NÉLIDA PIÑON ENTREVISTA PAULO SABINO — PROGRAMA PRÓXIMA PÁGINA
30 de novembro de 2017

(Paulo Sabino e Nélida Piñon preparando-se para a gravação)

(No Espaço Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras)

(Passeando com Nélida pela Academia Brasileira de Letras)

(No teatro Raimundo Magalhães Júnior, da Academia Brasileira de Letras)

(Paulo Sabino e Nélida Piñon com a talentosa e querida equipe do programa Próxima Página)
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Meu coração não contenta! Imagine-se recebendo uma ligação em que a pessoa do outro lado da linha te convida pra participar de um programa de entrevistas cuja dinâmica é a seguinte: o entrevistado de um episódio vira o entrevistador do próximo episódio. Pois bem, o convite foi pra que eu fosse o entrevistado. Querem saber quem foi a minha entrevistadora? É só olhar as fotos que seguem… Sim sim sim, fui entrevistado pela grande dama da literatura brasileira Nélida Piñon!

A nova série audiovisual da MultiRio, empresa de mídia educativa e cultural do município do Rio de Janeiro, reúne personagens, como a escritora Nélida Piñon, em torno de um tema comum: a paixão pelos livros. Para o programa, intitulado “Próxima página”, eu tive o grande prazer de ser entrevistado por ela, pela grande dama da literatura, na sua “casa”, a Academia Brasileira de Letras (ABL). Uma alegria e uma honra! Os programas mostram bate-papos entre pessoas apaixonadas pela literatura e que trazem à tona as diversas maneiras de entrar nesse mundo e vivenciar a leitura. O lançamento da nova produção aconteceu agorinha, neste final de novembro.

No programa, falo sobre a minha origem poética, os primeiros passos, sobre a nossa formação cultural e lingüística, sobre Machado de Assis, sobre Paulo Leminski, sobre Luis Turiba, sobre Maria Bethânia, sobre Fernando Pessoa, sobre Castro Alves, sobre o meu projeto “Ocupação Poética” e muitas outras coisas. 12 minutinhos, assistam porque tá muito bacana! Uma alegria que levarei para sempre porque não é todo dia que conto com uma entrevistadora deste quilate!

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. programa: Próxima Página. Nélida Piñon entrevista Paulo Sabino. local: Academia Brasileira de Letras — ABL. direção: Denise Moraes. produção e realização: MultiRio.)

 

ARS POÉTICA   (autor: Paulo Sabino)

 

 

marcar o papel a palavra
fogo
coisa que queime,
que permita combustão

rasgar a folha a metáfora
faca
coisa que corte,
que sangre emoção

lamber a linha a imagem
língua
coisa que arrepie,
que concentre tesão

molhar o branco a figura
água
coisa que inunde,
que contemple imensidão

A ARTE DOS VERSOS
21 de julho de 2015

Plantação de couve

(Plantação de couves.)
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Um convite aos navegantes: nesta quinta-feira, 23 de julho, a 5ª edição do Sarau do Largo das Neves, em Santa Teresa, Rio de Janeiro. Na frente do bar Alquimia. As leituras & declamações começam às 20h30, mas a concentração, para uns drinques & um bate-papo animado, a partir das 19h. Aguardando todos!
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Para Antonio Cicero, que me fez lembrar o poema

 

 

toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui, na maneira como esta mulher, dos arredores de cantão, na china, ou dos campos de alpedrinha, em portugal, rega quatro ou cinco leiras, rega quatro ou cinco canteiros, de couves: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração.

assim se faz a planta bonita & viçosa: toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração.

assim se faz o poema: toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui: mão certeira com a água & intimidade com a terra, mão certeira & intimidade com os nutrientes do poema, com aquilo que o alimenta (a palavra, o vocabulário, as formas poéticas, as brincadeiras lingüísticas), e empenho do coração (a dedicação à causa, o cuidado, o carinho, a atenção, com os versos).

assim se faz a planta bonita & viçosa, assim se faz o poema: mão certeira & intimidade com os nutrientes, com aquilo que os alimenta, e empenho do coração — a dedicação à causa, o cuidado, o carinho, a atenção.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas de Eugénio de Andrade. seleção: Arnaldo Saraiva. autor: Eugénio de Andrade. editora: Nova Fronteira.)

 

 

A ARTE DOS VERSOS

 

Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão,
ou dos campos de Alpedrinha,
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.

