edifício cresce.
 
Pedras como palavras
palavras como pedras
o edifício cresce.
 
Pedra ou palavra
todo um edifício.
O poema cresce.

A NOITE ÚLTIMA & DESCONHECIDA
1 de fevereiro de 2010

senhores,
 
o tema tratado pelos poemas que seguem é um tanto indesejoso. e eu entendo que o seja. realmente, a perda não é algo fácil. principalmente quando se trata de uma perda irreversível. é um universo que se vê extinto, fora de órbita, impossibilitado de regresso.
 
é duro perder referência tão importante, tão significativa. eu bem sei (https://prosaempoema.wordpress.com/2009/12/01/meu-pai-como-vai/).
 
todavia, acho um exagero o modo como é rechaçado tal fato. como se fosse uma desnatureza, um acontecimento extraordinário, incomum. pânico & paúra excessivos da única coisa que se tem certa na existência: o silêncio eterno, a porta por onde se entra e nunca se retorna, a fratricida do amor, o não-espaço: a morte.
 
há homens que, por medo da vida, matam, assassinam a morte. preferem levar uma existência inteira construindo a morada celeste ao invés da morada terrena. esquecem que existe um tempo a ser vivido, a ser usufruído, e se enterram antes da fatídica hora. 
 
vamos aceitá-la, sabendo-a irrevogável, tratando o assunto de modo mais natural; naturalizar a questão nos nossos discursos, torná-la mais palatável. ao final, todos, afinal, vamos para o mesmo não-lugar, onde não mais importarão as nossas preferências.
 
(é preciso ser de vez em quando infeliz.)
 
se pusermos a morte no seu devido lugar, teremos um mundo inteiro para percorrer, sem maiores pertubações & preocupações (preocupações & pertubações, ao meu ver, totalmente desnecessárias).
 
eu aprendi: o dia mais longo do homem dura menos que um relâmpago.
 
portanto: voltemos as nossas preocupações à vida. 
 
eu não quero a morte, só saúde & sorte. entretanto, não me furto da questão.
 
a vocês: o melhor, sempre!
 
por essa razão, por querer o melhor para vocês — e para mim, é claro —, selecionei textos de três GRANDES poetas, que falam desta noite última & desconhecida que, um dia, nos cobrirá a todos.
 
beijo e o desejo de saúde & sorte para nós!
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Réquiem. autor: Lêdo Ivo. editora: Contra Capa.)
 
 
I
 
AQUI ESTOU, À ESPERA DO SILÊNCIO.
 
Diante do estaleiro apodrecido
só vislumbro o estilhaço
que sobrou das iluminações.
Como todas as sobras, ele traz a marca
das coisas escondidas para sempre
ou dos seres sepultados no alto das dunas;
como as letras gravadas a fogo
na anca de um cavalo roubado por um cigano, ou
                                                  um sinal de nascença
no quadril bem-amado.
 
Agora a noite desce para sempre.
Meu olhar fatigado segue a canoa
que se afasta dos manguezais.
Uma luz na restinga. Um caranguejo na lama.
E a vida se evapora com as almas
no céu que não abriga nenhum deus.
Todas as paisagens que vi se esfarelaram
nos postais corroídos. E a unha suja, trajada de negro,
toma o espaço da mão antiga. As portas sucessivas
das docas que armazenavam réstias de cebola e sacos de açúcar
se encolhem na escuridão, reduzidas a uma única porta
refratária ao clarão da aurora.
 
Na Barra de São Miguel, diante do mar,
só agora aprendi:
o dia mais longo do homem
dura menos que um relâmpago.
O tempo não será mais celebrado
entre as constelações.
O céu e a terra vão sumir
na cinza desapontada
dos amanhãs roubados pela morte.
E tudo o que amei se dissolve.
A nuvem escarlate pousa brandamente
entre as casas de taipa e o mar rasgado pelas ondas.
 
Chegou a hora de dizer adeus à água negra
que marulha na treva da laguna
e ao vento planetário que seca os peixes
pendurados nos varais das palhoças
e ao mar caeté que se abriu
diante das falésias de minha pátria perdida.
 
A eternidade passa como o vento.
Só o tempo é eterno. Sempre estive aqui
no meio do meu povo dizimado,
e minhas mãos armaram além das dunas
a dourada fogueira antropofágica
do assombroso festim. Uma noite de cinzas
sucede agora ao clamor e à alegria.
O mar apaga todos os naufrágios
e todo fogo se extingue, todo fogo dourado
se alastra e se apaga no silêncio do mundo.
 
