SE EU FOSSE UM PADRE, A MINHA ORAÇÃO: POESIA
5 de janeiro de 2016

Igreja 1
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se eu, paulo sabino, fosse um padre, eu, nos meus sermões aos fiéis, não falaria em deus nem no pecado, muito menos no anjo rebelado (o anjo caído, lúcifer) & os encantos, as magias, das suas seduções, das suas artimanhas para agradar. também não citaria santos & profetas: nada das suas celestiais promessas ou das suas terríveis maldições, nada do jogo injusto & feio da culpa & do castigo.

se eu, paulo sabino, fosse um padre, eu citaria os poetas, rezaria os seus versos, os mais belos, desses que desde a infância me embalaram — pessoa, drummond, bandeira, vinicius, cecília, quintana — & quem me dera que alguns fossem meus!…

porque a poesia, mais do que dizem os santos & profetas & deus & o diabo, a poesia purifica a alma, e um belo poema, ainda que se aparte de deus, ainda que se afaste de deus, ainda que se separe de deus, um belo poema sempre leva a deus. afinal, um belo poema sempre nos leva ao sublime, ao grandioso, ao elevado, ao celestial, ao divino.

poesia: a quem dedico a minha oração: senhora de tudo em mim, dai-me a alegria do poema de cada dia. e que, ao longo do caminho, eu distribua, para as almas, minha porção de poesia, sem que ela — a porção à qual tenho direito — diminua.

poesia tanta & tão minha, que, por eucaristia, eu possa fazê-la sua, fazê-la do leitor (eucaristia: um dos sete sacramentos da igreja católica, além de ser o sacramento central, no qual, segundo a crença, jesus cristo se acha presente, sob as formas do pão & do vinho, respectivamente, com o seu corpo & o seu sangue).

poesia tanta & tão minha, que, por eucaristia, eu possa fazê-la sua, fazê-la do leitor: na poesia, eis a minha carne, eis o meu sangue!

a minha carne & meu sangue em toda a ardente impureza deste humano coração — coração imperfeito, limitado.

mas, ó coração divino, ó coração celestial, ó coração de deus, deixai-me dar de meu vinho, deixai-me dar de meu pão, deixai-me viver a minha eucaristia! que mal faz uma canção, que mal faz um poema? basta que a canção, que o poema, tenha beleza, e nos encante, e nos leve ao sublime, ao grandioso, ao elevado, ao celestial, ao divino.

(um belo poema, ainda que se aparte de deus, ainda que se afaste de deus, ainda que se separe de deus, um belo poema sempre leva a deus.)

o meu templo, a minha religião, é a poesia.

poesia: eis a oração que tenho para lhes oferecer.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do site: Youtube. Paulo Sabino recita “Se eu fosse um padre”, poema de Mario Quintana. Em 05/01/2016.)


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(do livro: Nova antologia poética. autor: Mario Quintana. editora: Alfaguara.)

 

 

SE EU FOSSE UM PADRE

 

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições…
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância  me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
… e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!
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(do site: Youtube. Paulo Sabino recita “Oração”, poema de Mario Quintana. Em 05/01/2016.)


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(do livro: Poesia completa. autor: Mario Quintana. editora: Nova Fronteira.)

 

 

ORAÇÃO

 

Dai-me a alegria
Do poema de cada dia.
E que ao longo do caminho
Às almas eu distribua
Minha porção de poesia
Sem que ela diminua…
Poesia tanta e tão minha
Que por uma eucaristia
Possa eu fazê-la sua
“Eis minha carne e meu sangue!”
A minha carne e meu sangue
Em toda a ardente impureza
Deste humano coração…
Mas, ó Coração Divino,
Deixai-me dar de meu vinho,
Deixai-me dar de meu pão!
Que mal faz uma canção?
Basta que tenha beleza…

NA CALADA, A SECURA DE UM REI DE MARACATU
16 de junho de 2015

Vendedor de cangas

Maracatu Rural
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o vendedor, na praia, lembra um rei de maracatu em meio ao colorido das cangas.

o manto multicor de um rei de maracatu, o vendedor de cangas em meio ao colorido das peças.

entretanto, apesar da semelhança, o vendedor de cangas samba — dança, agita-se, caminha o seu passo de baile — no compasso da mercadoria que está ali para ser vendida, que está ali para garantir o pão de cada dia, o vendedor de cangas não brinca maracatu.

o vendedor de cangas, em meio ao colorido da mercadoria, trabalha duro, pesado:

afinal, a vida não é alegoria, a vida não é metáfora, não é simbologia (o manto multicor de um rei de maracatu — o colorido das cangas do vendedor).

afinal, a vida não é maracatu (a dança, a música, a alegria), a vida é mandacaru (planta espinhenta, que resiste à secura, à aspereza, do ambiente em que vive).

a vida não é maracatu: é mandacaru. mandacaru lá do nordeste, lá do sertão: tão seco, tão áspero.

o vendedor de cangas, sem dançar maracatu, com sua vida que não é alegoria, é trabalho duro, pesado, tem o semblante carregado por ossos protuberantes & terminações nervosas nada conclusivas, nada definitivas, terminações nervosas abespinhadiças, o semblante coberto de pêlos, que indicam trinta anos ou mais, mas que não chegaram, ainda, a idade de (jimi) hendrix, que morreu aos 27 anos (completaria 28 anos em 2 meses).

o vendedor de cangas, sem dançar maracatu, com sua vida que não é alegoria, é trabalho duro, pesado, tem suporte de óculos & das marcas amargas — as suas vivências em condições precárias de vida — moldado pela poeira pesada, dos seus dias pesados, em meio ao suor dos poros fechados para o riso, fechados para a alegria, fechados para o bem-querer.

como manter os poros abertos ao riso, os poros abertos à alegria, os poros abertos ao bem-querer, se, na calada da noite, o vendedor de cangas se dana?

como manter os poros abertos ao riso, os poros abertos à alegria, os poros abertos ao bem-querer, se, na calada, na surdina, a casa do vendedor de cangas é acordada, em meio à madrugada, pelo bico do coturno estatal — a violência, promulgada pela polícia militar, que invade casas em favelas sem o mínimo de respeito aos moradores — & tem gavetas com peças puídas & armários vazios revirados?