O MENINO POETA
10 de maio de 2015

Paulo Sabino_Azul_Búzios
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ventos líricos me sopraram a existência do menino poeta.

o menino poeta — dizem os ventos — habita as palavras que compõem os versos, é o responsável pelos jogos semânticos & pelas brincadeiras & peripécias estilísticas entre signos.

ventos líricos me sopraram que o menino poeta percorre os quatro cantos do mundo, peralta, irrequieto, traquinas.

o menino poeta — não sei onde está.

procuro dali, procuro de lá. tem olhos azuis ou tem olhos negros? parece jesus ou índio guerreiro?

mas onde andará o menino poeta, que ainda não o vi? nas águas de lambari, em minas gerais? nos reinos do canadá, lá em cima, no norte das américas?

onde andará o menino poeta, que ainda não o vi? estará no berço, brincando com os anjos? estará na escola, travesso, rabiscando bancos?

o vizinho, ali, disse que, acolá, existe um menino com dó dos peixinhos. um dia, o menino pescou — pescou por pescar, não pretendia — um peixinho de âmbar, coberto de sal (âmbar: resina fóssil, de cor entre o acastanhado & o amarelado, utilizada na fabricação de objetos ornamentais). depois, o menino soltou o peixinho de âmbar outra vez nas ondas.

ai, que curiosidade! será esse o menino poeta? será que não? que será esse menino? que não será?…

certo peregrino — passou por aqui — conta que um menino, das bandas de lá, furtou uma estrela. a estrela, por causa do furto, caiu no choro; o menino, por tê-la furtado, ria. porém, de repente, o menino, tão lindo!, vendo o choro da estrela, subiu pelo morro & tornou a pregá-la, com três pregos de ouro, nas saias da lua.

ai, que curiosidade! será esse o menino poeta? será que não? que será esse menino? que não será?…

procuro daqui, procuro de lá. o menino poeta, habitante das palavras que compõem os versos, responsável pelos jogos semânticos & pelas brincadeiras & peripécias estilísticas entre signos, quero ver de perto.

quero ver de perto — o menino poeta — para me ensinar as bonitas coisas do céu & do mar. quero ver de perto — o menino poeta — para me ensinar a voar, cada vez mais alto, e a mergulhar, cada vez mais fundo, nos braços do meu bem maior: a poesia.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Melhores poemas. autora: Henriqueta Lisboa. seleção: Fábio Lucas. editora: Global.)

 

 

O MENINO POETA

 

O menino poeta
não sei onde está.
Procuro daqui
procuro de lá.
Tem olhos azuis
ou tem olhos negros?
Parece Jesus
ou índio guerreiro?

Tra-la-la-la-li
tra-la-la-la-lá

Mas onde andará
que ainda não o vi?
Nas águas de Lambari,
nos reinos do Canadá?
Estará no berço
brincando com os anjos,
na escola travesso
rabiscando bancos?

O vizinho ali
disse que acolá
existe um menino
com dó dos peixinhos.
Um dia pescou
— pescou por pescar —
um peixinho de âmbar
coberto de sal.
Depois o soltou

outra vez nas ondas.
Ai! que esse menino
será, não será?…
Certo peregrino
— passou por aqui —
conta que um menino
das bandas de lá
furtou uma estrela.

Tra-la-li-la-lá.

A estrela num choro
o menino rindo.
Porém de repente
— menino tão lindo! —
subiu pelo morro
tornou a pregá-la
com três pregos de ouro
nas saias da lua.

Ai! que esse menino
será, não será?

Procuro daqui
procuro de lá.
O menino poeta
quero ver de perto
quero ver de perto
para me ensinar
as bonitas cousas
do céu e do mar.

AINDA
28 de novembro de 2013

Passarinho_Vôo

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ainda: advérbio utilizado para dar continuidade a uma determinada ação.

a vida é um eterno começar. nunca o fim, sempre o começo: de uma manhã, de uma tarde, de uma noite, de um sentimento, de uma ação.

as coisas não findam: as coisas recomeçam. por tanto, um eterno aprendiz, para sempre um desconhecedor.

como as coisas recomeçam incessantemente, nunca sabemos ao certo o que virá.

o incerto é a única certeza.

por tudo isso, ainda começo de novo, ainda me lanço do zero (um eterno aprendiz, para sempre um desconhecedor), ainda percorro, como que por inteiro (porque nunca somos inteiramente aquilo que pensamos ser), o incerto.

espero querer de novo. e quero, ainda, mais um pouco.

eu vôo ainda sob o mesmo teto, eu vôo ainda sob o mesmo céu que me abriga, eu vôo ainda sobre aquele mesmo sonho: o de ver a poesia como o veneno anti-monotonia de muitos outros, o de ver a arte da escrita como o caminho eficaz contra os males da alma.

um poema, uma letra de música, um artigo, trechos de um romance, um conto, uma peça teatral, uma entrevista, uma crônica: para mim, tudo pode ser matéria poética.

