NO “FLA X FLU”, POESIA: A CASA QUE NÃO É MINHA
22 de outubro de 2014

Chave & Fechadura

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a vida, impreterivelmente, é feita de escolhas.

a fim de alcançar determinado objetivo, muitas vezes, algumas outras possibilidades, possibilidades de outros tantos caminhos, têm de ser deixadas para trás.

escolher é viver. o tempo inteiro, na vida, somos expostos a escolhas, aceitemos ou não. porém, as escolhas, em muitos casos, são inteiramente dispensáveis.

nos casos em que as escolhas são inteiramente dispensáveis & que, mesmo assim, escolhemos, podemos criar, ainda que sem intenção, verdadeiras disputas futebolísticas entre as coisas, onde nos obrigamos a escolher uma delas como quando escolhemos um time de futebol — flamengo OU fluminense — para vibrar & torcer & se emocionar.

determinadas questões não carecem de escolhas.

para determinadas questões, escolhas erguem muros espessos no caminho.

ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo não carecem de escolhas. ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo nasceram para serem complementares & não excludentes.

costumo dizer isto aqui sempre: a existência é um grande barato pela variedade de belezas que apresenta: variedade de bichos, de plantas, de mares, de rios, de rochas, de cores, de sons, de cheiros, de pessoas.

não seria diferente com as artes: com a arte da palavra, com a arte da música, com a arte do esporte.

portanto, por que escolher:

drummond ou joão cabral? chico ou caetano? anderson silva ou minotauro?

pepê ou rico de souza (dois grandes surfistas brasileiros)? mário de andrade ou oswald de andrade?

pepeu gomes ou armandinho (dois exímios guitarristas)? selton mello ou wagner moura? cartola ou nelson cavaquinho?

nelson piquet ou ayrton senna? clarice lispector ou cecília meireles? paula ou hortênsia (duas feras do basquete)?

mônica ou cebolinha? titãs ou os paralamas do sucesso? joão gilberto ou tom jobim? chacrinha ou sílvio santos? maysa ou elis regina?

antonio cicero ou waly salomão? renato russo ou cazuza? mundo livre s.a. ou nação zumbi?

determinadas questões não carecem de escolhas.

para determinadas questões, escolhas erguem muros espessos no caminho.

ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo não carecem de escolhas. ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo nasceram para serem complementares & não excludentes.

assim como, na vida, algumas coisas se tratam de escolhas, outras coisas, não; há aquelas para as quais não há o poder de escolha, não há opção: trata-se de sina ou maldição, não se pode afirmar ao certo o que seja.

não fui eu quem escolhi a poesia, não fui eu quem optei por ela. foi a poesia quem me escolheu, foi a poesia quem optou por mim. porque não está nas minhas mãos o poder de decidir quando adentrar a casa da poesia. é a poesia quem escolhe a hora da visita do poeta. não é o poeta o responsável pela decisão.

desse modo, a casa da poesia, essa casa não é minha: a casa da poesia pertence somente à poesia.

minha chave, a chave da minha casa, não serve à casa da poesia, não cabe em sua casa. desconheço a fechadura, desconheço o dispositivo de destrancar a sua porta, e, conseqüentemente, desconheço a metragem, o tamanho, da sua sala (até porque a sala de estar muda de metragem, altera de tamanho, a cada visita realizada).

tudo me é estranho, tudo me é diferente, tudo me é irreconhecível, na casa da poesia.

a cada visita, uma nova casa, uma grande surpresa: nunca se sabe o que encontrar na casa: metragem desconhecida, o teto que nada me diz, o ar estranho da cozinha, o quarto que não é meu, a cama em que nunca dormi, um ambiente que causa certo desconforto — não é certamente confortável estar entre as paredes da casa poética, sem saber se tal construção lírica é segura ou se pode desabar a qualquer momento.

essa casa não é minha.

ser poeta não é opção: é sina ou é maldição.

às coisas que não se tratam de sina, de maldição, nem de escolhas (como quando escolhemos um time de futebol — flamengo OU fluminense — para vibrar & torcer & se emocionar), abrigá-las todas dentro da morada do ser: a existência é um grande barato pela variedade de belezas que apresenta: variedade de bichos, de plantas, de mares, de rios, de rochas, de cores, de sons, de cheiros, de pessoas.

aproveitemos todas!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: A sombra do faquir. autor: Mauro Sta. Cecília. editora: 7Letras.)

 

 

FLA X FLU

 

Drummond ou João Cabral
Caetano ou Chico
Anderson Silva ou Minotauro
Pepê ou Rico

Mário ou Oswald
Pepeu ou Armandinho
Selton ou Wagner
Cartola ou Nelson Cavaquinho

Piquet ou Senna
Clarice ou Cecília
Paula ou Hortênsia
Mônica ou Cebolinha

Titãs ou Paralamas
João Gilberto ou Tom Jobim
Chacrinha ou Sílvio Santos
Maysa ou Elis

FHC ou Lula
Antonio Cicero ou Waly
Renato Russo ou Cazuza
Mundo Livre ou Nação Zumbi.

