UM FURO N’ÁGUA: TUDO NOVO DE NOVO
7 de dezembro de 2010

os holofotes todos voltados para ele: douram-no.

o pianista é a vítima dos expansivos círculos do som que os seus dedos pronunciam às teclas.

sentado à margem do teclado, o pianista imita o autor da peça musical que tocará, detendo, com os braços, a força ameaçadora das águas que irrompe sentidos adentro.

a força ameaçadora das águas: pois que tudo é um furo n’água:

por mais que se fure a água, por mais que se tente deixar na água a marca de um furo, este não dura, e logo é a mesma água, a mesma merda de sempre.

o sol, que sobe, também desce, e sobe mais uma vez para novamente descer, e assim por diante, incessantemente.

os rios vão dar no mar, impreterivelmente, e o mar, impreterivelmente, no seu sempre ir & vir de águas.

o vento venta no norte & no sul, no sul & no norte.

o tempo inteiro, um eterno refazer.

(a gente só refaz o que os outros já fizeram e tudo aqui sob o sol é a mesma merda.)

(sentado à margem do teclado, o pianista imita o autor.)

quem chama algo de “novo”, ao olhar bem, ao olhar direito, vê que o “novo” vem do tempo do onça.

o eterno recomeço… dentro deste, ainda que realizada em eternos retornos, na vida cabem os ineditismos, distribuídos pelos dias como o pão de cada dia que mastigamos, e que gostamos, e que queremos, comer todo dia, mesmo sabendo o gosto que tem o pão.

por mais que pão, é sempre um outro pão a ser degustado.

por mais que águas, são sempre outras a percorrer o curso de um rio.

é tudo novo de novo:

celebremos a nossa própria maneira de ser, sempre em mutação — o mais do mesmo, só que diferente —, celebremos a luz que nasce quando uma outra apaga.  

é tudo novo de novo:

vamos nos jogar onde já caímos.

é tudo novo de novo:

vamos mergulhar do alto onde subimos.

beijo carinhoso em todos!
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: A moeda do tempo e outros poemas. organização: Jorge Fernandes da Silveira. autor: Gastão Cruz. editora: Língua Geral.)


O PIANISTA

Senta-se imita
o autor Os
holofotes douram-no
é a vítima
dos expansivos círculos do som

Em torno dele o som é como
um laço
Está sentado na margem do
teclado detendo com os braços
a força ameaçadora das águas

(do livro: Parte alguma. autor: Nelson Ascher. editora: Companhia das Letras.)

FURO N’ÁGUA

i.m. haroldo de campos

Que furo n’água, meu,
é: tudo é um furo n’água.
Suar a camisa embaixo
do sol — a fim do quê?

A hora dos velhos chega,
depois a nossa e nada
muda no mundo. O sol,
que sobe, desce, sobe

outra vez, desce e assim
por diante. Venta ao norte
e ao sul, ao sul e ao norte.
Os rios vão dar  no mar:

bom, e daí? O mar
não enche, as águas voltam
ao grid de largada
e a trabalheira é tanta

que nem te digo. Olhar
demais irrita os olhos
e ouvir dói nos ouvidos.
Mas dá tudo na mesma.

A gente só refaz
o que os outros já fizeram
e tudo aqui debaixo
do sol é a mesma merda.

Quem chama algo de novo,
se olha direito, vê
que vem do tempo do onça.
Ninguém mais sabe como

foi ontem nem ninguém
depois de amanhã vai
lembrar como é que as coisas
terão sido amanhã.

(do encarte do cd: Tudo novo de novo. autor: Moska. gravadora: EMI.)

TUDO NOVO DE NOVO

Vamos começar
Colocando um ponto final
Pelo menos já é um sinal
De que tudo na vida tem fim

Vamos acordar
Hoje tem um sol diferente no céu
Gargalhando no seu carrossel
Gritando nada é tão triste assim

É tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos

Vamos celebrar
Nossa própria maneira de ser
Essa luz que acabou de nascer
Quando aquela de trás apagou

E vamos terminar
Inventando uma nova canção
Nem que seja uma outra versão
Pra tentar entender que acabou

Mas é tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos
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(vídeo com a canção: Tudo novo de novo. intérprete & autor: Moska.)

PODERIA SIMPLESMENTE NÃO SE CHAMAR
5 de março de 2010

otto,
 
anjinho da guarda deste que você elegeu para seu mumu,
 
sei bem que você, ainda com seus três aninhos, não entenderia estas linhas. porém, um dia, quando mais velho, sim. o mais importante, meu anjo, nós temos: a compreensão do sentimento através da vivência desse sentimento.
 
mais do que tudo, vivenciamos verdadeiramente a experiência de amar.
 
desde sempre, desde sua mais tenra existência, quando na barriga da sua mamãe, que tanto amo, quando ela ainda não morava com o seu papai, outro grande amor da vida do seu mumu, quando sua mamãe ainda dividia um apartamento comigo, nós nos conhecemos. talvez — repito: talvez — esse conhecimento, que parece ser de eras, conhecimento remoto, tenha trazido esta nossa afinidade sem precedentes. porém, de fato, no fundo, eu não sei. não consigo explicar, escrever claramente sobre o nosso amor, sobre este sentimento que nos abarca e me torna das pessoas mais felizes do mundo, simplesmente porque o tenho, porque tenho o seu carinho, tenho a sua atenção, tenho a sua aceitação.
 
o amor que eu te tenho é um afeto tão novo, que não deveria se chamar “amor”. de tão irreconhecível, tão desconhecido, não deveria se chamar “amor”.
 
poderia se chamar: nuvem — porque muda de formato a cada instante.
 
poderia se chamar: tempo — porque parece um filme a que nunca, antes, assisti.
 