(ainda bem.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Algumas letras. autora: Adriana Calcanhotto. editora: Quasi Edições.)

 

 

AINDA

 

Começo de novo
Me lanço do zero
Percorro como que por inteiro
O incerto

Espero
Querer de novo

E quero
Ainda mais um pouco

Eu vôo
Ainda sob o mesmo teto
Ainda sobre aquele mesmo sonho

A POESIA É UM ATENTADO CELESTE
6 de novembro de 2013

Banco vazio com folhas secas

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senhores,

há pouco, passei por dois acidentes graves, em seqüência, cada qual com suas peculiaridades.

num acidente, eu vi a cara da morte, e ela estava viva: voltando de belo horizonte para o rio de janeiro, o ônibus em que viajava bateu na traseira de um caminhão parado no acostamento. uma pessoa morreu na hora, três outras ficaram presas nas ferragens, e não sei quantos mais feridos. por sorte, tive apenas um inchaço no polegar direito & dores nas costas devido à batida. nada mais.

no outro acidente, a dor de ser fisicamente freado pela vida: pedalando com o orlando (meu camelo azul da cor do mar), um ciclista, que vinha na direção oposta à minha, ao tentar ultrapassagem, invadiu a contramão (sem que eu tivesse tempo de desviar) & bateu de frente comigo. resultado: por causa do deslocamento de uma parte óssea (curiosamente chamada “capitulo”) & da fratura de um outro osso, tudo no cotovelo esquerdo, tive de operar, para colocar pinos & parafusos, e de imobilizar o braço. um mês imobilizado & depois — pelo menos — mais um mês de fisioterapia.

estou ótimo, graças. por sorte, não foi o braço direito o atingido, afinal sou destro!

no entanto, querendo ou não, a vida me parou, me pôs quieto no meu canto. com isso, tive de encará-la sem meias verdades.

tais acontecimentos mexem, mexeram, comigo. fichas caíram. prioridades subiram.

re-pensar, re-ver, re-fazer, re-tomar.

tenho que um monte de coisas pendentes, e importantíssimas.

momento de reflexão: dando um tempo para mim. ausente de mim mesmo.

eu estou ausente, porém, no fundo desta ausência, existe a espera de mim mesmo, e esta espera é um outro modo de presença (tenho que um monte de coisas pendentes, e importantíssimas).

à espera de meu retorno, eu estou em outros objetos. ando em viagem (interna) dando um pouco de minha vida a certos livros & a certos discos, objetos que me esperaram muitos anos.

eu não estou & estou: estou ausente & estou presente, mas presente “em estado de espera”.

eles (os objetos a quem dou um pouco de minha vida) queriam minha linguagem para expressar-se. e eu queria a — linguagem — deles para expressá-los: eis o atroz equívoco: o equívoco primordial: a tentativa de interpretação das coisas, herméticas nelas mesmas, sem explicações ou justificativas sobre o que são & desejam.

angustioso, lamentável (pelo atroz equívoco), vou-me adentrando nestes objetos — e deixando minhas roupas, perdendo as carnes: meu esqueleto vai-se revestindo do material que forma os objetos.

estou-me fazendo livros, discos, palavras, som…

(quantas vezes me converti em outras coisas…)

o processo de transformação, por me achar à espera de mim mesmo, é doloroso & cheio de ternura. podia dar um grito, fazer barulho, chamar a atenção às dores das mudanças.

mas para quê?

à transubstanciação (transformação de uma substância em outra) de nada adiantaria o grito.

com o grito, a transubstanciação se espantaria.

(a transubstanciação: a transformação de uma substância, o paulo sabino, em outra.)

há que guardar silêncio. a fim de pensar, refletir, concentrar.

esperar em silêncio.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Pescados vivos. autor: Vicente Huidobro. tradução: Waly Salomão. editora: Rocco.)

