JOÃO CABRAL DE MELO NETO: RAZÃO & EMOÇÃO UNAS, INDISSOCIÁVEIS
16 de agosto de 2016

João Cabral de Melo Neto

(O poeta)

Pedra do Frade

(A pedra)

Estrada Real_Diamantina (MG)

(O sertão)
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João Cabral de Melo Neto é um poeta que, em geral, todo poeta gostaria de ser (pelo menos um pouquinho). (Falo por muitos, eu sei.)

Sua poética é enxuta, econômica, e seu português, elegante, com mira certeira ao construir suas imagens pela economia de palavras. Diz-se que, por isso, João Cabral é um poeta também enxuto, econômico, nas emoções; que João Cabral é um poeta apenas “cerebral”.

Eu, na minha humilde percepção, porém convicto, sempre discordei disso. Porque, de fato, João Cabral é um poeta cerebral; “cerebral” no sentido de ter cada palavra milimetricamente pensada & posta no poema. Entretanto, atrelado ao seu trabalho cerebral, o de pensar — pelo recurso da economia — cada palavra milimetricamente posta no poema, vai no verso o que o emociona profundamente no mundo — vide o seu acervo temário.

João Cabral é um homem/poeta de profundezas, que olhou o seu povo de morte & vida severina, lamentou pelo rio de sua terra & infância, o seu Capiberibe, apaixonou-se por Sevilha & suas bailadoras, e admirou a poesia de Joaquim Cardozo, Augusto de Campos, Sophia de Mello Breyner Andresen, W. H. Auden, Marianne Moore, Elizabeth Bishop, Marly de Oliveira, Alexandre O’Neill, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, entre outros.

Portanto, ao meu ver, o que é cerebral, na obra cabralina, é a formulação técnica da poesia; e o que é posto em verso com “precisão cirúrgica” (com a técnica) é banhado por seu olhar emocionado diante das coisas.

É assim que vejo, sinto, percebo, a obra do João Cabral. É este o João Cabral que me alucina, que me emociona.

Principalmente a segunda parte do poema abaixo, que é das coisas mais lindas do mundo, me serve de exemplo para ilustrar o escrito acima.

Um dos modos de educar-se pela pedra: (nascendo, vivendo) no Sertão: o Sertão & sua paisagem dura, seca, árida, agreste, econômica, muda, paisagem sertaneja que, por dura, seca, árida, agreste, econômica, muda, molda os sertanejos à pedra. No Sertão, a educação pela pedra é de dentro pra fora, isto é, do SERtanejo para o seu hábitat, a educação pela pedra é pré-didática, isto é, a educação pela pedra não é ensinada pela pedra: lá no sertão, a pedra, uma pedra de nascença, entranha na alma.

Como não se emocionar com essa percepção do poeta acerca do Sertão & suas gentes? Como negar o olhar emocionado, aliado ao rigor estilístico, de quem enxerga desta maneira?

João Cabral de Melo Neto é muito cerebral & também emoção sublimada.

E tenho dito.

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do livro: A educação pela pedra e depois. autor: João Cabral de Melo Neto. editora: Nova Fronteira.)

 

 

A EDUCAÇÃO PELA PEDRA

 

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

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Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

EPIGRAMA: O PRESENTE
4 de dezembro de 2012

Paulo Sabino_Lençóis maranhenses

(Paulo Sabino & seu epigrama: avançar, sempre, com o presente que se desembrulha nas mãos.)
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epigrama: consta no dicionário houaiss: “entre os antigos gregos, qualquer inscrição, em prosa ou verso, colocada em monumento, estátuas, moedas etc., dedicada à lembrança de um evento memorável, uma vida exemplar etc.”
 
epigrama:
 
bom é ser árvore, vento, e sua grandeza inconsciente: não pensar, não temer; apenas: “ser”.
 