(a justificativa dos policiais militares, para ações tão truculentas, e que acontecem cotidianamente nas favelas, é de que procuram a boca de fumo, local onde drogas — ilícitas — são vendidas. a grande questão é que, na busca pela boca, muitas casas são invadidas arbitrariamente, inclusive a casa do vendedor de cangas.)

como manter os poros abertos ao riso, os poros abertos à alegria, os poros abertos ao bem-querer, se, na calada, na surdina, a casa é acordada, em meio à madrugada, pelo bico do coturno estatal & tem a sua destruição garantida pelo braço legal do estado?

ninguém sabe, ninguém viu (além da boca — de fumo — procurada pela polícia militar), no chão, os dentes fora da boca, os dentes que não são encontrados quando falamos ou sorrimos, os dentes da arcada forjada, inventada, criada, no ódio rangendo revanche, no ódio rilhando vingança.

a toda & qualquer ação, uma re-ação na mesma medida.

afinal: como manter os poros abertos ao riso, os poros abertos à alegria, os poros abertos ao bem-querer, se, na calada, na surdina, a casa é acordada, em meio à madrugada, pelo bico do coturno estatal & tem a sua destruição garantida pelo braço legal do estado?

ninguém gosta de receber, em casa, pessoa inconveniente, que apareça, por exemplo, sem ter sido convidada.

imagine o que seja ter a casa invadida à base de pontapé,  gritos & tapas!…

respeitar para ser respeitado.
cuidar para ser cuidado.
amar para ser amado.

eis a base de tudo.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Dentro da betoneira. autor: Thiago Cervan. apoio cultural: Incubadora de artistas.)

 

 

o vendedor
na praia
lembra um
rei de maracatu
em meio ao
colorido das cangas

o vendedor de cangas
samba no compasso
da mercadoria
e não brinca maracatu:

nego, a vida
não é alegoria

é mandacaru

 

 

SECO

 

o sembante carregado
por ossos protuberantes e terminações nervosas
………………………………………………nada conclusivas

coberto de pelos que indicam trinta ou mais
mas que não chegaram ainda a idade de hendrix

suporte de óculos e marcas amargas
moldado pela poeira pesada em meio ao suor
dos poros fechados para o riso

 

 

NA CALADA

 

a casa acordada em
meio à madrugada
pelo bico do coturno
estatal tem gavetas
com peças
puídas e armários
vazios revirados.
procuram a boca.
vira-latas latem
luzes vizinhas
acendem à procura
de decifrar o enigma.
ninguém sabe
ninguém viu no chão
os dentes fora da boca

arcada forjada no ódio
rangendo revanche

QUARENTA CONTENTE CANTANTE
26 de maio de 2015

Quarenta Contente Cantante_Capa de Gal Oppido

(A capa do mais novo livro do poeta & tradutor Adriano Nunes, criação do artista plástico Gal Oppido.)
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O novo livro de Adriano Nunes mantém o alto nível de qualidade dos anteriores.

(Antonio Carlos Secchin — poeta, professor & membro da Academia Brasileira de Letras)

Ultimamente, de vez em quando me pego repetindo o verso de Brecht: “é verdade, vivo em tempos sombrios”. E enquanto sonhamos com tempos melhores, é sempre uma alegria mergulhar num livro de poemas de um poeta que realmente ama e cultua a poesia commeilfaut. Por isso digo a plenos pulmões: Salve Quarenta Contente Cantante! Salve Adriano Nunes!

(Antonio Cicero — poeta, letrista & filósofo)

Adriano Nunes, um artífice da poesia. Não digo que seja vertiginosa a arte poética de Adriano Nunes, apesar “Das vertigens do amor que me consolam”, título do primeiro poema do seu novo livro, “Quarenta Contente Cantante”. Digo antes que o poeta mede, pesa, sopesa bem as palavras, usa com esmero e rigor diversos e ricos instrumentos da linguagem, para nos oferecer poemas de elevado apuro estético, poético e até, nalguns casos, ouso afirmar, ético. Para uma leitura mais iluminadora, deixo que outros, profundos conhecedores da obra do poeta, e do ofício da poesia, nos indiquem os seus caminhos. A mim fica-me o prazer e honra de ter sido chamado a emitir uma sucinta opinião sobre este seu novo e belo livro de poemas.

Vila Nova de Gaia, Portugal, Maio de 2015.

(Domingos da Mota — poeta & filósofo)

Numa redoma antibárbara do mundo virtual, no meio da mais torpe barbárie, costumo encontrar Adriano, o poeta de báratros e empíreos, o estudioso incansável, o tradutor aceso, o curioso infindo, laboratorista de acasos.

Muito me orgulha sempre que me diz que adoraria ter tido a chance de ser meu aluno. E mais: vivendo nós dois na casa da poesia-amizade, ele diz generoso: “No fundo, creio na humanidade. Por isso escrevo”. Ai de nós se não crêssemos ou se pararmos de crer, lhe digo. Ou melhor: ai do mundo se Adriano Nunes parar de crer.

(Roberto Bozzetti — poeta & professor)
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o primeiro prefácio a gente nunca esquece!

como sabido, o que, até então, eu escrevi para livros de poesia foram releases, que são textos de apresentação de uma obra endereçados à imprensa. texto meu, para integrar a apresentação de um livro dentro do livro, até então eu não havia feito.

até então.

aos senhores, o prefácio que escrevi para o mais novo livro de poesia do poeta & tradutor alagoano, além de querido amigo, adriano nunes, intitulado quarenta contente cantante, a ser lançado pela editora vidráguas, comandada pela querida amiga & professora carmen silvia presotto, na sede da editora da universidade federal de alagoas (Edufal), a partir das 16h, no dia em que o poeta vencerá as suas quarenta primaveras, 28 de maio.

o livro conta, ainda, com orelhas do poeta & professor roberto bozzetti & textos da contracapa do poeta, professor & membro da abl antonio carlos secchin, do poeta & filósofo antonio cicero, e do poeta português domingos da mota.

eu só tenho a agradecer o convite duplo, vindo tanto da carmen como do adriano, para que eu fizesse o texto de apresentação. satisfação imensa.

espero que as minhas linhas despertem o interesse dos senhores da mesma forma que quarenta contente cantante me interessou & comoveu.

beijo todos!
paulo sabino.
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(prefácio do livro: Quarenta contente cantante. autor do prefácio: Paulo Sabino. editora: Vidráguas.)