Aqui, no lugar de água e terra dos meus nascimentos sucessivos,
minha sombra vagueia entre os escombros
dos navios perdidos ou sonhados.
E busco em vão, nas águas ofendidas,
a castidade da água clara e intacta
que aflora no mar ao rebentar da aurora
no coração da noite emudecida.
 
Ó porta prometida ao consolo da vida,
após tanta imundície e após tanto esplendor!
Nesta noite final, as fogueiras celestes
queimam toda esperança e sepultam na cinza
os sonhos insensatos das almas terrestres
e o estertor que suprime qualquer paraíso.
 
Na noite crematória, a morte é uma fogueira.
 
 
II
 
ALÉM DO FRIO E DO CALOR
e das baratas impetuosas que se espalham como pétalas
no celeiro abandonado
e dos sinos funerários na manhã da infância
e das luzes oscilantes dos caminhões que atravessam
                                                         lentamente os canaviais
espantando os guaxinins
além das cestas abertas como corolas
para recolher a sobra do dia mutilado pelos ódios e guerras
longe dos ninhos caídos no chão de inverno
e das águas dessas chuvas obstinadas que desaparecem subitamente
                                                          na grande mesa do mar
                                                          rudimentar
e das leves luas límpidas que regem a passagem das curimãs
há um não-lugar que dispensa a súplica e a esperança
e enxota a solenidade e a reverência.
 
Além dos sonhos visitados pelo mar impaciente
e do escuro fétido das cloacas e da claridade solar
em que nos movemos aturdidos
como as moscas estonteadas pelo calor do verão
um não-espaço nos espera. O dia
coleia entre as horas que se abrem para a paisagem como janelas.
O barulho do mundo atinge a orla do mar
e rodeia terraços de sal e traiçoeiros recifes de mariscos e
                                                      lagunas de açúcar.
 
Além da realidade, há outras realidades
que se desdobram como degraus. Nossos passos
sobem e descem a escada, no dia admirável
e na noite branda.
São como sonhos tributários de outros sonhos
ou janelas abertas para o mar.
Não sabemos onde estamos. Não sabemos o que somos.
Nada sabemos, a não ser que há uma noite
pura e vazia à nossa espera. Uma noite intocável
além do fogo e do gelo, e de qualquer esperança.
 
Com a sua mão sinistra a morte esmaga
nossos sonhos de insetos deslumbrados
e entorna a alvura da água contida no vaso
prometido ao desastre de uma flor de estilhaços.
A morte, sempre a morte, a nos importunar
com o seu zumbir de mosca funerária.
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(do livro: Nova Antologia Poética. autor: Vinicius de Moraes. organização: Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz. editora: Companhia das Letras.)
 
 
A PARTIDA
 
Quero ir-me embora pra estrela
Que vi luzindo no céu
Na várzea do setestrelo.
Sairei de casa à tarde
Na hora crepuscular
Em minha rua deserta
Nem uma janela aberta
Ninguém para me espiar
De vivo verei apenas
Duas mulheres serenas
Me acenando devagar.
Será meu corpo sozinho
Que há de me acompanhar
Que a alma estará vagando
Entre os amigos, num bar.
Ninguém ficará chorando
Que mãe já não terei mais
E a mulher que outrora tinha
Mais que ser minha mulher
É mãe de uma filha minha.
Irei embora sozinho
Sem angústia nem pesar
Antes contente da vida
Que não pedi, tão sofrida
Mas não perdi por ganhar.
Verei a cidade morta
Ir ficando para trás
E em frente se abrirem campos
Em flores e pirilampos
Como a miragem de tantos
Que tremeluzem no alto.
Num ponto qualquer da treva
Um vento me envolverá
Sentirei a voz molhada
Da noite que vem do mar
Chegar-me-ão falas tristes
Como a querer me entristar
Mas não serei mais lembrança
Nada me surpreenderá:
Passarei lúcido e frio
Compreensivo e singular
Como um cadáver num rio
E quando, de algum lugar
Chegar-me o apelo vazio
De uma mulher a chorar
Só então me voltarei
Mas nem adeus lhe darei
No oco raio estelar
Libertado subirei.
 
 
A MORTE
 
A morte vem de longe
Do fundo dos céus
Vem para os meus olhos
Virá para os teus
Desce das estrelas
Das brancas estrelas
As loucas estrelas
Trânsfugas de Deus
Chega impressentida
Nunca inesperada
Ela que é na vida
A grande esperada!
A desesperada
Do amor fratricida
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida.
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(do livro: Ficções do Interlúdio/1 – Poemas completos de Alberto Caeiro. autor: Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. editora: Nova Fronteira.)
 
 
XXI
 
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento…
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural
 
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…
 
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…
 
 
(sem título)
 
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
 
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
 
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
 
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.