Escolhas erguem muros espessos no caminho.

 

 

ESSA CASA NÃO É MINHA

 

Minha chave aqui não cabe
desconheço a fechadura
e a metragem desta sala.
O teto não me diz nada
o ar da cozinha é estranho.
Claro que não é o meu quarto
onde me deparo agora.
Nunca dormi nesta cama,
nem me sinto bem aqui
depois de todos esses anos.

Ser poeta não é opção
é sina ou é maldição.

A PALAVRA
12 de setembro de 2012

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navegador de bruma & de incerteza, humilde, me convoco & visto audácia & te procuro em mares de silêncio, onde, precisa & límpida, resides.

 
onde, precisa & límpida, resides: tu: palavra.
 
navegador de bruma & incerteza (afinal, navegar-te, palavra, navegar à procura tua, no intuito de erguer-te um poema, é tarefa árdua, de incertezas, pois a busca pode dar em nada; nadar nadar nadar & morrer na praia), humilde, convoco a mim, convoco a atenção de todas as minhas faculdades, visto-me, na busca, de audácia (há de se ter coragem para adentrar o reino das palavras)  & te procuro, palavra, em mares de silêncio, onde, precisa & límpida, tu, palavra, resides.
 
frágil que sou (navegar à procura da palavra que se sirva precisa & límpida num verso é trabalho árduo), sempre me perco na rota, pois, em minhas mãos, retenho rumos desconcertados & vagos instrumentos de procura que pouco me auxiliam.
 
por ver que és claridade & superfície (a palavra, sabe-se, dá-se inteira, clara, na superfície da página, letra a letra, para quem quiser ver, como acontece aqui, neste exato momento), desprendo-me do que não seja claro & do que não esteja à tona, e te aguardo, palavra, com loucos estandartes, coloridos por festas  & batalhas vivenciadas na jornada.
 
aí, reúno a argúcia dos meus dedos (prontos a escrever-te, palavra) & a precisão astuta de meus olhos (prontos a enxergar-te, palavra) & fabrico estas rosas de alumínio.
 
fabrico estas rosas de alumínio: rosas de alumínio, percebam, feitas de palavras.
 
rosas de alumínio: além de rosas-palavras (rosas feitas de letras), estas rosas, por serem de metal (alumínio), negam-se flores (sabe-se que o metal não é matéria-prima para flores), mas, por não serem rosas, são mais belas por conta do artifício que as inventa.
 
o artifício que as inventa (que inventa as rosas de alumínio): a palavra.
 
as rosas de alumínio que aqui pousam são de: palavras. são as palavras aqui pousadas que fazem existir as: rosas de alumínio.
 
às vezes, palavra, tu permaneces insolúvel, tu permaneces sem solução, permaneces sem que ninguém te possa dissolver em papel, sem que ninguém te possa resolver. às vezes, palavra, permaneces perdida em labirintos de pensamentos, permaneces insolúvel, perdida para além da chuva que reveste o tempo & que alimenta o musgo das paredes, onde tu, palavra, por criá-los aqui neste espaço (o musgo das paredes), assim como bem criaste, aqui neste espaço, as rosas de alumínio, te inscreves. 
 
procuro-te, palavra, perdida além da chuva que reveste o tempo & que alimenta o musgo das paredes… mas percebo que é inútil procurar-te neste instante, pois tu, palavra, és muito mais arredia que um peixe. em cardumes, sem que eu consiga capturar-te a tempo, escapas pelos dedos, deixando apenas a promessa leve de que a manhã (um novo dia, um novo amanhecer) não tarda & que, na vida, vale mais o sabor da reconquista (o sabor da reconquista: cedo ou tarde conquista-se a palavra desejada).
 
(palavra arredia, um dia, prometo, ainda te pego de jeito…)
 
assim, então, vejo-te, palavra, como sempre foste: para além de peixe & mais que saltimbanco (artista popular itinerante, que se exibe em circos, feiras & praças públicas): palavra: forma imprecisa, que ninguém distingue.
 
palavra: de significações múltiplas: nem peixe nem saltimbanco: vários sentidos dentro de uma frase ou verso: o teu sonho inusitado, palavra, de teres diversas facetas.
 
palavra: forma imprecisa que ninguém distingue mas que resiste a tudo & se apresenta tanto mais pura quanto mais esquiva.
 
palavra: quanto mais esquiva (arredia, arisca) tanto mais pura: há de pensar & repensar & pensar & repensar o uso de uma palavra a fim de alcançar o efeito que se deseja com ela, seja em frase de conto ou romance ou crônica, seja em verso de poema.
 