 

 

A POESIA É UM ATENTADO CELESTE

 

Eu estou ausente porém no fundo desta ausência
Existe a espera de mim mesmo
E esta espera é outro modo de presença
À espera de meu retorno
Eu estou em outros objetos
Ando em viagem dando um pouco de minha vida
A certas árvores e a certas pedras
Que me esperaram muitos anos

Cansaram-se de esperar-me e sentaram-se

Eu não estou e estou
Estou ausente e estou presente em estado de espera
Eles queriam minha linguagem para expressar-se
E eu queria a deles para expressá-los
Eis aqui o equívoco o atroz equívoco

Angustioso lamentável
Vou-me adentrando nestas plantas
Vou deixando minhas roupas
Vou perdendo as carnes
E meu esqueleto vai-se revestindo de cascas
Estou-me fazendo árvore  Quantas vezes me converti em
………………………………………………………….[outras coisas…
É doloroso e cheio de ternura
Podia dar um grito porém a transubstanciação se espantaria
Há que guardar silêncio  Esperar em silêncio

ESTATÍSTICAS DO “PEmP”: AGRADECIMENTOS
17 de maio de 2013

Estatística do PEmP

(Na foto, o número de visualizações do blog “Prosa em poema” em 1 mês. Para melhor visão da foto, clicar em cima dela.)
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Coisa boa!

A foto acima mostra o número de visualizações do blog “Prosa em poema” em 1 mês.

A barra vertical aponta o número de visualizações & a barra horizontal, os dias correspondentes às visitas.

Notem que, em 1 mês de análise do desempenho da página, apenas 2 dias o “PEmP” não registrou a marca das mais de 100 visualizações diárias (no dia 4 de maio, com 85 visualizações, e no dia 11 de maio, com 95 visualizações).

Em todos os outros dias, nesse 1 mês, o site obteve mais de 100 visualizações, chegando, em alguns dias, a quase 200 visitas!

Delícia! Orgulho!

Fico muito feliz vendo o “PEmP” decolando, ganhando asas mais possantes…

Sabe, senhores, por mais doido que possa soar, poesia, para mim, também é qualidade de vida.

O verso é o que pode lançar mundos no mundo, já disse o Caetano. A poesia melhora tudo: o pensamento torna-se mais aguçado, mais afiado, mais antenado. Acho que consigo fazer melhor todo o resto por causa da poesia, por causa dos mundos que ela lança em mim.

E como não vejo a menor graça estar sozinho nessa viagem poética (gosto de muita gente viajando comigo!), desejo que isso aconteça com o maior número possível de pessoas.

Por essas razões batalho tanto para que as pessoas COMAM poesia, para que a poesia sirva inúmeras mesas, para que a poesia seja o prato principal de muitas bocas.

Disseminar a boa poesia, nessa escala, é um presente que a vida me dá. Sinto-me fazendo um trabalho em prol da língua portuguesa, em prol do Brasil, em prol de uma melhor educação.

Agradeço imensamente a existência de todos os poetas, poetas-compositores, e o fato de muitos poetas, poetas-compositores, permitirem que o “PEmP” divulgue suas obras juntamente aos meus textos de apresentação. Satisfação enorme.

Vamo comê, vamo comê — POESIA!

Beijo todos!
Paulo Sabino.

PRIMEIRA LIÇÃO
27 de abril de 2013

Livro 2

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a primeira lição, segundo a poeta, sobre poesia deve tratar dos gêneros que a poesia comporta.

gênero: segundo o dicionário aurélio: “nas obras de um artista, de uma escola, cada uma das categorias que, por tradição, se definem e classificam segundo o estilo, a natureza ou a técnica”.

gênero: segundo o dicionário houaiss: “cada uma das divisões que englobam obras literárias de características similares [São primordialmente três: lírico, épico e dramático.]”.

a primeira lição: conhecer os gêneros da poesia: apesar de serem primordialmente três (lírico, épico & dramático) segundo a divisão clássica, a poeta os define em mais gêneros, atendo-se, apenas, às características de um deles, às do gênero lírico, que compreende o lirismo.

lirismo: tradução de um sentimento subjetivo, sincero & pessoal. é a linguagem do coração, do amor.

