MEDITAÇÃO
5 de novembro de 2015

Jasmim solitário

Flor_do_Jasmim

(Jasmim)
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“Fiquei comovida diante da bela homenagem que presta à grande poeta e querida amiga Natália Correia. Muito grata.

O abraço da

Nélida Piñon”.

(Escritora & membro da Academia Brasileira de Letras — ABL)

 

 

meditação (sobre as coisas):

a carne é flor ou conseqüência do seu perfume?

é flor o que designamos ser flor apenas pelas formas que abrigam, pelos formatos da sua carne, ou flor é conseqüência do perfume que exala?

será que o en-canto reside na flor, na sua carne, ou tal encanto provém, antes, do perfume que a flor exala?

por exemplo, o jasmim, flor do meu absoluto delírio (meditação): eu sou um apaixonado por jasmim. não há um pé por onde passe, na cidade do rio de janeiro, e que não demarque em minha memória. sempre que há pelo chão, pego uma, duas, até três flores, e sigo respirando o seu perfume. é quase uma alucinação, uma droga. amo jasmim (as pétalas branquíssimas, e, no seu miolo, uma espécie de sol que a tudo ilumina), sobretudo o seu perfume.

seja o que for a flor, o que a resume é: intensidade — sua forma, suas cores, sua textura, sua delicadeza, sua beleza, seu perfume.

a mão é gesto que a ultrapassa. a mão, sem o gesto que a faça mover-se, não serve de nada. a mão é mão porque, sobretudo, é gesto. o gesto é que é além. porque a mão toca o horizonte que o gesto da mão contém. é o gesto da mão que nos levará a tocar, a alcançar, o horizonte que nos cabe.

o homem canta. e, enquanto canta, o homem dura. porque o seu canto é perceber que a voz prevalece à criatura. semeando seu canto de amor, de bem viver & querer, o homem perdura na força das suas palavras. sabemos que, um dia, não mais faremos parte do convívio social, um dia somos forçados a nos retirar. o que nos faz eternos, duradouros, é o legado destinado aos que ficam.

que sirva sempre à meditação este canto de página, este espaço de prosa em poema.

que prevaleça, por sobre tudo & todos, o canto dos versos.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia completa — O sol nas noites e o luar nos dias. autora: Natália Correia. editora: Dom Quixote.)

 

 

MEDITAÇÃO

 

A carne é flor ou consequência do seu perfume?
Seja o que for
é intensidade que a flor resume.

A mão é gesto que a ultrapassa. O gesto é além.
Porque a mão toca o horizonte
que o gesto da mão contém.

O homem canta.
E enquanto canta o homem dura.
Porque o seu canto é perceber
que a voz prevalece à criatura.

CANÇÃO: POESIA & PROPAGANDA
3 de fevereiro de 2015

Avião (Esquadrilha da Fumaça)_Coração no céu
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na canção que canto, alguns desejos:

que saia, da noite, a última estrela da avareza, que vá embora, da noite, o último brilho da mesquinharia, da usura, da sovinice, e a esperança, e a vontade de uma existência mais sadia, venha arder em nosso peito.

e saiam também, da terra, os rios da paciência, os rios da resignação, os rios da submissão, da renúncia, os rios parados que não nos permitem a navegação. é no mar que a aventura de viver tem as margens que merece: largas, que não se pode enxergar, margens onde não se pode agarrar, a aventura entregue às extensas & profundas águas marinhas, a aventura pondo-se ao sabor do acaso, pondo-se onde o vento decidir ventar.

e saiam todos os sóis que apodreceram no céu dos que não quiseram ver, e saiam todos os sóis que pereceram no céu dos que se recusaram a enxergar o lado feio do mundo — mas que saiam (os sóis que apodreceram no céu dos que não quiseram ver) de joelhos, que saiam conscientes da sua falta, a falta de luz.

e que, das mãos inventivas, das mãos criadoras, das nossas mãos capacitadas, saiam gestos, saiam atitudes, de pura transformação.

entre o real, que são as vivências, e o sonho, que são as projeções, seremos nós a vertigem, seremos nós o desatino, o desvario, a loucura, de pintar o real com as mais variadas cores do sonho feliz de bem-estar a todos.

seja a minha canção, seja a minha voz, a minha poesia, propaganda voraz desses meus desejos:

hei-de mandar arrastar, com muito orgulho, pelo pequeno avião de propaganda, no céu inocente da cidade do rio de janeiro, um dos meus versos, um dos meus mais sonoros & compridos versos:

e certamente será um verso de amor…

(é tudo amor, e mais coisa nenhuma de que sequer se guarde uma lembrança.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesias completas. autor: Alexandre O’Neill. editora: Assírio & Alvim.)