e, assim sendo (árvore, vento, e sua grandeza inconsciente), temer coisa alguma, ser “altamente”. “altamente” porque o único compromisso de vida num caso como esse — o de viver sendo como árvore & vento, dentro das suas grandezas inconscientes — é viver sem se preocupar em como, até quando, ou por quê.
 
bom é ser árvore, vento: ser, apenas: altamente.
 
permanecer uno, íntegro, inteiriço, permanecer sem se pensar em partes, fragmentos, pedaços, olho boca cérebro rim coração, permanecer sem se pensar como tipo, modelo, categoria, permanecer uno, sempre só, alheio à própria sorte, sem qualquer tipo de preocupação com o mais adiante, sem qualquer tipo de preocupação com o segundo seguinte (bom é ser árvore, vento: ser, apenas: altamente), sem qualquer tipo de preocupação com o minuto que atravessa estas linhas quando escrevo.
 
(meu tempo é quando.)
 
permanecer uno & sempre só & alheio à própria sorte, com o mesmo rosto tranqüilo, sereno, diante da vida ou da morte.
 
o rosto tranqüilo, sereno, diante da vida (assustadora por suas artimanhas & reviravoltas) ou diante da morte (assustadora por representar o fim & o desconhecido, viagem de onde não mais se retorna): a grandeza inconsciente de não pensar & de, não pensando, não temer: ser, apenas: altamente.
 
apenas “ser”: viver no mais cristalino, no mais puro presente: permanecer uno, alheio à própria sorte, sem qualquer tipo de preocupação com o mais adiante, sem qualquer tipo de preocupação com o segundo seguinte, sem qualquer tipo de preocupação com o minuto que atravessa estas linhas quando escrevo.
 
apenas “ser”: viver no mais cristalino, no mais puro presente:
 
o presente:
 
para mim, este rumor alado de primavera: pássaros a riscar o céu azul da estação que representa o eterno renascer, a presente renovação das coisas & do mundo.
 
dia claro, céu limpo de nuvens: o vinho da claridade, vinho doce, nada rascante, servido em copos de mais azul.
 
vida: dia claro céu azul: tua lúcida presença.
 
vida: viva acesa intransponível: este rumor alado de primavera.
 
enquanto a terra, que não sabe este instante (em sua grandeza inconsciente, assim como a árvore, o vento), enquanto a terra, distante (terra: por mais distante, este errante navegante: quem jamais te esqueceria), enquanto a terra, com toda a sua umidade, com todo o seu frescor primaveril, terra onde se renasce, onde se revive, segura & sem pressa (apoiada — a terra — na firmeza própria da sua matéria), a terra espera, a terra aguarda, espera por nosso encontro, encontro nosso que ocorrerá a qualquer instante, num instante qualquer.
 
(terra: o meu rosto, no futuro, sendo aquele de todos os teus mortos, mais um rosto passado, anônimo, desconhecido: rosto nenhum.)
 
o meu epigrama: desembrulhar eternamente o presente que me chega nas mãos, enquanto a terra, distante, com toda a sua umidade, segura & sem pressa, espera (por mim).
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Antologia poética. autora: Marly de Oliveira. organização: João Cabral de Melo Neto. editora: Nova Fronteira.)
 
 
 
EPIGRAMA
 
 
Bom é ser árvore, vento,
sua grandeza inconsciente;
e não pensar, não temer,
ser, apenas: altamente.
 
Permanecer uno e sempre
só e alheio à própria sorte,
com o mesmo rosto tranqüilo
diante da vida ou da morte.
 
 
 
PRESENTE
 
 
Para mim, este rumor
alado de primavera.
 
O vinho da claridade
em copos de mais azul.
 
Tua lúcida presença.
Enquanto, distante, a terra,
 
 com toda a sua umidade,
segura e sem pressa, espera.

CANTO ÓRFICO
9 de agosto de 2011

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o canto é minha explicação.
 
a poesia é o que dá sentido ao meu rumo.
 
o poema é o meu grande guru.
 