 

 

Há sempre algo de nós que nos escapa, que nos foge, que nos falta, algo que não conseguimos traduzir exatamente, algo em nós que se deixa entre enigmas & erros. Somos, além do que nos sobra, o que também nos falta. O que nos falta constitui-nos na exata medida do imponderável, do indizível, da possibilidade de. E é assim que o poeta se dá a desejos.

O nada acaba por ser indefinível porque ele pode, na justa medida, tudo. Ao que tudo pode, nada cabe, a indefinição é o que define, o que delimita. É a partir do nada que tudo pode acontecer.

A poesia é a possibilidade de tudo por comprometer-se a nada. Em poesia, tudo pode, tudo cabe, porque nada lhe é impossível.

Neste seu terceiro livro de poesia, Quarenta Contente Cantante, 40 poemas comemorando os seus 40 anos, Adriano Nunes nos brinda com a sua alegria de ser poeta, de cantar a poesia, e com o seu contentamento de fomentar versos & rimas & ritmos, mostrando-nos, assim, as suas tantas possibilidades no ofício: ora com formas fixas clássicas, ora com formas livres, ora com versos brancos, ora com versos livres, os quarenta poemas se dão ao longo do livro tratando de assuntos os mais variados, mas tendo a alegria de ser um cantante como a grande tônica da obra.

Há tristeza & melancolia no olhar do poeta, mas o poeta, da tristeza & melancolia vividas, salva-se nos braços da poesia, salva-se lançando-se aos seus desejos métricos, salva-se lançando-se à arte de arquitetar versos, salva-se lançando-se à música de Pã, salva-se lançando-se às vertigens do amor que o consolam. A poesia, assim, mostra-se como a sua grande amada, a sua musa maior.

O livro é uma aposta no amor (no sentido amplo do sentimento), apesar dos tantos dissabores que o amor acarreta. Apesar das coisas, muitas vezes, não saírem como se deseja, tudo renasce de tudo, ou seja, coisas boas renascem também de coisas insatisfeitas, de coisas inesperadas & indesejadas, e vice-versa. O coração do poeta diz “para”, por tanto sentir, por tanto amar, por tanto doer, por tanto doar, mas, ao invés de parar, o coração alcança o oposto, e dispara: a constatação de que arquitetou, construiu, ergueu, sua vida em versos, e que foi justamente assim que encontrou a felicidade, a alegria, o bem-estar, porque com poesia o seu nó existencial, o seu embaraço de vida, é desatado, é desfeito. Os ardis das sinapses no exercício poético excitam, trazem prazer & gozo. Mesmo as dores de amor, por mais doridas, por vezes se tornam prazerosas porque acabam em versos & rimas & ritmos.

O amor à poesia que o poeta tem exige sempre que se erga um poema/monumento à beleza, porque tudo que o poeta arquiteta, arquiteta, sobretudo, em prol única & exclusivamente da arte poética, ainda que seus sentimentos, os expostos em versos, lhe sejam esdrúxulos & paradoxais.

Na criação poética, toda a atenção às musas: eus a pino, todos os poetas que existem em Adriano Nunes estão a postos, a fim de auscultar o amor, sentimento o mais nobre, capaz de proporcionar inícios sempre. É justamente imerso em si que o poeta vê o verso vingar, vê o verso firmar & fincar. No entanto, alerta: por maior o cuidado & a atenção ao dizer o seu amor em versos, o poeta depara-se com a imensidão do seu sentimento, que, por imenso, não cabe em versos, ou ainda, os versos não conseguem mensurar eficazmente o amor que o poeta sente por aquilo que ama. O poema não diz o tanto do quanto ama o poeta, mas é a arte poética que lhe dá a mão a caminho das máximas realização & felicidade.

Na busca & afirmação da sua poética, Adriano Nunes abre espaço ao seu conhecimento & profunda intimidade com a literatura clássica grega. Por toda a obra, não faltam referências a mitos & histórias da Grécia Antiga. No poema Por beleza, por amor, a história da tomada de Troia a partir do olhar de Páris, príncipe troiano responsável pela destruição da cidade, por optar viver o seu amor por Helena de Esparta, considerada a mais bela das mulheres, casada com o rei Menelau. Páris seduziu Helena, que não resistiu ao seu encanto & à sua beleza & abandonou Esparta, fugindo para Troia. Pelo seu ato de amor, Páris levou sua cidade ao fogo & às flechas. Dá-se, assim, o início da célebre guerra entre gregos & troianos. Em Tolo Proteu, o poeta transmuta-se, transforma-se, em outros, quando pensa, quando sonha, quando sente, ser o grande desejo do seu objeto de desejo. Adriano Nunes transmuta-se, transforma-se, em outros, como Proteu, deus do mar, que possuía o dom da metamorfose, podendo converter-se em tudo o que desejasse: não apenas em animal, mas até em elemento como a água ou o fogo. No poema As moiras, são trazidas aos versos as três irmãs que são a personificação do destino de cada homem na Terra (Átropo, Cloto & Láquesis), responsáveis pelo tempo de vida de cada mortal, que controlavam com a ajuda de um fio que a primeira fiava (Átropo), a segunda enrolava (Cloto) & a terceira cortava (Láquesis) quando decretado o fim da vida. As voltas & surpresas do destino: quando tudo parece alguma coisa constante, alguma coisa estável, tudo pode estar por um fio, por uma linha tênue, tudo pode estar prestes a mudanças inimagináveis – Átropo, Cloto & Láquesis levam o lábil laço.

Também integrando Quarenta Contente Cantante, o primeiro poema – publicado em livro – em língua estrangeira, Poesía! Poesía, uma verdadeira ode, na língua espanhola, a todos os nomes que a arte poética pode receber & a todos os encantos que ela pode despertar.

Adriano Nunes promete, a quem lhe lança o olhar, o gozo do amor & dos versos: o ar com toda cor & nuvens, o áureo arcabouço dos sonhos. E outros tesouros. Pede o olhar do outro para que o seu olhar seja um olhar composto: o amor proposto & entreposto nas lentes do criador & nas lentes do seu leitor, a quem o poeta deseja satisfazer tanto quanto se satisfaz quando elabora suas façanhas de palavras & versos.

Do que resta de tudo que teve o seu astuto fim, interessa a Adriano Nunes resgatar justamente o que lhe é irresistível sempre: a poesia, que ele sabe sentir mais & melhor do que ninguém, as begônias & os bem-te-vis que compõem o seu universo pessoal & lírico, e o vinho bom que ganhou de Dionísio, deus também da inspiração, inspiração que não falta à obra.