 

 

CANÇÃO

 

Que saia a última estrela
da avareza da noite
e a esperança venha arder
venha arder em nosso peito

E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece

E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
— mas que saiam de joelhos

E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem

 

 

POESIA E PROPAGANDA

 

Hei-de mandar arrastar com muito orgulho,
Pelo pequeno avião da propaganda
E no céu inocente de Lisboa,
Um dos meus versos, um dos meus
Mais sonoros e compridos versos:

E será um verso de amor…

POESIA INCOMPLETA
20 de agosto de 2013

Changuito_Poesia Incompleta

 

(Na foto, o dono & atendente da livraria Poesia Incompleta, Changuito.)
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POESIA INCOMPLETA:

a única livraria de que se tem notícia — no Brasil — inteiramente dedicada à poesia!

Tive a alegria de conhecê-la & de conhecer o seu proprietário, que é também o atendente da livraria, o português radicado no Brasil conhecido como Changuito.

Changuito é dessas figuras com quem não se deseja parar de conversar. Além de muita troca sobre o tema que a livraria abarca (tema que Changuito conhece como pouquíssimos), tive o prazer de sua leitura para vários poemas. Todas as dicas foram ilustradas com, pelo menos, uma poesia do autor indicado. Ele me mostrou coisas lindas, surpreendentes!

Não bastando, ainda houve o contento de um bate-papo sobre mercado editorial, as diferenças & proximidades entre brasileiros & portugueses, os novos “talentos” (muitas aspas!) da arte poética (alguns dos que ganham, hoje, alguma projeção da mídia “especializada” — muitas aspas!), e sobre música popular brasileira (outra grande paixão minha & do Changuito), ouvindo canções cabo-verdianas, Pixinguinha & Clementina de Jesus(!).

Um dos grandes baratos da livraria é que há diversas publicações de editoras portuguesas. Changuito fez questão de trazer, na íntegra, o que a sua livraria em Lisboa possuía dos títulos editados por lá.

Por isso consegui encontrar umas coisas que procurava há anos & não achava: as obras completas dos grandes poetas portugueses Natália Correia (no Brasil não há uma antologia poética com as obras dessa poeta!) & Cesário Verde, além de preciosidades que, já disse ao Changuito, voltarei para buscar.

Acho que passei umas 3 horas entre livros, música & conversa de altíssima qualidade.

Changuito é uma figura tão simpática, além de inteligente & culto, que aos amantes de poesia vale muitíssimo conhecer a livraria Poesia Incompleta.

A quem desejar ou interessar, o espaço fica na rua da Lapa, 120, 11º andar, sala 1110, Lapa, Rio de Janeiro.

Aqui, aos senhores, o endereço do blog Poesia Incompleta, com fotos de alguns dos títulos da livraria: http://poesia-incompleta.blogspot.com.

Fica a (super) dica!

Abaixo, uma lindíssima poesia de Natália Correia a respeito da “mão oculta”, a mão que arrebata, que fascina, que rouba, que toma, o canto do poeta, a mão que, por debaixo das mangas, escreve com a mão do poeta: a respeito do misterioso ato que é o ato de escrever.

Exatamente de que região, de que área, de que gruta, de que recanto, brotam as palavras que brotam por sobre o papel? E quando brotam, as palavras brotam em razão do quê?…

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do livro: Poesia completa — O sol nas noites e o luar nos dias. autora: Natália Correia. editora: Dom Quixote.)

 

 

O MISTÉRIO

 

Misterioso ciclo da poesia
que como a roda das estações
sobre o meu peito gira.
Que mão oculta move o ponteiro agora
e arrebata o meu canto na suspensão da hora?

Onde se constroem estas tempestades estes oceanos
a água que rasga a terra que fica
mais verde e mais rica?
Gera-os a esperança ou os desenganos?

Serás o desenlace dum fantasma
sempre perto sempre frio sempre a esmo
forma que dei ao medo comigo concebido
e que é o meu vulto reclinado
no que nele mesmo não foi percorrido?

Ou serei eu de olhos abertos
noutras manhãs noutros países
cantando aqui de olhos fechados
a memória de tempos mais felizes?

Serás tu a abominação
o remorso do que não completei
e que completo na canção
do que não vi do que não sei?

Serás a dor que se desloca
no pedido que a boca formula
à voz que na alma canta
e que nunca nunca chega à garganta?

Ou serás apenas mediunidade
o acaso na concha retendo o mar?
A improvisação doutra vontade
que em mim quer continuar?

A MINHA TERRA, A MINHA MÃO
22 de novembro de 2012

(Ofereço-vos, senhores, minha terra, chão primeiro que pisei & berço do que me tornei & tornarei, e minha mão, queimada pelo ardor das palavras & vestida com as roupas & as armas de Jorge.)

