MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES — 80 ANOS — POEMAS & VÍDEO DO RECITAL
17 de janeiro de 2017

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(Na foto, o prédio do Museu Nacional de Belas Artes, localizado no Centro da cidade do Rio de Janeiro.)

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(Adentrando o salão nobre do Museu Nacional de Belas Artes — MNBA — para a cerimônia de 80 anos da instituição.)
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“Querido Paulo Sabino,

Belo Poeta , além de porte elegante,

Meus parabéns pela honra que lhe foi merecidamente conferida.

Teria desejado estar presente para aplaudir a ilustre instituição brasileira e o seu orador oficial.

E sua mãezinha, como está ? Minhas homenagens a ela.

O abraço carinhoso da

Nélida Piñon.”

(Nélida Piñon — escritora integrante da Academia Brasileira de Letras — ABL)

 

 

A cerimônia pelos 80 anos do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) foi ótima, tudo correu super bem!

Trabalho bem executado, todos felizes: eu, com o que pude fazer, e os amigos & administradores do museu, pelo resultado da cerimônia. Já fui convidado, inclusive, para outros eventos da instituição (e para evento de uma instituição afim ao museu). Adorei. Às ordens para quando precisar.

Aos interessados, deixo um trechinho do recital de violino & piano, que integrou a cerimônia de comemoração dos 80 anos do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), na sexta-feira (13/01), da qual tive o imenso prazer de participar como o mestre de cerimônia de todo o evento (este videozinho foi feito por mim).

No vídeo, as musicistas Priscila Ratto (violino) & Katia Ballousier (piano) apresentam uma peça do compositor austro-húngaro Fritz Kreisler, Prelúdio & Allegro. Lindo & emocionante!

E, homenageando a instituição, dois poemas extraídos — não coincidentemente — do livro “Museu de tudo”, do mestre maior João Cabral de Melo Neto.
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segundo o dicionário houaiss, museu é a “instituição dedicada a buscar, conservar, estudar e expor objetos de interesse duradouro ou de valor artístico, histórico etc.”

penso eu que se o museu é uma instituição com tais atribuições, o museu deve suscitar reflexões sobre as sociedades que fundamos & sobre o próprio ato criativo, discutindo, o tempo inteiro, a arte, o seu valor & o ato criativo do que chamamos arte.

paul valéry, poeta, escritor & filósofo francês, no seu romance “monsieur teste”, aborda o “processo de criação artística” & coloca a reflexão sobre o “processo criador” como uma condição intransferível & essencial à própria criação. “monsieur teste” é a personalização do ideal do rigor reflexivo. paul valéry tornou-se, por isso, um símbolo do culto permanente à lucidez.

o museu como “monsieur teste”, permanentemente acordado, aceso, em vigília, insone: uma lucidez que tudo via, como se estivesse exposta à luz qualquer ou como se a lucidez estivesse exposta ao dia claro.

lucidez que, quando de noite, na escuridão, acende detrás das pálpebras o dente — que mastiga & auxilia na articulação dos sons & das palavras — de uma luz ardida, uma luz que queima, que machuca de tão intensa, uma luz nua, sem pele, extrema, pura, e que de nada serve: de nada serve porque a lucidez só serve a quem a tem; é um bem intransferível & irrevogável: porém, luz de uma tal lucidez — luz que queima, que machuca de tão intensa, uma luz nua, sem pele, extrema, pura — que mente que tudo podeis.

e nada pode tal luz lúcida: a lucidez de nada serve porque a lucidez só serve a quem a tem; é um bem intransferível & irrevogável.

assim como de nada serve fazer o que seja.

fazer o que seja, qualquer “objeto artístico” (um quadro, uma foto, um poema), é inútil. não fazer nada é inútil também. mas entre fazer & não fazer, mais vale o inútil do fazer. mas fazer para esquecer que é inútil — não, nunca: nunca o esquecer, nunca esquecer que fazer o que seja, qualquer “objeto artístico” (um quadro, uma foto, um poema), é inútil. fazer o inútil sabendo que ele é inútil fazer, sabendo que ele é realização inútil, e bem sabendo que seu sentido será sequer pressentido (o sentido da realização cabe a quem realiza, apenas ao criador — é um bem intransferível & irrevogável): ele — o fazer inútil — é mais difícil do que não fazer, mas dificilmente se poderá dizer, se poderá falar, se poderá declarar, com mais desdém, mais desprezo, mais arrogância, ou então dizer mais direto ao leitor “ninguém” — afinal, nunca se sabe quem, que leitor, as palavras alcançarão — que o feito, que o realizado inutilmente, o foi para ninguém.