Quarenta Contente Cantante é mais um passo à frente na trajetória deste poeta que só faz afirmar-se como uma das grandes & gratas revelações da poesia brasileira contemporânea. Um brinde aos seus quarenta anos contentes! Um brinde aos seus quarenta poemas cantantes!

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(do livro: Quarenta contente cantante. autor: Adriano Nunes. editora: Vidráguas.)

 

 

POR BELEZA, POR AMOR

 

Era apenas uma tarde.
Troia ainda não ardia
Em chamas. Mas algo forte
Meu coração alcançou.
Eu, Páris, filho do rei,
Içado ao infinito vi-me.
Disseram-me ser sim deuses,
Esses que me ergueram à
Função de juiz de lide.
Era apenas uma tarde.
Logo eu, o irmão de Heitor,
Minha cidade entreguei,
Sem saber, ao fogo e às flechas,
Por beleza, por amor.

 

 

AS MOIRAS

 

Quando tudo
Bem parece logo
Quando tudo
Bem parece leme
Quando tudo
Bem parece largo
Quando tudo
Bem parece livre
Quando tudo
Bem parece longo
Quando tudo
Bem parece lindo
Quando tudo
Bem parece louco
Quando tudo
Bem parece leve
Quando tudo

Láquesis, Cloto à Átropos
Levam o lábil laço.

NO JARDIM BOTÂNICO
7 de maio de 2015

Jardim Botânico_Rio de Janeiro

(Foto do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.)
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“Oi querido Paulo, adorei seu entusiasmado texto! Que bom! Obrigado. Viva seu Blog!”  (Péricles Cavalcanti)

 

tantas coisas lindas, exuberantes, para ver, para sentir, para tocar, num jardim botânico, numa tarde de sol (bichos, plantas, cores, sons, formas, odores, texturas), tantas coisas acesas aos sentidos… no entanto, quando a palavra ilumina, seja no lugar que for, a palavra realmente pode ser a coisa mais bonita entre outras tantas coisas bonitas.

“a consciência é uma lanterna que a solidão acende no anoitecer, pra gente ver que nem tudo é treva, que pode haver sentido em viver”.

o poeta leu a frase supracitada, frase iluminista, iluminada, no meio-dia quente de uma trilha, entre um refrigerante & um piquenique, no jardim botânico de brasília.

a frase supracitada estava escrita numa placa ao léu, a esmo, no sol a pino, no meio-dia quente, e, embaixo da frase, tinha uma assinatura da madame de estaël (madame de staël foi uma intelectual francesa, escritora & ensaísta, do final do século XVIII – início do século XIX, que acreditava nos ideais do iluminismo francês & os propagava em suas obras).

o poeta confessa não ter lido mais nada desta autora, porém nunca mais esqueceu a frase, pois ela foi a coisa mais bonita que o poeta viu ali — no jardim botânico.

tantas coisas lindas, exuberantes, para ver, para sentir, para tocar, num jardim botânico, mas quando a palavra ilumina, seja no lugar que for, a palavra realmente pode ser a coisa mais bonita entre outras tantas coisas bonitas: “a consciência é uma lanterna que a solidão acende no anoitecer, pra gente ver que nem tudo é treva, que pode haver sentido em viver”.

que frase linda de se ler num jardim botânico! uma grande luz entre luzes!

beijo todos!
paulo sabino.
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(autor: Péricles Cavalcanti.)

 

 

NO JARDIM BOTÂNICO

 

A consciência é uma lanterna
que a solidão acende no anoitecer
pra gente ver que nem tudo é treva
que pode haver sentido em viver

Li essa frase iluminista
no meio-dia quente de uma trilha
entre um refrigerante e um piquenique
no Jardim Botânico de Brasília

Estava escrita numa placa
no sol-a-pino assim ao léu
e tinha uma assinatura embaixo
da Madame de Staël

Não li mais nada desta autora
mas nunca mais eu me esqueci
pois foi a coisa mais bonita
que eu vi ali
que eu vi ali
que eu vi ali

no Jardim Botânico
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(do site: Soundcloud. canção: No Jardim Botânico. autor & intérprete: Péricles Cavalcanti.)

MONTANHA-RUSSA
14 de abril de 2015

Montanha-russa
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a vida é um sobe & desce constante, os seus altos & baixos, ladeiras contínuas, uma gangorra sentimental, montanha-russa vertiginosa: em alguns momentos da descida, a impressão de que o carrinho descarrilhou, perdendo o seu curso & mergulhando num fosso sem fim: fossa funda, agonia atroz.

todavia, num dado momento do mergulho no breu, a percepção de que os trilhos sempre estiveram por debaixo do carrinho, só não estavam à vista (o fosso é um escuro absoluto), e, como em toda montanha-russa, em determinado trecho, a trajetória ganha de volta a sua ascensão. o carrinho, mais uma vez, e aos poucos, ganha fôlego & força & é impulsionado ao topo.

à montanha-russa que me cabe, caibam sempre subidas & descidas, altos & baixos.

é o que está certo.

e que o carrinho, nas descidas ainda por vir percurso afora, nunca descarrilhe, sempre esteja apto às alturas.

é o que está certo.

a vida gosta de quem gosta da vida.

(eu sou um que gosta.)

beijos todos!
paulo sabino.
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(Do livro: O menos vendido. autor: Ricardo Silvestrin. editora: Nankin Editorial.)

 

 

57.

 

ninguém está a salvo da tristeza
no horizonte nuvens negras
ventos anunciam confusão
mesmo na alma mais ensolarada
nem o rei do que quer que seja
do alto do seu trono de alegria
servos devotados
em fazê-lo sorrir cinco vezes por dia
nem o mestre mais desapegado
quando vê está triste
como um corvo num galho seco
contra o céu cinza

 

58.