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terra, lugar de onde venho, terra, lugar cuja topografia também me forma & molda, terra: por mais distante, este errante navegante: quem jamais te esqueceria.
 
terra: de ti é que vêm essas portas de mim: as entradas & saídas por onde o paulo sabino é acessado, os caminhos por onde caminha o paulo sabino.
 
a terra onde nasci, chão primeiro que pisei, berço do que me tornei & tornarei, revela um bocado do que revelo em mim. a língua, os hábitos, o clima, a geografia: a terra onde nasci — chão primeiro que pisei, berço do que me tornei & tornarei — cabe toda em mim com as suas características.
 
terra: sendo de sol, sendo de luz & calor, a planície (da minha terra), os cômodos da casa onde me criei, o dorso que também foi meu, fecho-me, introspectivo, conectado apenas à terra de onde venho, porque em tudo te vejo, terra, como se fosses de água & derramasses teu corpo escurecido (teu corpo não claro, teu corpo nada fulgente, terra, aqui & agora, feita de ar & memória) na paisagem ao meu redor.
 
quis, para o canto que cantas através da minha garganta, terra, a mais viva palavra, a mais pulsante, a mais vibrante, a mais brilhante palavra: um só templo: o mais nítido templo-palavra sobre a colina, o mais limpo templo-palavra (a mais viva palavra, palavra que também seja templo, que também seja lugar erguido em homenagem a uma ou mais divindades) na luminosidade da hora.
 
meu rosto será aquele de todos os teus mortos, terra, isto é: rosto nenhum. meu rosto será aquele de todos os teus mortos quando me tiveres inteiro dentro de ti, terra: mais um rosto passado, anônimo, desconhecido: rosto nenhum.
 
e, no entanto, mesmo o meu rosto, no futuro, sendo aquele de todos os teus mortos (mais um rosto passado, anônimo, desconhecido: rosto nenhum), te amo como se eu mesmo fosse unicamente terra, te amo como se eu mesmo fosse tecido unicamente da tua matéria, terra, te amo como se eu mesmo fosse, ao mesmo tempo, teu pai (como se, de mim, saísses), teu filho (como se, de ti, saísse) & teu irmão na memória (porque em tudo te vejo, terra, como se fosses de água & derramasses teu corpo escurecido, teu corpo não claro, teu corpo nada fulgente, teu corpo, aqui & agora, feito de ar & memória), teu pai filho & irmão multíparos & claros, nascidos (o pai, o filho & o irmão que sou da minha terra) de uma só matriz, nascidos todos de uma única fonte, sofridos de uma só matéria: da matéria terra, terra de onde venho, terra onde nasci, terra que cabe em mim com as suas características.
 
terra: por mais distante este errante navegante: quem jamais te esqueceria.
 
e, sem heroísmo nem queixa, além de oferecer a minha terra, ofereço aos senhores esta minha mão que, neste instante, vos escreve.
 
sem heroísmo nem queixa, sem achar bom nem ruim, ofereço-vos minha mão aberta. agora a minha mão, senhores, vos pertence, queimada de uma luz tão viva, tão vibrante, tão pulsante, como se viva ardesse sob o sol.
 
olhai, senhores, se possível, a mão que se queimou de coisas limpas, olhai, se possível, a mão que se queimou de coisas isentas de qualquer sujidade, impureza ou mácula, mão chamuscada pelo calor & pela luz que saem das palavras desenhadas por ela.
 
e se souberdes, senhores, o que em vós é justiça, e se souberdes, senhores, o que em vós é mérito, é merecimento (afinal, ofereço-vos a mão que se queimou de coisas limpas, mão isenta de qualquer sujidade, impureza ou mácula), podereis refazê-la como a vossa mão. e, depois de igualada a minha mão à vossa, tornando-se, desse modo, a mão dos senhores, aproveitá-la (aproveitar minha mão aberta, mão que se queimou de coisas limpas, mão chamuscada pelo calor & pela luz que saem das palavras por ela desenhadas), a cada hora do vosso dia & para o vosso pão, para o vosso alimento.
 
(que assim seja.)
 
beijo todos!
paulo sabino.     
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(do livro: Exercícios. autora: Hilda Hilst. organização: Alcir Pécora. editora: Globo.)
 
 
 
4
 
 
Terra, de ti é que vêm essas portas de mim. E sendo 
                                                                                                [de sol
A planície de pedra, de sol o vestíbulo da casa, de sol
O dorso que  também foi meu, impaciente das aves,
                                                                                           [fecho-me 
Porque em tudo te vejo como se fosses de água, e
                                                                                     [derramasses
Teu corpo escurecido, na paisagem. Quis para teu canto
A mais viva palavra: um só templo:
Nítido sobre a colina, limpo na luminosidade da hora.
 
Meu rosto será aquele de todos os teus mortos. E no
                                                                                                [entanto
Te amei como se eu mesma fosse unicamente terra,
                                                                                          [mãe, filha
Irmã na memória, multíparas e claras, nascidas de
                                                                                    [de uma só matriz
Sofridas de uma só matéria.
 
 
 
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Sem heroísmo nem queixa, ofereço-vos
Minha mão aberta. Agora vos pertence.
Queimada de uma luz tão viva
Como se ardesse viva sob o sol. Olhai se possível
A mão que se queimou de coisas limpas.
E se souberdes o que em vós é justiça
Podereis refazê-la como a vossa mão. E depois igualada
Aproveitá-la. A cada hora, a cada hora
E para o vosso pão.