o objeto artístico é confeccionado para ninguém: o artista, quando cria, pensa apenas na sua criação artística, no seu desejo de realização artística, nunca numa função para a sua criação ou para quem tal criação servirá. por isso, na arte não há o sentido utilitário, não há o sentido de utilidade, não há o sentido de útil. na acepção literal, a arte é, portanto, algo inútil, feita por alguém para nada nem ninguém.

ainda assim, uma vez confeccionado o objeto artístico (um quadro, uma foto, um poema), beber da sua fonte inesgotável de intenções desobrigadas.

arte: o mais nutritivo & saboroso alimento anímico.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: A educação pela pedra e depois. autor: João Cabral de Melo Neto. editora: Nova Fronteira.)

 

 

A INSÔNIA DE MONSIEUR TESTE

 

Uma lucidez que tudo via,
como se à luz ou se de dia;
e que, quando de noite, acende
detrás das pálpebras o dente
de uma luz ardida, sem pele,
extrema, e que de nada serve:
porém luz de uma tal lucidez
que mente que tudo podeis.

 

 

O ARTISTA INCONFESSÁVEL

 

Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.
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(do site: Youtube. evento: 80 anos do Museu Nacional de Belas Artes. peça: Prelúdio e Allegro. autor: Fritz Kreisler. piano: Katia Ballousier. violino: Priscila Ratto. local: Rio de Janeiro. data: 13/01/2017.)

SE EU FOSSE UM PADRE, A MINHA ORAÇÃO: POESIA
5 de janeiro de 2016

Igreja 1
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se eu, paulo sabino, fosse um padre, eu, nos meus sermões aos fiéis, não falaria em deus nem no pecado, muito menos no anjo rebelado (o anjo caído, lúcifer) & os encantos, as magias, das suas seduções, das suas artimanhas para agradar. também não citaria santos & profetas: nada das suas celestiais promessas ou das suas terríveis maldições, nada do jogo injusto & feio da culpa & do castigo.

se eu, paulo sabino, fosse um padre, eu citaria os poetas, rezaria os seus versos, os mais belos, desses que desde a infância me embalaram — pessoa, drummond, bandeira, vinicius, cecília, quintana — & quem me dera que alguns fossem meus!…

porque a poesia, mais do que dizem os santos & profetas & deus & o diabo, a poesia purifica a alma, e um belo poema, ainda que se aparte de deus, ainda que se afaste de deus, ainda que se separe de deus, um belo poema sempre leva a deus. afinal, um belo poema sempre nos leva ao sublime, ao grandioso, ao elevado, ao celestial, ao divino.

poesia: a quem dedico a minha oração: senhora de tudo em mim, dai-me a alegria do poema de cada dia. e que, ao longo do caminho, eu distribua, para as almas, minha porção de poesia, sem que ela — a porção à qual tenho direito — diminua.

poesia tanta & tão minha, que, por eucaristia, eu possa fazê-la sua, fazê-la do leitor (eucaristia: um dos sete sacramentos da igreja católica, além de ser o sacramento central, no qual, segundo a crença, jesus cristo se acha presente, sob as formas do pão & do vinho, respectivamente, com o seu corpo & o seu sangue).

poesia tanta & tão minha, que, por eucaristia, eu possa fazê-la sua, fazê-la do leitor: na poesia, eis a minha carne, eis o meu sangue!

a minha carne & meu sangue em toda a ardente impureza deste humano coração — coração imperfeito, limitado.

mas, ó coração divino, ó coração celestial, ó coração de deus, deixai-me dar de meu vinho, deixai-me dar de meu pão, deixai-me viver a minha eucaristia! que mal faz uma canção, que mal faz um poema? basta que a canção, que o poema, tenha beleza, e nos encante, e nos leve ao sublime, ao grandioso, ao elevado, ao celestial, ao divino.

(um belo poema, ainda que se aparte de deus, ainda que se afaste de deus, ainda que se separe de deus, um belo poema sempre leva a deus.)

o meu templo, a minha religião, é a poesia.

poesia: eis a oração que tenho para lhes oferecer.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do site: Youtube. Paulo Sabino recita “Se eu fosse um padre”, poema de Mario Quintana. Em 05/01/2016.)