quanto mais pensada, mais árdua a procura: por isso esquiva (arredia, arisca): porém, a palavra, quando, após a árdua procura, (finalmente) é encontrada, a palavra dá-se mais pura, a palavra dá-se mais nítida no que almeja de efeitos no texto.
 
como admirador teu, palavra, de longe, olho teu sonho inusitado & dividido em faces (palavra: de significações múltiplas: nem peixe nem saltimbanco: palavra: forma imprecisa, que ninguém distingue), e, olhando, como admirador, teu sonho inusitado & dividido em faces, mais te cerco, mais chego perto de ti, palavra, e se te não domino, então contemplo teus pés de visgo, então contemplo teus pés pegajosos, que prendem, pés que caminham & deixam rastos, vestígios de significações, então contemplo tua vogal de espuma, contemplo teu fonema cujo som se dissipa, leve & tênue, no ar em movimento, e sei, palavra, que és mais que astúcia & movimento (dada sua natureza de significações múltiplas & possibilidades diversas no emprego em frase ou verso): aérea estátua de silêncio & bruma.
 
a palavra: aérea estátua de silêncio & bruma: ao dizer-te, ao escrever-te, edifico a palavra: rosa amarela. aqui, a flor edificada: estátua. contudo, estátua aérea: seu arcabouço não é gesso, granito, mármore, barro: o arcabouço da palavra é o ar, é a imaginação. a rosa amarela aqui posta ergue a sua estátua na nossa imaginação.
 
a palavra: aérea estátua de silêncio: afinal, a palavra não fala. somos nós quem a pronunciamos. a palavra no papel: inerte, quieta, pousada na folha. calada.
 
a palavra: aérea estátua de silêncio & bruma (nevoeiro): afinal, a palavra, apesar de ser claridade & superfície em folha de papel, a palavra oculta sentidos, metáforas, segundas & terceiras intenções, delírios, alucinações.
 
a palavra: a (grande) chave do mundo.
 
beijo todos!
paulo sabino. 
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(do livro: Melhores poemas. autor: Carlos Pena Filho. seleção: Edilberto Coutinho. editora: Global.) 
 
 
 
A PALAVRA
 
 
Navegador de bruma e de incerteza,
humilde, me convoco e visto audácia
e te procuro em mares de silêncio
onde, precisa e límpida, resides.
Frágil, sempre me perco, pois retenho
em minhas mãos, desconcertados rumos
e vagos instrumentos de procura
que, de longínquos, pouco me auxiliam.
 
Por ver que és claridade e superfície,
desprendo-me do ouro do meu sangue
e da ferrugem simples dos meus ossos,
e te aguardo com loucos estandartes
coloridos por festas e batalhas.
Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
e a precisão astuta de meus olhos
e fabrico estas rosas de alumínio
que por serem de metal, negam-se flores
mas por não serem rosas, são mais belas
por conta do artifício que as inventa.
 
Às vezes, permaneces insolúvel
além da chuva que reveste o tempo
e que alimenta o musgo das paredes,
onde, serena e lúcida, te inscreves.
Inútil procurar-te nesse instante,
pois muito mais que um peixe és arredia
em cardumes escapas pelos dedos
deixando apenas a promessa leve
de que a manhã não tarda e que na vida
vale mais o sabor de reconquista.
Então, te vejo como sempre foste,
além de peixe e mais que saltimbanco,
forma imprecisa que ninguém distingue
mas que a tudo resiste e se apresenta
tanto mais pura quanto mais esquiva.
 
De longe, olho teu sonho inusitado
e dividido em faces, mais te cerco
e se te não domino então contemplo
teus pés de visgo, tua  vogal de espuma,
e sei que és mais que astúcia e movimento
aérea estátua de silêncio e bruma.  
 
 
 
A MESMA ROSA AMARELA**
 
 
Você tem quase tudo dela,
o mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela,
só não tem o meu amor.
 
Mas nestes dias de carnaval
para mim, você vai ser ela.
O mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela.
Mas não sei o que será
quando chegar a lembrança dela
e de você apenas restar
a mesma rosa amarela,
a mesma rosa amarela.
 
 
** Nota extraída do livro Melhores poemas, autoria de Carlos Pena Filho & seleção de Edilberto Coutinho: “foi como letrista de ‘A mesma rosa amarela’ — música de Capiba — que Carlos Pena Filho se tornou nacionalmente conhecido, graças ao sucesso das interpretações de, entre outros, Maysa, Nelson Gonçalves, Tito Madi e Vanja Orico.”

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(do site: Youtube. canção: A mesma rosa amarela. áudio extraído do álbum: Canção do amor mais triste. artista & intérprete: Maysa. música: Capiba. versos: Carlos Pena Filho.)