poderia se chamar: labirinto — porque sei que não conseguirei escapulir.
 
poderia se chamar: abismo — pois é certo que ele, o meu afeto, não tem fim.
 
poderia se chamar: universo — porque sei que não o conhecerei por inteiro.
 
e poderia simplesmente: não se chamar — para não significar nada e dar sentido a tudo.
 
meu gordinho safado, minha lindeza maior, luz pura que tanto dá sentido ao que sou, o seu mumu, se pudesse, livraria a sua trilha de quaisquer aproximações do mundo mau. eu não posso, seu mumu sabe que nunca poderia prometer-lhe tal desvario, mas estarei por perto sempre sempre sempre, tenha certeza disso. nem que seja, um dia, apenas na sua memória, mas seu mumu estará.
 
este texto é para você. só para você.
 
como tantas & tantas & tantas outras, este texto é mais uma coisa nossa, mais uma coisa entre mim e você, um mimo do seu mumu, realizado pelo nosso afeto.
 
os versos que seguem, meu gordinho, foram escritos por um compositor que o seu mumu muito admira, chamado moska, e foram feitos para o seu filhinho antonio. feitos para um rapazinho como você.
 
um beijo, um cheiro, um dengo, um aperto bem gostoso, minha delícia!!
o seu, eternamente,
mumu.
 
um outro beijo nos senhores.
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(extraído do cd: Eu falso da minha vida o que eu quiser. artista: Moska. gravadora: EMI.)
 
 
NÃO DEVERIA SE CHAMAR
 
O amor que eu te tenho
É um afeto tão novo
Que não deveria se chamar “amor”
De tão irreconhecível, tão desconhecido
Que não deveria se chamar “amor”
 
Poderia se chamar nuvem
Porque muda de formato a cada instante
Poderia se chamar tempo
Porque parece um filme a que nunca assisti antes
Poderia se chamar labirinto
Porque sei que não conseguirei escapulir
Poderia se chamar aurora
Pois vejo o novo dia que está por vir
Poderia se chamar abismo
Pois é certo que ele não tem fim
Poderia se chamar horizonte
Que parece linha reta mas sei que não é assim
 
O amor que eu te tenho
É um afeto tão novo
Que não deveria se chamar “amor”
De tão irreconhecível, tão desconhecido
Que não deveria se chamar “amor”
 
Poderia se chamar primeiro beijo
Porque não lembro mais do meu passado
Poderia se chamar último adeus
Que meu antigo futuro foi abandonado
Poderia se chamar universo
Porque sei que não o conhecerei por inteiro
E poderia se chamar palavra louca
Que na verdade quer dizer: aventureiro
E poderia se chamar silêncio
Porque minha dor é calada e meu desejo é mudo
E poderia simplesmente não se chamar
Para não significar nada e dar sentido a tudo
 
O amor que eu te tenho
É um afeto tão novo
Que não deveria se chamar “amor”
De tão irreconhecível, tão desconhecido
Que não deveria se chamar “amor”

 

A LÍNGUA QUE EU FALO E ESCUTO
3 de março de 2010

(parafraseando o verso de um poema-canção do caetano veloso:)
 
 
o grande poder transforma dor
 
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(extraído do cd: Eu falso da minha vida o que eu quiser. artista: Moska. gravadora: EMI.)
 
 
DO AMOR (texto: Moska.)
 
Não falo do amor romântico, aquelas paixões meladas de tristeza e sofrimento, relações de dependência e submissão, paixões tristes. Algumas pessoas confundem isso com amor. Chamam de amor esse querer escravo, e pensam que o amor é alguma coisa que pode ser definida, explicada, entendida, julgada. Pensam que o amor já está pronto, formatado, inteiro, antes de ser experimentado. Mas é exatamente o oposto, para mim, que o amor se manifesta. A virtude do amor é sua capacidade potencial de ser construído, inventado e modificado. O amor está em movimento eterno, em velocidade infinita. O amor é um móbile. Como fotografá-lo? Como percebê-lo? Como se deixar sê-lo? E como impedir que a imagem sedentária e cansada do amor não nos domine?
 
Minha resposta? O amor é desconhecido.
 
Mesmo depois de uma vida inteira de amores, o amor será sempre o desconhecido, a força luminosa que ao mesmo tempo cega e nos dá uma nova visão. A imagem que eu tenho do amor é a de um ser em mutação. O amor quer ser interferido, quer ser violado, quer ser transformado a cada instante.
 
A vida do amor depende dessa interferência. A morte do amor é quando, diante do seu labirinto, decidimos caminhar pela estrada reta. Ele nos oferece seus oceanos de mares revoltos e profundos e nós preferimos o leito de um rio, com início, meio e fim. Não, não podemos subestimar o amor. Não podemos castrá-lo.
 
O amor não é orgânico. Não é meu coração que sente o amor. É a minha alma que o saboreia. Não é no meu sangue que ele ferve. O amor faz sua fogueira dionisíaca no meu espírito. Sua força se mistura com a minha e nossas pequenas fagulhas ecoam pelo céu como se fossem novas estrelas recém-nascidas. O amor brilha. Como uma aurora colorida e misteriosa, como um crepúsculo inundado de beleza e despedida, o amor grita seu silêncio e nos dá sua música. Nós dançamos sua felicidade em delírio porque somos o alimento preferido do amor, se estivermos também a devorá-lo.
 
O amor, eu não conheço. E é exatamente por isso que o desejo e me jogo do seu abismo, me aventurando ao seu encontro. A vida só existe quando o amor a navega. Morrer de amor é a substância de que a vida é feita, ou melhor, só se vive no amor. E a língua do amor é a língua que eu falo e escuto.
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beijo em vocês.
o preto.