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(do livro: Nova antologia poética. autor: Mario Quintana. editora: Alfaguara.)

 

 

SE EU FOSSE UM PADRE

 

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições…
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância  me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
… e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!
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(do site: Youtube. Paulo Sabino recita “Oração”, poema de Mario Quintana. Em 05/01/2016.)


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(do livro: Poesia completa. autor: Mario Quintana. editora: Nova Fronteira.)

 

 

ORAÇÃO

 

Dai-me a alegria
Do poema de cada dia.
E que ao longo do caminho
Às almas eu distribua
Minha porção de poesia
Sem que ela diminua…
Poesia tanta e tão minha
Que por uma eucaristia
Possa eu fazê-la sua
“Eis minha carne e meu sangue!”
A minha carne e meu sangue
Em toda a ardente impureza
Deste humano coração…
Mas, ó Coração Divino,
Deixai-me dar de meu vinho,
Deixai-me dar de meu pão!
Que mal faz uma canção?
Basta que tenha beleza…

A ARTE DOS VERSOS
21 de julho de 2015

Plantação de couve

(Plantação de couves.)
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Um convite aos navegantes: nesta quinta-feira, 23 de julho, a 5ª edição do Sarau do Largo das Neves, em Santa Teresa, Rio de Janeiro. Na frente do bar Alquimia. As leituras & declamações começam às 20h30, mas a concentração, para uns drinques & um bate-papo animado, a partir das 19h. Aguardando todos!
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Para Antonio Cicero, que me fez lembrar o poema

 

 

toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui, na maneira como esta mulher, dos arredores de cantão, na china, ou dos campos de alpedrinha, em portugal, rega quatro ou cinco leiras, rega quatro ou cinco canteiros, de couves: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração.

assim se faz a planta bonita & viçosa: toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração.

assim se faz o poema: toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui: mão certeira com a água & intimidade com a terra, mão certeira & intimidade com os nutrientes do poema, com aquilo que o alimenta (a palavra, o vocabulário, as formas poéticas, as brincadeiras lingüísticas), e empenho do coração (a dedicação à causa, o cuidado, o carinho, a atenção, com os versos).

assim se faz a planta bonita & viçosa, assim se faz o poema: mão certeira & intimidade com os nutrientes, com aquilo que os alimenta, e empenho do coração — a dedicação à causa, o cuidado, o carinho, a atenção.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas de Eugénio de Andrade. seleção: Arnaldo Saraiva. autor: Eugénio de Andrade. editora: Nova Fronteira.)

 

 

A ARTE DOS VERSOS

 

Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão,
ou dos campos de Alpedrinha,
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.

4ª EDIÇÃO SARAU DO LARGO DAS NEVES — AGRADECER PROFUNDAMENTE
29 de junho de 2015

Sarau Largo das Neves_Junho 4

Sarau Largo das Neves_Junho 1

Luis Turiba & Paulo Sabino

(Na foto, o poeta Luis Turiba.)

Sarau Largo das Neves_Junho 3
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Gente do meu coração,

É tanta coisa, tanta, que nem sei como começar este texto… Talvez dizendo que fiquei acordado até às 6h da manhã, sem conseguir desligar, depois da 4ª edição do Sarau do Largo das Neves, em Santa Teresa (Rio de Janeiro), revivendo um tanto do encontro onde comemorei os meus 39 anos, tamanha energia boa, alegre, festiva, que tomou conta de todos & contagiou a praça.

A noite foi linda! As escolhas poéticas, as melhores possíveis, e as leituras foram arrasadoras!

A minha mãe, a cabocla Jurema Armond, está numa alegria só! Quando voltávamos para casa, terminado o sarau, ela disparou: “meu filho, procure cultivar sempre o amor & o carinho dos seus amigos, porque essa turma é bonita demais, você não deve se afastar”. Ela realmente ficou impressionada com a vibração, com a energia, que os participantes conseguiram imprimir & deixar em Santa Teresa.

Estou aqui em puro estado de poesia, que é o estado de graça, que é o estado de felicidade plena, o êxtase decantado & tão-só. Amor da cabeça aos pés!