 

ainda menino
se descobre lá dentro
o guerreiro
pra lutar contra o destino
armado de escudo e uma espada
dentro do corpo franzino
segue valente
enfrentando o que vier pela frente
o menino cresce
fica homem
e tudo que chorou
e tudo que sorriu
numa conta de subtração
vai dizer a sua sorte
mas a morte só vem
quando um tiro certeiro
derruba não o homem
mas o guerreiro

TRATO DE VIAJANTE: AMANHÃ AO AMANHÃ
16 de dezembro de 2014

Arpoador_Alvorada

(Das pedras do Arpoador, o sol a leste, por volta das seis da manhã.)
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não deixo para amanhã o que posso fazer hoje. pois a vida só se dá no presente. as vivências só podemos vivenciá-las no hoje, no agora, no já.

o passado ficou para trás. o futuro ainda não chegou. sendo assim o tempo, que tempo nos resta para viver? respondo: exclusivamente, unicamente, o tempo presente.

por isso não deixo para amanhã o que posso fazer hoje.

pois amanhã é o amanhã. como diz o dito popular: o futuro a deus pertence.

o importante, portanto, é viver o hoje. quero a preparação do amanhã pelo dia de hoje. vivendo o hoje intensamente, dia após dia, o futuro, inevitavelmente, resultará também em tempo intensamente vivido. a conquista do hoje é a conquista de amanhã.

o “não” é o preparo do “sim”. o “não” é a capacitação, é a aptidão, é a confecção, é a fabricação, do “sim”. dizer “não”, hoje, para muitas coisas, significa, no fundo, dizer “sim” para muitas outras que, no futuro, resultarão em ganhos.

o “não” é o preparo do “sim”. o “hoje” é o preparo do “amanhã”.

quando jovem, isto é, antes, no passado, normalmente as nossas preces, os nossos desejos, eram sempre para o amanhã. projetamos, quando jovem, muito do nosso bem-estar existencial, da nossa alegria de vida, da nossa satisfação íntima, no futuro. e o hoje, isto é, o tempo que era vivido, o presente à época, era uma dança de possíveis, era uma movimentação em prol de algumas possibilidades que nos permitia a idade tenra. as preces, os desejos, ao invés de voltados ao presente, estavam voltados ao futuro.

hoje, tempo presente, homem adulto, não consigo pensar no amanhã, tão cheio de ameaças, tão cheio de intimidações, tão cheio de atemorizações, é o hoje, tão cheio de descrenças & medos. a minha atenção, hoje, é voltada às conquistas de se viver bem o instante que se dá agora, já, neste momento.

tenho frio nesses dias de inverno, dias cheios de ameaças, de intimidações, de atemorizações.

qual a conquista do presente a vida me reserva? um novo poema? uma viagem desejada? um encontro feliz?

qual o saber no amanhã meu dia revelará?

a essas perguntas, hoje, não tenho as respostas. não as tenho e, ainda que quisesse, não as teria.

como, do caminho, só temos os passos, e o futuro a deus pertence (diz o dito popular), proponho um trato de viajante, um acordo de quem está nesta grande viagem que é a vida: ir & voltar para nunca mais.

ir sempre adiante & permitir-se um único retorno: a volta para “nunca mais”, o regresso contínuo & ininterrupto para a certeza de que a vida é feita de partidas, é feita de perdas (a cada passo dado, um a menos na estrada), e de que, por conseguinte, vamos para nunca mais voltar.

chorar o choro do desprezo, o choro do descaso, do desapreço, da indiferença (a vida é perda: a cada passo dado, um a menos na estrada), e instalar, e instaurar, a fatalidade dos desafios (fatalidade difícil de encarar porque traz inseguranças & medos), instalar a fatalidade — dos desafios — por entre as vias & vieses trilhafora.

chamar pelo nome de deus de pouco adianta. na verdade, acho que de nada adianta.

despossuídos, desapossados, destituídos (pois nada se leva deste mundo), mantendo a pose de que possuímos amparo divino, de que possuímos amparo vindo dos céus, de que possuímos amparo logo do espaço escuro mudo, onde nem som se propaga.

e a pose que tentamos manter, isto é, a postura, a afetação, que tentamos sustentar, não diz nada, não diz o que somos (a imensa diferença entre o que parecemos ou pensamos ser & o que realmente somos), se é que, depois de tanta pose, tanta postura, tanta afetação, ainda sobra espaço para o eu, para o que somos verdadeiramente.

não deixo para amanhã o que posso fazer hoje. pois a vida só se dá no presente. as vivências só podemos vivenciá-las no hoje, no agora, no já.

o passado ficou para trás. o futuro ainda não chegou. sendo assim o tempo, que tempo nos resta para viver? respondo: exclusivamente, unicamente, o tempo presente.

sigamos bem. sigamos juntos.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Rastros. autora: Vera Casa Nova. editora: 7Letras.)

 

 

AMANHÃ

 

Não deixo para amanhã
O que posso fazer hoje.
Pois amanhã é o amanhã
Quero a preparação do amanhã
Pelo dia de hoje.
A conquista do hoje
É a conquista de amanhã.

 

O não é o preparo do sim.

 

Quando eu era jovem
Minhas preces eram sempre para o amanhã.
E o hoje era uma dança de possíveis.
Hoje, não consigo pensar no amanhã
Tão cheio de ameaças é o hoje
Tão cheio de descrenças e medos.
Tenho frio nesses dias de inverno
Qual a conquista do presente me reserva a vida?
Qual o saber no amanhã revelará meu dia?

 

 

TRATO DE VIAJANTE

 

Ir e voltar para nunca mais
Refazer caminhos
E gritar
Chorar o choro do desprezo
E instalar a fatalidade
Por entre as vias e os vieses.
Chamar pelo nome de deus
De pouco adianta.
Despossuídos, mantendo a pose.
E tua pose não diz mais nada,
Nem o que tu és,
Se é que ainda és um eu.

INDÍCIO: O PARADEIRO DO POETA
9 de dezembro de 2014

Coração_Árvore_Tronco

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na noite acesa de um luar certeiro, de um luar altaneiro, o paradeiro do poeta foi a velha mesa de onde foi presa, de onde foi a caça, quando aventureiro do primeiro amor que lhe deu tristeza.

de uma beleza de não ter parceiro, de uma beleza sem par, beleza ímpar, única, o candeeiro branco da princesa (candeeiro: no brasil colonial, chapéu de três pontas, também chamado tricórnio) causou surpresa, espanto, pasmo, ao poeta violeiro, que se deu inteiramente à boniteza da princesa & seu candeeiro branco.

sendo, o poeta, cavaleiro de sua princesa, alteza do seu reino amoroso, o poeta pôs, no tinteiro, a pena com firmeza, e, com presteza, foi o mensageiro de sua alteza, que é o seu amor.

findo, com delicadeza, o roteiro em versos, o poeta deixa, na velha mesa (de onde foi a presa, de onde foi a caça), um verso brasileiro que, no fim das contas, resulta em homenagem ao cancioneiro & à língua portuguesa.

