os holofotes todos voltados para ele: douram-no.
o pianista é a vítima dos expansivos círculos do som que os seus dedos pronunciam às teclas.
sentado à margem do teclado, o pianista imita o autor da peça musical que tocará, detendo, com os braços, a força ameaçadora das águas que irrompe sentidos adentro.
a força ameaçadora das águas: pois que tudo é um furo n’água:
por mais que se fure a água, por mais que se tente deixar na água a marca de um furo, este não dura, e logo é a mesma água, a mesma merda de sempre.
o sol, que sobe, também desce, e sobe mais uma vez para novamente descer, e assim por diante, incessantemente.
os rios vão dar no mar, impreterivelmente, e o mar, impreterivelmente, no seu sempre ir & vir de águas.
o vento venta no norte & no sul, no sul & no norte.
o tempo inteiro, um eterno refazer.
(a gente só refaz o que os outros já fizeram e tudo aqui sob o sol é a mesma merda.)
(sentado à margem do teclado, o pianista imita o autor.)
quem chama algo de “novo”, ao olhar bem, ao olhar direito, vê que o “novo” vem do tempo do onça.
o eterno recomeço… dentro deste, ainda que realizada em eternos retornos, na vida cabem os ineditismos, distribuídos pelos dias como o pão de cada dia que mastigamos, e que gostamos, e que queremos, comer todo dia, mesmo sabendo o gosto que tem o pão.
por mais que pão, é sempre um outro pão a ser degustado.
por mais que águas, são sempre outras a percorrer o curso de um rio.
é tudo novo de novo:
celebremos a nossa própria maneira de ser, sempre em mutação — o mais do mesmo, só que diferente —, celebremos a luz que nasce quando uma outra apaga.
é tudo novo de novo:
vamos nos jogar onde já caímos.
é tudo novo de novo:
vamos mergulhar do alto onde subimos.
beijo carinhoso em todos!
paulo sabino / paulinho.
___________________________________________________________________________
(do livro: A moeda do tempo e outros poemas. organização: Jorge Fernandes da Silveira. autor: Gastão Cruz. editora: Língua Geral.)
O PIANISTA
Senta-se imita
o autor Os
holofotes douram-no
é a vítima
dos expansivos círculos do som
Em torno dele o som é como
um laço
Está sentado na margem do
teclado detendo com os braços
a força ameaçadora das águas
(do livro: Parte alguma. autor: Nelson Ascher. editora: Companhia das Letras.)
FURO N’ÁGUA
i.m. haroldo de campos
Que furo n’água, meu,
é: tudo é um furo n’água.
Suar a camisa embaixo
do sol — a fim do quê?
A hora dos velhos chega,
depois a nossa e nada
muda no mundo. O sol,
que sobe, desce, sobe
outra vez, desce e assim
por diante. Venta ao norte
e ao sul, ao sul e ao norte.
Os rios vão dar no mar:
bom, e daí? O mar
não enche, as águas voltam
ao grid de largada
e a trabalheira é tanta
que nem te digo. Olhar
demais irrita os olhos
e ouvir dói nos ouvidos.
Mas dá tudo na mesma.
A gente só refaz
o que os outros já fizeram
e tudo aqui debaixo
do sol é a mesma merda.
Quem chama algo de novo,
se olha direito, vê
que vem do tempo do onça.
Ninguém mais sabe como
foi ontem nem ninguém
depois de amanhã vai
lembrar como é que as coisas
terão sido amanhã.
(do encarte do cd: Tudo novo de novo. autor: Moska. gravadora: EMI.)
TUDO NOVO DE NOVO
Vamos começar
Colocando um ponto final
Pelo menos já é um sinal
De que tudo na vida tem fim
Vamos acordar
Hoje tem um sol diferente no céu
Gargalhando no seu carrossel
Gritando nada é tão triste assim
É tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos
Vamos celebrar
Nossa própria maneira de ser
Essa luz que acabou de nascer
Quando aquela de trás apagou
E vamos terminar
Inventando uma nova canção
Nem que seja uma outra versão
Pra tentar entender que acabou
Mas é tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos
___________________________________________________________________________
(vídeo com a canção: Tudo novo de novo. intérprete & autor: Moska.)