Eu só tenho a agradecer, profundamente!, a existência de cada um que tornou a noite do dia 25/06 das coisas mais emocionadas que eu já vivi.

Agradecer profundamente & especialmente ao grande & admirado poeta Luis Turiba (na foto), que me deu a honra das suas presença & leitura, recitando o seu lindíssimo poema “Língua à brasileira”.

Agradecer profundamente os livros & cadernos que ganhei, adorei todos!

Agradecer, também profundamente, a presença das pessoas que foram ao sarau & que eu não conhecia & que se emocionaram com tudo aquilo que vivenciamos. Obrigadíssimo, gente nova & querida! Espero que, a partir desta última edição, vocês ajudem a engrossar o caldo!

Viva são João!
Viva a poesia!
Viva vocês, meus amigos, irmãos de jornada!

Mês próximo tem mais!

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do livro: Estrela da vida inteira. autor: Manuel Bandeira. editora: Nova Fronteira.)

 

 

PROFUNDAMENTE

 

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

BIOGRAFIA
28 de outubro de 2014

Poesia_Nascimento

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biografia: narração, oral, escrita ou visual, das várias fases da vida de uma pessoa ou personagem.

a biografia de um poema:

o poema vai nascendo, vai ganhando vida-versos, num passo que desafia, num caminhar que instiga, que incita: numa hora eu já o levo, eu transporto as palavras, eu carrego os versos, numa hora eu levo o poema porque ao poeta — a mim — cabe a arquitetura de palavras & versos, e outra vez ele — o poema — me guia, tomando-me pelas mãos & escrevendo a sua sina (num dado momento, quando o poema vai ganhando alguma forma, acontece de os próprios ritmo & versos ditarem os caminhos que o poema deve tomar, ainda que tais caminhos, ditados pelos ritmo & versos, contrariem a “opinião”, a “vontade”, do poeta, como se não mais importasse o seu desejo para com os versos).

numa hora eu já o levo, outra vez ele me guia: assim o poema vai nascendo, vai ganhando vida-versos, mas seu corpo lírico ainda é prematuro, ainda é precoce, ainda está em formação, letra lenta, letra que chega vagarosa, pensada, re-pensada, letra lenta que incendeia, letra lenta que queima, com a carícia de um murro (um murro-carícia: um dos grandes efeitos da poesia: efeito feito de contradição, de paradoxo, o que o deixa ainda mais poético — um murro-carícia: a sensação de ser golpeado pelas idéias abrigadas nas palavras que os versos contêm, porém golpeado de forma carinhosa, porque golpeado por palavras, “entes” que incendeiam & machucam & esmurram & ferem apenas metaforicamente).

o poema vai nascendo, vai ganhando vida-versos, sem o ou e que o sustente, e, nascendo sem mão (para ampará-lo no momento da saída total) ou mãe que o sustente (que tenha engravidado & que o esteja parindo), insuportavelmente perverso (a palavra perverso é formada pela palavra “verso”), insuportavelmente malvado, o poema me contradiz: como pode um poema “nascer”, como pode um poema “ser gestado”, sem mão ou mãe que o sustente?

o poeta, sabe-se, não pode ser mãe nem sua mão pode amparar o poema (num dado momento, quando o poema vai ganhando alguma forma, acontece de os próprios ritmo & versos ditarem os caminhos que o poema deve tomar, ainda que tais caminhos, ditados pelos ritmo & versos, contrariem a “opinião”, a “vontade”, do poeta, como se não mais importasse o seu desejo para com os versos).

o poema vai nascendo, vai ganhando vida-versos: jorro de idéias, jato de lampejos, que engole & segura o pedaço duro do grito — diferentemente do recém-nascido, que explode em choro & grito ao nascer, ao nascer o poema engole & segura o pedaço duro do grito, o poema guarda em si a parte difícil, árdua, do grito que gritam os versos (tudo, no poema, quer jorrar, quer gritar, quer explodir, quer expandir em mil sentidos & significações, a serem descobertos na leitura cuidadosa que o poema exige, porém o grito é contido, porque o grito do poema precisa ser revelado, ninguém o escuta, é grito gritado por entre versos & palavras).

o poema vai nascendo, vai ganhando vida-versos: pombo de pluma & granito, pássaro de pena & pedra, feito para alçar vôos nas direções as mais diversas, entretanto alçar vôos em folha de papel — o poema é um pássaro duro, imóvel, intacto, parado, bonito, como se fosse granito.

o poema vai nascendo, vai ganhando vida-versos: jorro de idéias, jato de lampejos, que engole & segura o pedaço duro do grito; pombo de pluma & granito, pássaro de pena & pedra, feito para alçar vôos nas direções as mais diversas, entretanto alçar vôos em folha de papel, duro, imóvel, intacto, parado, bonito, como se fosse granito.

não percamos a viagem: embarquemos nas asas da poesia!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Todos os ventos. autor: Antonio Carlos Secchin. editora: Nova Fronteira.)