é a linguagem entendida pela poeta, é o gênero que a traduz.

pois a poeta afirma que só consegue ser fiel aos acontecimentos biográficos. mais do que fiel: no fundo, a poeta sente-se “presa” aos acontecimentos biográficos, como se não tivesse escolha de criar uma poesia distante da subjetividade, declamando, assim, aos metros, versos longos & sentidos.

porém, apesar de afirmar que o gênero lírico é o gênero que a comporta, que comporta a sua poesia, a poeta, sentimental como uma portuguesa, não é, apenas, sentimentos; a poeta, sentimental como uma portuguesa, não é, apenas, severa & ríspida: mais que somente sentimentos, mais que somente severa & ríspida, a poeta agora é: profissional.

ou seja: ainda que o seu canto poético seja sentimental como uma portuguesa puramente sentimentos, esse sentimentalismo está submetido a um olhar clínico da poeta, que é uma profissional da escrita, profissional que deve dar à subjetividade a roupagem que a consagre: poesia, sem pieguismos lingüísticos & sentimentalidades baratas.

o poeta é, acima de tudo, um profissional da escrita, não um mero descritor dos acontecimentos biográficos. há que se lançar, sobre os acontecimentos biográficos, os elementos lingüísticos que transmutarão tais acontecimentos em: discurso poético.

o poeta é, acima de tudo, um profissional da escrita, não um mero descritor dos fatos & dos sentimentos. há que se lançar, sobre os fatos & sentimentos, os elementos da linguagem que transformarão tais fatos & sentimentos em: gênero poético.

mais que severa & ríspida, a poeta agora se afirma: profissional.

com todo o sentimento do mundo, asas à poesia!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: A teus pés. autora: Ana Cristina Cesar. editora: Ática.)

 

 

PRIMEIRA LIÇÃO

 

Os gêneros de poesia são: lírico, satírico, didático, épico,
ligeiro.
O gênero lírico compreende o lirismo.
Lirismo é a tradução de um sentimento subjetivo, sincero e
pessoal.
É a linguagem do coração, do amor.
O lirismo é assim denominado porque em outros tempos os
versos sentimentais eram declamados ao som da lira.
O lirismo pode ser:
a) Elegíaco, quando trata de assuntos tristes, quase sempre a
morte.
b)Bucólico, quando versa sobre assuntos campestres.
c) Erótico, quando versa sobre o amor.
O lirismo elegíaco compreende a elegia, a nênia, a endecha, o
epitáfio e o epicédio.
Elegia é uma poesia que trata de assuntos tristes.
Nênia é uma poesia em homenagem a uma pessoa morta.
Era declamada junto à fogueira onde o cadáver era incinerado.
Endecha é uma poesia que revela as dores do coração.
Epitáfio é um pequeno verso gravado em pedras tumulares.
Epicédio é uma poesia onde o poeta relata a vida de uma
pessoa morta.

 

 

O tempo fecha.
Sou fiel aos acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos que não
largam! Minhas saudades ensurdecidas por cigarras! O que faço
aqui no campo declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não sou mais, veja,
não sou mais severa e ríspida: agora sou profissional.

 

O POETA & SUAS INVENÇÕES DE COMPORTAMENTO
16 de março de 2013

????????Livros_Manoel de Barros

(Nas fotos, o poeta Manoel de Barros & suas invenções de comportamento: alguns dos seus livros de poesia & a inscrição “Só dez por cento é mentira”, título do documentário de Pedro Cezar sobre o poeta.)
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vão dizer que o poeta não existe propriamente “dito”: o que existe propriamente “dito” são os versos, o que existe propriamente “dito” é a poesia. afinal, o corpo, a carne, da poesia constitui-se de palavras, a poesia constitui-se de matéria verbal, constitui-se daquilo que é propriamente “dito”.

(o poeta se faz da poesia. é a poesia quem justifica a existência do poeta. um alguém só se diz poeta caso pouse nele a poesia.)

vão dizer que o poeta é um ente de sílabas, um ente formado por fonemas, um ente formado por verbos, um ente de carne, osso & palavras.

vão dizer que o poeta tem vocação para “ninguém”. o pai do poeta costumava alertá-lo: “quem acha bonito & pode passar a vida a ouvir o som das palavras, ou é ninguém ou zoró.”