pois, ainda que o poeta desejasse secreta a sua paixão por sua alteza, paixão nenhuma nunca foi secreta.

paixão nenhuma nunca foi secreta: tem sempre um rastro, um rabo, um indício, que vai ser achado. por mais oculta que ela tenha estado, nasce uma luz quando a paixão se projeta.

paixão nenhuma nunca foi secreta: no tronco velho da árvore, um coração cavado; dentro dele, a ponta de uma seta. um simples nome escrito ali, dentro ou próximo ao coração, completa o antigo indício de um apaixonado.

paixão nenhuma nunca foi secreta: tem sempre um rastro, um rabo, um indício, que vai ser achado. por mais que a alma queira ser discreta, o coração quer ser desmascarado: a luz da paixão, do amor, confunde o peito iluminado, iluminado pela luz de um candeeiro, pela luz de um lampião, que vai dentro.

o amor não deixa vida alguma quieta, sossegada: há sempre um arroubo, um desvario, um disparate, a ser cometido.

para o amor não há muitas escolhas: ou morre dele quem ficar calado, abafando-o, sufocando-o, reprimindo-o, ou vive dele quem virar poeta, confessando-o, declarando-o, louvando-o, em versos.

(paulo sabino escolheu viver dele.)

beijo todos!
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(do livro: Sonetos sentimentais pra violão e orquestra. autor: Paulo César Pinheiro. editora: 7Letras.)

 

 

PARADEIRO

 

Na noite acesa
De um luar certeiro
Meu paradeiro
Foi a velha mesa
De onde fui presa
Quando aventureiro
Do amor primeiro
Que me deu tristeza.

De uma beleza
De não ter parceiro
O candeeiro
Branco da Princesa
Causou surpresa
A esse violeiro
Que deu-se inteiro
À sua boniteza.

De Sua Alteza
Sendo cavaleiro
Pus no tinteiro
A pena com firmeza
E com presteza
Fui seu mensageiro.

Findo o roteiro
E com delicadeza
Deixo na mesa
Um verso brasileiro
Ao Cancioneiro
E à Língua Portuguesa.

 

 

INDÍCIO

 

No tronco velho um coração cavado
E dentro dele a ponta de uma seta.
Um simples nome escrito ali completa
O antigo indício de um apaixonado.

Paixão nenhuma nunca foi secreta.
Tem sempre um rastro que vai ser achado.
Por mais oculta que ela tenha estado
Nasce uma luz quando ela se projeta.

A luz confunde o peito iluminado.
Por mais que a alma queira ser discreta
O coração quer ser desmascarado.

O amor não deixa vida alguma quieta.
Ou morre dele quem ficar calado
Ou vive dele quem virar poeta.

MUNDO CRUEL
19 de novembro de 2014

Céu & árvore_PB

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desce desse galho em que te escondes, desce desse galho que te proíbe aproximação, desce desse galho em que te colocas por causa do medo de viver a vida & sofrer por conseqüência.

cai desse céu sem ninguém, cai desse céu que te proíbe aproximação, cai desse céu vazio, inabitado, árido, cai desse céu onde não vês luz nem horizontes — onde não vês nada além.

pára de ficar rolando o tempo, pára de ficar retardando, postergando, protelando, adiando, o tempo, pára de ficar deixando para depois o que se tem a viver no tempo presente, hoje. pára de ficar lamentando & alimentando dentro — do teu ser — a ferida do tormento, a ferida da angústia, da agonia, da tristeza.

também sei, também conheço, a dor de que te poupas, a dor que evitas viver — sim, o mundo é cruel: guerra, fome, miséria, doença, preconceito, injustiça, ódio, inveja, exploração, violência, mentira.

sim, o mundo é cruel. mas eu te pergunto: no mundo cruel, com que roupas vais contracenar o teu papel? vais contracenar o teu papel, vais viver a vida que é tua, intransferível, com as vestes do tormento ou com as vestes do bem-estar?

porque, queira ou não queira, o mundo é cruel desde que o mundo é mundo, a vida é perda desde que a vida é vida (a cada passo dado, um a menos na estrada), e isso é uma realidade que nos atinge a todos, seres de carne, osso & coração, desde os primórdios dos tempos.

assim sendo (sendo o mundo cruel desde que o mundo é mundo, sendo a vida perda desde que a vida é vida), por que temer o mundo, a vida, e abdicar do mundo, da vida, se, adiando ou não as vivências do mundo, da vida, a dor, que é inerente à condição existencial, consegue alcançar-te mesmo no galho em que te escondes, mesmo nesse céu sem ninguém?

pára de ficar rolando o tempo, pára de ficar retardando, postergando, protelando, adiando, o tempo, pára de ficar deixando para depois o que se tem a viver no tempo presente, hoje. pára de ficar lamentando & alimentando dentro — do teu ser — a ferida do tormento, a ferida da angústia, da agonia, da tristeza.

sim, o mundo é cruel: o destino armou, para ti, uma rede cuja trama resultou numa cilada má. e tu, ressentido, atormentado, entristecido, fizeste, da cilada má, da trama & a rede que o destino armou para ti, a cama, o chão & a parede do teu próprio quarto de dormir.

tu fizeste o teu próprio quarto de dormir com a rede cuja trama resultou numa cilada má.

(já é hora de trocar a cama, o chão & a parede do teu próprio quarto de dormir, já é hora de uma reforma no ambiente.)

pára de ficar rolando o tempo, pára de ficar retardando, postergando, protelando, adiando, o tempo, pára de ficar deixando para depois o que se tem a viver no tempo presente, hoje. pára de ficar lamentando & alimentando dentro — do teu ser — a ferida do tormento, a ferida da angústia, da agonia, da tristeza.

já não há o que resguardar. já não há do que te resguardares. já não há com que te resguardares. não tens ninguém, evitas o mundo, a vida, estás só no galho, no céu. enfim, joga a tua carta, pois, no jogo do mundo, da vida, tua carta vale muito pouco. joga a tua carta antes de arder o ocaso, antes de queimar o poente, antes de ter fim o verão, antes da entrada das estações mais frias, antes que seja tarde demais.

enfim. não vou prosseguir nesta toada, não continuarei nesta cantiga, dizendo-te as coisas que te digo. não vou insistir, dizer mais nada.

deixa que te diga o vento & sua fala muda, deixa que te diga o vento & a toada inaudível do tempo a passar no compasso do teu coração.