(quem faz um poema salva um afogado.)
 
mesmo quando digo o que não sei, o canto é minha explicação: afinal, somos repletos de saberes & de desconhecimentos.
 
em verdade, nas vivências, mais não sabemos que sabemos.
 
o mundo, o entorno, é um absoluto silêncio, e esse silêncio soa-nos como uma absoluta incógnita.
 
sou o sentido do que se transforma, sou a rota do que se modifica, sou o norte do que se reconfigura, sou o sentido, sou a orientação, do que resiste à petrificação, do que não se cristaliza (o sempre ser para todo o sempre), e não conheço o declínio.
 
não conheço o declínio porque, na minha vida, o tombo é, no fundo, um passo a mais na trajetória de constante aprendiz: afinal, com os tombos aprende-se muito; as quedas principiam novas veredas, apontam setas inéditas, caminhos não imaginados não fossem os tombos.
 
vocês, que ouvem o que lhes digo:
 
saibam que tudo repara o tempo, em tudo o tempo dá jeito, tudo o tempo reinventa.
 
somos agentes, seres históricos, construímos, fazemos a História.
 
a existência é árdua. crises econômicas, pobreza, matança, extermínio, extinção, destruição. pessoas jurídicas, corporações nocivas ao convívio social, que destroem o que lhes atravesse o caminho, agindo, aqui & ali, lá & cá, diagnosticadas, inclusive, como “sociopatas”.
 
a existência é árdua. mas podemos repará-la.
 
(somos agentes, seres históricos, construímos, fazemos a história.)
 
tudo o tempo repara, menos a morte, mensageira do escuro, do oculto, do que finda, poderosa, que põe nos corações, desde o princípio, o seu germe vingador.
 
diz o dito popular: “para morrer, basta estar vivo”.
 
a morte coloca o seu germe vingador em nós desde o princípio: seja homem, mulher, jovem, velho, preto, branco, triste, feliz, saudável, doente, sensível, endurecido, hetero, gay, solteiro, casado, honesto, ladrão, crente, ateu, seja quem for, seja o que for, a morte, mensageira do escuro, implacável, poderosa, acerta-nos seu golpe, impiedoso, a qualquer hora do dia ou da noite, em momentos os mais variados possíveis.
 
nenhum sustento, nenhum amparo, nenhum apoio, nenhum suporte, nenhum sustentáculo, é eterno, ainda que tal sustento, que tal amparo, que tal apoio, que tal suporte, que tal sustentáculo, seja extraído da seiva que arde nas veias grossas do mundo.
 
nada é eterno. somos mortais. nada nos é dado sem o cobro, sem a cobrança, dos deuses — um dia, a seiva que arde nas veias grossas do mundo nos é negada, e chega ao fim a nossa jornada neste chão que pisamos…
 
por isso, ouçam:
 
aos senhores, estimo a insubmissão do amor, aos senhores, estimo a capacidade revolucionária do amor, de transformar realidades, de romper barreiras, de apagar fronteiras,  aos senhores, estimo o desígnio divino do amor, de querer o bem-estar de tudo o que pulsa & compõe a sua paisagem.  
 
aos senhores, também estimo a dor, pois a dor representa um modo de aprendizado. a dor é uma das dimensões existenciais; não existe vida sem insatisfações, sem inquietações, e sem cólera.
 
que a insatisfação & a dor & a cólera os salvem deste destino de todos, menor & implacável, que é: a morte.
 
(se sofremos, se a dor existe, é porque amamos. a dor está incluída no pacote. portanto, dêem-se por satisfeitos em abrigar a dor de amar.)
 
já que, um dia, nos será negada a seiva que arde nas veias grossas do mundo:
 
aproveitemos enquanto há tempo.
 
aos senhores, o amor & a sua dor!
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Antologia poética. autora: Marly de Oliveira. organização: João Cabral de Melo Neto. editora: Nova Fronteira.)
 