(zoró: povo indígena habitante da região noroeste do mato grosso do sul & da região sul de rondônia.)

o poeta & sua vocação para “ninguém”: ele não serve para mais nada que não seja achar bonito & passar a vida a ouvir o som das palavras. um alienado do mundo, um vagabundo existencial.

o poeta & sua vocação para “ninguém”: tendo vocação para “ninguém”, o poeta pode transfigurar-se no que desejar, no que bem entender — o que, no fundo, é uma exigência da poesia.

o poeta teria treze anos. de tarde, foi olhar a cordilheira dos andes, que se perdia nos longes da bolívia, e veio uma iluminura nele.

foi a sua primeira iluminura, a sua primeira arte de ornar uma página.

daí, botou o seu primeiro verso.

mostrou a obra para sua mãe. a mãe falou: “agora você vai ter que assumir as suas irresponsabilidades.”

o poeta assumiu: entrou no mundo das imagens.

o poeta é um irresponsável da linguagem porque a poesia não possui responsabilidades. a poesia não tem que. a poesia simplesmente é. sem maiores pretensões, obrigações & expectativas. a poesia pode justamente tudo porque não deve absolutamente nada. para com a poesia não existem formalidades. não se trata de memorando, requerimento ou carta de intenção: não existe um propósito, um objetivo.

a poesia mora no mundo das imagens, das metáforas, dos jogos sintáticos, dos deslocamentos da linguagem.

o poeta não quer saber como as coisas se comportam. o poeta quer inventar comportamento para as coisas.

segundo o poeta, a tarefa mais lídima, mais genuína, mais autêntica, da poesia é a de equivocar, é a de confundir, é a de deslocar, o sentido das palavras, não havendo nenhum “descomportamento”, não havendo nenhuma falta de comportamento adequado, não havendo nenhum “desvio de conduta”, senão que alguma experiência lingüística.

é apenas um descomportamento semântico, apenas um descomportamento para com os sentidos (convencionais) das palavras.

se o poeta se desvirtua a pássaros, se o poeta se desvirtua em árvores, se o poeta se desvirtua para pedras, essa mudança de comportamento “gental” (referente à gente, a pessoas) para comportamento animal, vegetal ou pedral, é apenas um descomportamento semântico, um descomportamento ligado ao sentido convencional dessas palavras.

o poeta apenas faz, apenas cria, apenas produz, o desvio do sentido das palavras & das finalidades das coisas: se ele diz que “grota” é uma palavra apropriada para ventar nas pedras ou que os passarinhos faziam paisagens na sua infância, isso é apenas um desvio das tarefas da grota (que não é a de ventar nas pedras) & dos passarinhos (que não é a de fazer paisagens).

isso — de gerar o desvio do sentido das palavras & das finalidades das coisas — é apenas um descomportamento lingüístico que não ofende, que não fere, que não prejudica, que não viola, que não contraria, a natureza dos passarinhos nem das grotas.

se o poeta diz ainda que é mais feliz quem descobre o que não presta do que quem descobre ouro, o poeta pensa que, ainda assim, não será atingido pela bobagem, pela tolice, pela asneira. ele apenas não tem sabedoria demais, conhecimentos aprofundados: o poeta apenas não tem polimentos de ancião.

(o poeta: um inventor de comportamentos: uma sempre criança do verbo, um sempre aprendiz da palavra.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia completa. autor: Manoel de Barros. editora: Leya.)

 

 

O POETA

 

Vão dizer que não existo propriamente dito.
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação pra ninguém.
Meu pai costumava me alertar:
Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som
das palavras
Ou é ninguém ou zoró.
Eu teria treze anos.
De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que
se perdia nos longes da Bolívia
E veio uma iluminura em mim.
Foi a primeira iluminura.
Daí botei meu primeiro verso:
Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.
Mostrei a obra pra minha mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter que assumir as suas
irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.

 

 

COMPORTAMENTO

 

Não quero saber como as coisas se comportam.
Quero inventar comportamento para as coisas.
Li uma vez que a tarefa mais lídima da poesia é a
de equivocar o sentido das palavras
Não havendo nenhum descomportamento nisso
senão que alguma experiência linguística.
Noto que às vezes sou desvirtuado a pássaros, que
sou desvirtuado em árvores, que sou desvirtuado
para pedras.
Mas que essa mudança de comportamento gental
para animal vegetal ou pedral
É apenas um descomportamento semântico.
Se eu digo que grota é uma palavra apropriada para
ventar nas pedras,
Apenas faço o desvio da finalidade da grota que
não é a de ventar nas pedras.
Se digo que os passarinhos faziam paisagens na
minha infância,
É apenas um desvio das tarefas dos passarinhos que
não é a de fazer paisagens.
Mas isso é apenas um descomportamento linguístico que
não ofende a natureza dos passarinhos nem das grotas.
Mudo apenas os verbos e às vezes nem mudo.
Mudo os substantivos e às vezes nem mudo.
Se digo ainda que é mais feliz quem descobre o que não
presta do que quem descobre ouro —
Penso que ainda assim não serei atingido pela bobagem.
Apenas eu não tenho polimentos de ancião.

