__________________________________________________________________
a vida, impreterivelmente, é feita de escolhas.
a fim de alcançar determinado objetivo, muitas vezes, algumas outras possibilidades, possibilidades de outros tantos caminhos, têm de ser deixadas para trás.
escolher é viver. o tempo inteiro, na vida, somos expostos a escolhas, aceitemos ou não. porém, as escolhas, em muitos casos, são inteiramente dispensáveis.
nos casos em que as escolhas são inteiramente dispensáveis & que, mesmo assim, escolhemos, podemos criar, ainda que sem intenção, verdadeiras disputas futebolísticas entre as coisas, onde nos obrigamos a escolher uma delas como quando escolhemos um time de futebol — flamengo OU fluminense — para vibrar & torcer & se emocionar.
determinadas questões não carecem de escolhas.
para determinadas questões, escolhas erguem muros espessos no caminho.
ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo não carecem de escolhas. ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo nasceram para serem complementares & não excludentes.
costumo dizer isto aqui sempre: a existência é um grande barato pela variedade de belezas que apresenta: variedade de bichos, de plantas, de mares, de rios, de rochas, de cores, de sons, de cheiros, de pessoas.
não seria diferente com as artes: com a arte da palavra, com a arte da música, com a arte do esporte.
portanto, por que escolher:
drummond ou joão cabral? chico ou caetano? anderson silva ou minotauro?
pepê ou rico de souza (dois grandes surfistas brasileiros)? mário de andrade ou oswald de andrade?
pepeu gomes ou armandinho (dois exímios guitarristas)? selton mello ou wagner moura? cartola ou nelson cavaquinho?
nelson piquet ou ayrton senna? clarice lispector ou cecília meireles? paula ou hortênsia (duas feras do basquete)?
mônica ou cebolinha? titãs ou os paralamas do sucesso? joão gilberto ou tom jobim? chacrinha ou sílvio santos? maysa ou elis regina?
antonio cicero ou waly salomão? renato russo ou cazuza? mundo livre s.a. ou nação zumbi?
determinadas questões não carecem de escolhas.
para determinadas questões, escolhas erguem muros espessos no caminho.
ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo não carecem de escolhas. ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo nasceram para serem complementares & não excludentes.
assim como, na vida, algumas coisas se tratam de escolhas, outras coisas, não; há aquelas para as quais não há o poder de escolha, não há opção: trata-se de sina ou maldição, não se pode afirmar ao certo o que seja.
não fui eu quem escolhi a poesia, não fui eu quem optei por ela. foi a poesia quem me escolheu, foi a poesia quem optou por mim. porque não está nas minhas mãos o poder de decidir quando adentrar a casa da poesia. é a poesia quem escolhe a hora da visita do poeta. não é o poeta o responsável pela decisão.
desse modo, a casa da poesia, essa casa não é minha: a casa da poesia pertence somente à poesia.
minha chave, a chave da minha casa, não serve à casa da poesia, não cabe em sua casa. desconheço a fechadura, desconheço o dispositivo de destrancar a sua porta, e, conseqüentemente, desconheço a metragem, o tamanho, da sua sala (até porque a sala de estar muda de metragem, altera de tamanho, a cada visita realizada).
tudo me é estranho, tudo me é diferente, tudo me é irreconhecível, na casa da poesia.
a cada visita, uma nova casa, uma grande surpresa: nunca se sabe o que encontrar na casa: metragem desconhecida, o teto que nada me diz, o ar estranho da cozinha, o quarto que não é meu, a cama em que nunca dormi, um ambiente que causa certo desconforto — não é certamente confortável estar entre as paredes da casa poética, sem saber se tal construção lírica é segura ou se pode desabar a qualquer momento.
essa casa não é minha.
ser poeta não é opção: é sina ou é maldição.
às coisas que não se tratam de sina, de maldição, nem de escolhas (como quando escolhemos um time de futebol — flamengo OU fluminense — para vibrar & torcer & se emocionar), abrigá-las todas dentro da morada do ser: a existência é um grande barato pela variedade de belezas que apresenta: variedade de bichos, de plantas, de mares, de rios, de rochas, de cores, de sons, de cheiros, de pessoas.
aproveitemos todas!
beijo todos!
paulo sabino.
__________________________________________________________________
(do livro: A sombra do faquir. autor: Mauro Sta. Cecília. editora: 7Letras.)
FLA X FLU
Drummond ou João Cabral
Caetano ou Chico
Anderson Silva ou Minotauro
Pepê ou Rico
Mário ou Oswald
Pepeu ou Armandinho
Selton ou Wagner
Cartola ou Nelson Cavaquinho
Piquet ou Senna
Clarice ou Cecília
Paula ou Hortênsia
Mônica ou Cebolinha
Titãs ou Paralamas
João Gilberto ou Tom Jobim
Chacrinha ou Sílvio Santos
Maysa ou Elis
FHC ou Lula
Antonio Cicero ou Waly
Renato Russo ou Cazuza
Mundo Livre ou Nação Zumbi.
Escolhas erguem muros espessos no caminho.
ESSA CASA NÃO É MINHA
Minha chave aqui não cabe
desconheço a fechadura
e a metragem desta sala.
O teto não me diz nada
o ar da cozinha é estranho.
Claro que não é o meu quarto
onde me deparo agora.
Nunca dormi nesta cama,
nem me sinto bem aqui
depois de todos esses anos.
Ser poeta não é opção
é sina ou é maldição.