(pára de ficar rolando o tempo, pára de ficar retardando, postergando, protelando, adiando, o tempo, pára de ficar deixando para depois o que se tem a viver no tempo presente, hoje. pára de ficar lamentando & alimentando dentro — do teu ser — a ferida do tormento, a ferida da angústia, da agonia, da tristeza.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Sem receita — ensaios e canções. autor: José Miguel Wisnik. editora: Publifolha.)

 

 

MUNDO CRUEL

 

desce desse galho em que te escondes
cai desse céu sem ninguém
onde não vês luz nem horizontes
onde não vês nada além

pára de ficar rolando o tempo
lamentando e alimentando dentro
a ferida do tormento

também sei a dor de que te poupas
sim, o mundo é cruel
mas eu te pergunto, com que roupas
vais contracenar o teu papel?

pára de ficar rolando o tempo
lamentando e alimentando dentro
a ferida do tormento

da cilada má da trama e a rede
que o destino armou pra ti
tu fizeste a cama o chão e a parede
do teu próprio quarto de dormir

pára de ficar rolando o tempo
lamentando e alimentando dentro
a ferida do tormento

já não há o quê, de quê, com quê
que te resguarde
joga a tua carta enfim
antes do ocaso arder antes que tarde
antes do verão ter fim

não vou prosseguir nesta toada
não vou insistir dizer mais nada
deixa que te diga o vento

(pára de ficar rolando o tempo
lamentando e alimentando dentro
a ferida do tormento)
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Mais simples. intérprete & artista: Zizi Possi. canção: Mundo cruel. compositor: José Miguel Wisnik. gravadora: PolyGram.)

FIBRILAÇÕES: CANTO PARA COMOVER A VIDA
17 de outubro de 2014

Papai_Mamãe_Eu

Jurema Armond_Rosto

Jurema Armond aos 72 anos

(Nas fotos, a grande homenageada: na primeira, aos cinqüenta & alguns anos, entre os dois grandes homens da sua vida; na segunda, aos sessenta & alguns anos; e na terceira, hoje, à beira dos seus 72 anos.)
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daqui a dois dias, isto é, no dia 19 de outubro (domingo próximo), a responsável por trazer ao mundo este que vos escreve vence as suas 72 primaveras, linda como sempre foi, é só olhar as fotos acima.

dona jurema armond, a minha cabocla jurema, não é a grande diva da minha vida apenas por sua beleza física: antes, esta é o reflexo do que vai no seu íntimo. porque dona jurema armond, intimamente, consegue ser ainda mais linda, ainda mais diva.

com ela, aprendi os passos & os caminhos do amor. antes de mais nada, é preciso que se afirme: dona jurema armond nasceu para o amor, dona jurema armond nasceu para o delicado, dona jurema armond nasceu para o pulsar do coração.

(notem que o seu sobrenome, armond, possui as letras que formam a palavra amor.)

sem dúvida, é das pessoas mais amorosas que conheço, se não for a mais amorosa dentre todas.

se hoje sou um homem amoroso, se hoje prezo pelo delicado da vida, se hoje sei que o que mais importa é o que o coração abriga, sou, prezo, sei, por causa dela.

ela é a grande responsável.

o amor que a envolve, o amor que a possui, é das coisas mais fortes & incomensuráveis que conheço.

os diamantes são indestrutíveis? mais é seu amor.

o mar é imenso? seu amor é maior, seu amor é mais belo porque sem ornamentos, porque sem enfeites, mais belo porque puro amor, sem afetações, mais belo do que um campo de flores.

seu amor, o amor de jurema armond, é mais triste do que a morte (minha cabocla, por ser deveras amorosa, sofre deveras de amor), seu amor é mais desesperançado do que a onda batendo no rochedo (minha cabocla, por ser deveras amorosa, sofre ao ver o mundo sofrer, chocando-se contra o indelicado da vida), seu amor é mais tenaz, mais resistente, mais obstinado, que o rochedo (minha cabocla, apesar de sofrer ao ver o mundo sofrer, chocando-se contra o indelicado da vida, preserva, em si, o seu amor ainda mais firme & ainda mais forte que o rochedo, que a pedra no meio do caminho).

o amor de dona jurema armond tanto ama, que, de tão amoroso, nem sabe mais o que ama.

ama tudo que houver para amar. sem restrições.

a ela, a jurema armond, tanto faz: funeral ou festim, tudo é desejo o que nela percute, tudo é desejo o que nela bate com força.

o seu coração, incansável à ressonância das coisas, o seu coração, incansável à reverberação das coisas, o seu coração, incansável à repercussão das coisas, o seu coração bate no compasso das batidas: “amo, te amo, te amo”.

o seu coração só sabe bater & dizer: “amo, te amo, te amo, ó mundo, mundo feito de maldades mas também de lindezas, ó homem, que de tão belo, por toda a riqueza & complexidade de que se constitui o ser humano, me paralisa, me espanta, me sensibiliza”.

e uma língua só, a linguagem do amor, é a que dona jurema armond aprendeu & sabe falar. um só ouvido, não absoluto, um só ouvido sem a capacidade de distinguir os tantos tons do amor, um só ouvido que sabe somente escutar a voz do amor independentemente das suas gradações.

certa erva do campo tem as folhas ásperas, e, ainda que ásperas, “te amo” é o que diz dona jurema armond à aspereza das folhas.

o seu amor pelo mundo, o seu amor pelo homem, o seu amor pelo amor que as coisas têm: o amor causa fibrilações, o amor causa batimentos descompassados no peito, o amor faz estremecer: a relva estremece com o passar do vento. o amor, para ela (para a relva), é a aragem, é o vento que a faz estremecer, que a faz fibrilar.

o amor de dona jurema armond tanto ama, que, de tão amoroso, nem sabe mais o que ama.

ama tudo que houver para amar. sem restrições.

a ela, musa maior da minha vida, às suas 72 primaveras vencidas no dia 19 de outubro, todos os meus salves & todas as minhas loas!

feliz aniversário, mãe! o melhor a você, sempre!

beijo todos!
paulo sabino.

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(do livro: O pelicano. autora: Adélia Prado. editora: Record.)

 

 

PRANTO PARA COMOVER JONATHAN

 

Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.