TESE SOBRE NADA: UMA CALIGRAFIA DO IMAGINÁRIO
5 de março de 2013

Caligrafia do imaginário

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Há alguns dias, peguei o livro Metalíngua, do querido amigo, o poeta gaúcho Alexandre Brito, a fim de reler alguns dos seus poemas.

No mesmo dia em que peguei o Metalíngua para reler, coincidentemente, recebi um e-mail do Alexandre Brito me recomendando a leitura dos poemas de um poeta por ele admirado. Por conta dessa coincidência (o Britto escrever no mesmo dia em que resolvi reler alguns dos seus poemas), deu-se o seguinte diálogo (que só me trouxe alegrias): escreve Paulo Sabino:

 

“Querido, que coincidência feliz!

Estou exatamente AGORA com o ‘Metalíngua’, relendo algumas coisas, e topei com uma dúvida que me ronda há algum tempo. No (lindíssimo!) ‘Tese sobre nada’, no penúltimo verso do poema você escreve:

‘ou ainda estrevania em relação a betoneira‘.

Se não for abuso, o que significa estrevania? É um neologismo? Já catei os radicais da palavra & não consigo fazer nenhuma associação (rs)… O poema é lindo, eu o adoro, mas essa palavrinha me persegue a cabeça (rs)…

Abraço imenso, poeta!”

_________________

Abaixo, a resposta do poeta Alexandre Brito:

 

“risos.
que legal, Paulo!
um bom leitor é isso.
‘Sabino’ da vida.  
busca a pormenoridade
mesmo mínima.

pois, ‘ESTREVANIA’
é pura invenção.
mancha sonora, letra, sílaba
palavra
q nada nomina.

parabéns, amigo!
um detalhe despercebido pela totalidade dos leitores
mas que não escapou a ti
e tua curiosidade
artística.

grande abraço!”

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uma tese sobre “nada”: uma caligrafia que, no fundo, não comunica, uma caligrafia que, no fundo, não significa: uma caligrafia do imaginário, uma caligrafia que só existe na imaginação, caligrafia que se reproduz mediante caracteres simbólicos & metáforas encerrados em si mesmos, caracteres simbólicos & metáforas que não possuem o auxílio de referências outras que não as referências que guardam de si mesmos.

porém, mesmo a caligrafia do imaginário com os caracteres simbólicos & as metáforas encerrados em si mesmos, sem o auxílio de referências outras que não as referências que guarda de si mesma, essa caligrafia, ao acolher ecos & reverberações sígnicas não mensuráveis, ao abrigar ecos & reverberações de signos lingüísticos que não podem ser mensurados, medidos, alcançados, mantém um sentido — nas feições dos seus signos, no gesto sempre transfigurado das suas metáforas.

uma caligrafia do imaginário em que os seus caracteres simbólicos não se relacionem com nada, caracteres cujos significados não se conectam a nada, caracteres que vivem independentemente as suas significações.

assim, uma escritura em ruptura (pois tal escritura rompe com a função característica de qualquer escritura, que é a de comunicar), que avança do familiar ao desconhecimento (ininteligível, dado o seu hermetismo), é lavrada (é preparada, é fomentada), no livro secreto das dúvidas (afinal, uma caligrafia do imaginário que não comunica, que não significa, o que deseja? qual a sua função, a sua finalidade? o que dizem os seus caracteres, as suas metáforas?). sem aparente significado especial, desprovida de qualquer relevância imediata (pois tal escritura rompe com a função característica de qualquer escritura, que é a de comunicar), a caligrafia do imaginário articula substâncias medulares, isto é, substâncias essenciais, fundamentais, substâncias que formam a sua forma (a forma da caligrafia do imaginário), exprimindo, por alusão, matéria subliminal potencialmente: transgressiva.