 
 
1.
 
O canto é minha explicação,
mesmo que diga o que não sei.
Sou o sentido do que se transforma,
do que resiste à petrificação
 
e não conheço o declínio. Ó vós que ouvis
o que vos diz Orpheu, sabei que tudo
repara o tempo, salvo a morte,
mensageira do escuro, poderosa,
que põe nos corações desde o princípio
seu germe vingador. Nenhuma Fúria
se lhe compara, nenhum sustento é eterno,
mesmo se subtraído à seiva que arde
nas veias grossas do mundo. Sois mortais
e vosso sacrifício há de ser grande,
que nada nos é dado sem o cobro
dos deuses.
 
       Ouvi, no entanto, vós, que a ilusão
buscais  sempre na vã agitação:
eu vos ensino a insubmissão do amor,
a inquietude que leva até o inferno
 
em vida, o êxtase, o delírio. Eu vos ensino
a dor e vos ensino a cólera,
que ela vos salve de vosso destino
menor e implacável. E vos ensino a glória.    

ÀS MULHERES
8 de março de 2010

Mulheres_PB
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o dia de hoje, 8 de março, é reservado internacionalmente a uma homenagem às mulheres. por essa razão, segue este poema-canção, lindíssimo, que se encaixa perfeitamente ao laurel proposto: versos que falam de mulheres, mais especificamente das mulheres do meu brasil varonil, porém possíveis de serem estendidos a todas as demais mulheres, debuxados por uma grande cantora & compositora & interpretados por outra grande companheira de profissão. eu, desde sempre, desde a minha mãe, desde as minhas tias, sou louco por mulheres, um grande fã. as que conheço & estão ao meu lado são habituadas a delicadezas. inteligentes, protetoras, perspicazes.

gosto muito de gente. gosto de escutar gente, de saber o que pensa, como anda. não seria diferente com as mulheres.

a elas, a capacidade não só de gerar, mas também de armazenar vida latente, vida pulsante. acho comovente mulher barriguda que vai ter menino.

à jurema, nely, joyce, maria, clarice, lya, lygia, marly, nélida, adélia, rachel, orides, cora, cecília, sophia, natália, florbela, cacilda, fernanda, marília, bibi, dolores, clara, gal, nana, rita, elis, elisa, alice, hilda, claudia, patrícia, zélia, e assim sucessivamente, em espiral vertiginosa: muitíssimo obrigado. por tanto, por tudo, agradeço a vocês, mulheres da minha trilha, irmãs porque a mãe natureza fez todas tão belas.

parir, gerar, criar: existir: eis a prova de destino tão valoroso.

a mulher brasileira, no alto a sua bandeira, saúda o povo & pede passagem!

que vocês, mulheres, de um modo bonito, de um modo delicado, conquistem o mundo!

um brinde a elas!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do encarte do cd: Maria. artista: Maria Bethânia. autora dos versos: Joyce. gravadora: BMG Ariola.)

 

 

MULHERES DO BRASIL

 

No tempo em que a maçã foi inventada
Antes da pólvora, da roda e do jornal
A mulher passou a ser culpada
Pelos deslizes do pecado original
Guardiã de todas as virtudes
Santas e megeras, pecadoras e donzelas
Filhas de Maria ou deusas lá de Hollywood
São irmãs porque a Mãe Natureza fez todas tão belas
Tão belas
Ó Mãe, ó Mãe, ó Mãe
Nossa Mãe, abre teu colo generoso
Parir, gerar, criar e provar nosso destino valoroso
São donas de casa, professoras, bailarinas
Moças, operárias, prostitutas, meninas
Lá do breu das brumas vem chegando a bandeira
Saúda o povo e pede passagem a mulher brasileira
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Maria. artista & intérprete: Maria Bethânia. canção: Mulheres do Brasil. autora da canção: Joyce. gravadora: BMG Ariola.)