 

 

FIBRILAÇÕES

 

Tanto faz
funeral ou festim,
tudo é desejo
o que percute em mim.
Ó coração incansável à ressonância das coisas,
amo, te amo, te amo,
assim triste, ó mundo,
ó homem tão belo que me paralisa.
Te amo, te amo.
E uma língua só,
um só ouvido, não absoluto.
Te amo.
Certa erva do campo tem as folhas ásperas
recobertas de pêlos,
te amo, digo desesperada
de que outra palavra venha em meu socorro.
A relva estremece,
o amor para ela é aragem.

SEJA ONDE FOR, PROPOR A CONTRADANÇA
8 de outubro de 2014

Adoração ao Bezerro de Ouro_Andrea di Lione (1596–1675)

(Na foto, a pintura “Adoração ao bezerro de ouro”, óleo sobre tela do século XVII, do pintor italiano Andrea di Lione.)

Tília

(Na foto, a árvore de nome tília, natural da Europa & da Ásia, logo, nativa do hemisfério norte.)

Carvalho

(Na foto, um carvalho, árvore imponente, de madeira nobre, que pode chegar aos 45 metros de altura, nativa da Europa & do Mediterrâneo.)
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a única certeza desta vida: a de que, um dia, a morte nos alcançará.

portanto, por ser a morte a única certeza desta vida, é próprio da natureza humana pensar a sua finitude:

onde será que eu, o forasteiro (forasteiro porque não pertenço a este pedaço de terra, já que um dia parto de vez daqui), irei saudar a morte? onde será que o forasteiro cansado (cansado depois de tantas & tantas & tantas andanças mundo afora, que assim seja!) irá congratular a morte?

será que o forasteiro cansado irá saudar a morte entre as tílias, lá no (hemisfério) norte? ou aqui no (hemisfério) sul, sob os coqueiros?

vão me enterrar desconhecidos em cova rasa num deserto? ou vagarei em mar aberto até bater nos arrecifes?

que seja numa ou noutra paisagem! isso, no fundo, não pode nem deve interessar! aqui ou acolá, quando a morte me alcançar, há de envolver-me por inteiro a noite escura, noite de onde nunca mais despertarei, e um véu azul de estrelas será a minha mortalha, será o véu que envolverá o meu corpo sepultado.

o que pode & deve importar é o tempo de vida, tempo em que sou paulo sabino.

e, enquanto vida eu tiver, não entro nessa dança, não incenso os ídolos de ouro & pés de barro (“ídolos de ouro & pés de barro”: expressão utilizada para designar pessoas aparentemente fortes, mas apoiadas em estrutura & formação frágeis, inconsistentes, estrutura & formação que podem ruir a qualquer momento de tão frágeis, tão inconsistentes).

enquanto vida eu tiver, não entro nessa dança, não incenso, não louvo, não idolatro, não glorifico, ídolos de ouro & pés de barro, ídolos de estrutura & formação frágeis, nem ídolos falsos, como o bezerro de ouro, retratado na tela do pintor italiano andrea di lione, episódio bíblico (velho testamento) em que os hebreus, quando da saída do egito em busca da terra prometida, exigiram a construção de um deus qualquer, deus, por conseguinte, falso, ilegítimo, enganoso, que pudesse guiá-los, que pudesse direcioná-los, que pudesse orientá-los, e o bezerro de ouro foi arquitetado para tal objetivo.

não incenso, não louvo, não idolatro, não glorifico, ídolos de ouro & pés de barro; tampouco aperto mão de masmarro, de espertalhão, de malandro, de salafrário, tampouco aperto mão de quem difama, de quem cria calúnias, de quem distribui dissenso, de quem distribui conflito, de quem distribui desavença.

não acompanho as multidões medonhas que adoram seus heróis de meia-figa, heróis ordinários, sem grande valor.

sim, eu sei: carvalhos, que são árvores imponentes, ornamentais, de madeira nobre (forte & resistente), árvores que podem chegar aos 45 metros de altura, os carvalhos têm que desabar, enquanto o junco, designação comum para ervas rasteiras encontradas em locais úmidos ou pantanosos, o junco espera, abaixando-se, curvado, passar o vento forte da intempérie, o vento forte do mau tempo.

mas do que pode um junco se orgulhar, sempre abaixando-se, sempre curvando-se, sempre sujeitando-se às vontades do vento forte, nunca enfrentando o mau tempo de pé, nunca resistindo a ele bravamente, como é comum aos carvalhos, árvores imponentes, de grande rijeza, de imensa resistência, de extraordinária solidez?

do que pode um junco se orgulhar? de tirar poeira de capacho ao sol, de tirar o pó do tapete da porta exposto ao sol? do que pode um junco se orgulhar? de curvar-se para a linha de um anzol, quando esta roça a sua superfície?

o junco nunca correrá o risco de desabar ante o vento forte da intempérie porque o junco é rasteiro, porque o junco se ergue pouco acima do solo, porque o junco nasceu para o raso, porque o junco é subserviente; diferentemente do carvalho, árvore altiva, nobre, forte, resistente, que cresce alto perante a vida, que agrega uma série de funções & possibilidades.

eu sei: carvalhos têm que desabar. porém, eu prefiro correr o risco da intempérie, o perigo de ser derrubado pelo vento forte, do que viver sempre rasteiro, sempre no raso, sempre submisso, rente ao chão.

não entro nessa dança: seja onde for, proponho & firmo a contradança.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Heine, hein? — Poeta dos contrários. autor: Heinrich Heine. tradução: André Vallias. editora: Perspectiva.)

 

 

[ONDE?]

 

Onde será que o forasteiro
Cansado irá saudar a morte?
Por entre as tílias, lá no norte?
Aqui no sul, sob os coqueiros?

Vão me enterrar desconhecidos
Em cova rasa num deserto?
Ou vagarei em mar aberto
Até bater nos arrecifes?

Que seja! Aqui ou acolá,
Há de envolver-me por inteiro
A noite escura e um véu de estrelas
Azul será minha mortalha.

 

 

NÃO ENTRO NESSA DANÇA, não incenso
Os ídolos de ouro e pés de barro;
Tampouco aperto a mão desse masmarro
Que me difama e distribui dissenso.

Não galanteio a linda rapariga
Que ostenta sem pudor suas vergonhas;
Nem acompanho as multidões medonhas
Que adoram seus heróis de meia-figa.

Eu sei: carvalhos têm que desabar,
Enquanto o junco se abaixando espera
Passar o vento forte da intempérie.

Mas do que pode um junco se orgulhar?
Tirar poeira de capacho ao sol,
Curvar-se para a linha de um anzol.