a caligrafia do imaginário, por não ser compreendida (caligrafia que se reproduz mediante caracteres simbólicos & metáforas encerrados em si mesmos, caracteres simbólicos & metáforas que não possuem o auxílio de referências outras que não as referências que guardam de si mesmos), exprime matéria potencialmente transgressiva, pois a matéria da caligrafia do imaginário transgride, vai além do sentido de quaisquer significações mundanas, existenciais, a caligrafia do imaginário exprime matéria potencialmente transgressiva porque ela é livre para ser o que quiser ser, ela é livre para significar o que quiser significar & com os caracteres simbólicos os mais variados, à margem de quem deseje compreendê-la.

pois esta entidade abstrata, incapacitada de ser trazida à concretude existencial, entidade que se reproduz segundo um código cifrado (onde cada caractere simbólico significa algo encerrado em si mesmo, algo que não se correlaciona com nenhum outro caractere simbólico que compõe a caligrafia do imaginário), esta “quase” impossibilidade (“quase” impossibilidade porque, apesar de todos os paradoxos que impossibilitariam a caligrafia de ser uma caligrafia, a caligrafia existe com seus caracteres simbólicos & suas metáforas, ainda que exista apenas no imaginário), esta entidade abstrata, esta quase impossibilidade, literalmente incapaz de ser definida & determinada com certeza e/ou precisão (dado o seu hermetismo), propaga-se, alastra-se, para além dos mapas, tábuas & notações pré-estabelecidas conceitual & esteticamente, quer por intangível, intocável, impalpável, que seja, quer por outro qualquer motivo.

a questão é que, numa caligrafia do imaginário (onde cada caractere simbólico significa algo encerrado em si mesmo, algo que não se correlaciona com nenhum outro caractere simbólico que compõe a caligrafia), as palavras — os caracteres simbólicos — que compõem tal caligrafia não possuem relação alguma, nem relação de similitude nem de oposição:

pedra em relação a ventania, por exemplo:

na nossa caligrafia, pedra & ventania são caracteres simbólicos — palavras — que representam elementos diametralmente opostos (a pedra, material sólido, e ventania, ar atmosférico), possuem uma relação (ambos, pedra & ventania, são caracteres simbólicos que representam elementos naturais formados por componentes inteiramente opostos: elemento material da natureza X elemento imaterial da natureza).

numa caligrafia do imaginário, os caracteres que significariam pedra, ou ventania, ou água, ou fogo, ou negro, ou branco, habitam o âmago de uma mesma incógnita: pois os caracteres simbólicos & metáforas da caligrafia do imaginário não possuem o auxílio de referências outras que não as referências que guardam de si mesmos (todo caractere simbólico da caligrafia do imaginário significa, comunica, algo encerrado em si mesmo, algo que não se correlaciona com nenhum outro caractere da mesma caligrafia).

uma caligrafia do imaginário: uma caligrafia que não comunica, que não significa, uma entidade abstrata, uma quase impossibilidade: mais um dos tantos delírios de quem revira linguagens — como nós, poetas.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Metalíngua. autor: Alexandre Brito. editora: Éblis.)

 

 

TESE SOBRE NADA


                             “… escrever nem sempre é trilhar terreno inexplorado
                             pode ser ladainha repetindo indo indo indo
                             um requentado”.
                                                                   Alexandre Brito

 

 

uma caligrafia do imaginário
se reproduz segundo um código cifrado
em que se representam as idéias mediante caracteres simbólicos
metáforas consecutivas consideradas organicamente
nas constelações a que pertencem
sem auxílio de referências outras que não elas mesmas
mas, ao acolher ecos e reverberações sígnicas não mensuráveis
mantém um sentido, nas feições, no gesto
sempre transfigurado

assim uma escritura em ruptura
que avança do familiar ao desconhecimento
é lavrada no livro secreto das dúvidas
e, sem aparente significado especial
desprovida de qualquer relevância imediata
apenas e tão somente
articula substâncias essenciais medulares
exprimindo, por alusão, matéria subliminal
potencialmente transgressiva

pois esta entidade abstrata
esta quase impossibilidade
literalmente incapaz de ser definida
e determinada com certeza e/ou precisão
propaga-se, conceitual e esteticamente
quer por intangível que seja
quer por outro qualquer motivo
para além dos mapas tábuas e notações pré-estabelecidas
onde por exemplo, pedra em relação a ventania
harpia em relação a fósforo
ou ainda estrevania em relação a betoneira
habitam o âmago de uma mesma incógnita