 

 

BIOGRAFIA

A Ricardo Vieira Lima

O poema vai nascendo
num passo que desafia:
numa hora eu já o levo,
outra vez ele me guia.

O poema vai nascendo,
mas seu corpo é prematuro,
letra lenta que incendeia
com a carícia de um murro.

O poema vai nascendo
sem mão ou mãe que o sustente,
e perverso me contradiz
insuportavelmente.

Jorro que engole e segura
o pedaço duro do grito,
o poema vai nascendo,
pombo de pluma e granito.

PRINCIPALMENTE: A VOZ DO MAR
17 de abril de 2014

O mar & sua voz

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sempre fui bem tratado, sempre fui tratado bem, com carinho, com respeito, sempre vontades satisfeitas. por isso mesmo, sempre fui bem tratado, sempre fui muito tratado, sempre fui bastante tratado, como um príncipe.

com isso, fui me afeiçoando aos privilégios, aos florilégios (às coleções de flores devidamente escolhidas), às vilegiaturas (às férias que se passa fora dos centros urbanos, no campo, na praia, na montanha, no deserto), que me couberam neste reino — que é a vida — etéreo (sublime, magnífico, elevado, e também vaporoso) & ao mesmo tempo deletério (aviltante, insalubre, danoso).

a vida, sabe-se, possui a sua faceta exuberante como também a faceta cariada, feia, cheia de tristezas.

além disso, neste reino que é a vida, etéreo & deletério, o esquecimento é tão inevitável quanto a vida & a morte é toda feita de mistério.

a vida é uma coisa da qual não se pode dispor. não conhecemos o suficiente para saber, apreender, o que é a existência mundana & universal — a morte, para nós, ainda é um mistério, não se sabe muito a respeito dela, para onde vamos, se é que vamos para algum lugar além das nossas sepulturas, nem nunca podemos ter a apreciação total das nossas próprias vidas, pois, pelo caminho, vamos deixando acontecimentos para trás, justamente porque o esquecimento é tão inevitável quanto a vida.

procuro ouvir a minha sorte, procuro ouvir o que me destina o destino (será que existe destino?), nos meus búzios, como o — poeta olavo — bilac ouvia suas estrelas (vide o poema feito pelo poeta, “ouvir estrelas”), coisa que nunca ouvi, mas compreendi (a minha sorte), mesmo não tendo credo acreditável, mesmo não tendo crença crível, mesmo não tendo credo no qual se possa confiar & acreditar.

assim, bicho homem sem credo no qual se possa confiar & acreditar, fui construindo meu edifício sobre essa arquitetura de quimeras (na vida, sempre fui bem tratado, sempre fui tratado bem, com carinho, com respeito, sempre vontades satisfeitas, e, por isso mesmo, sempre fui bem tratado, sempre fui muito tratado, sempre fui bastante tratado, como um príncipe), cujo arquiteto (o arquiteto dessa arquitetura de quimeras que é a vida: “deus”, ou como quer que se chame a força criadora do universo) talvez fosse cego (construindo tal arquitetura às escuras), ou gênio (construindo tal arquitetura com total entendimento do que construía), ou talvez fosse, simplesmente, ausente (simplesmente inexistente, e a vida, um grande capricho do acaso).

neste reino etéreo & deletério, fundo a minha voz, inauguro o meu canto: na nave língua em que me navego, só me navego “eu”, como “nave”, sendo língua.

(“navego”: na palavra em destaque, duas outras palavras cabem, duas outras palavras formam a palavra “navego”: “nave” + “ego”, que é o mesmo que “eu”. é na língua que posso, através das palavras, me fazer “nave”, e, com elas, o “ego” “navego”.)

na nave língua em que me navego, língua na qual em/barco, só me navego “eu” (“ego”), como “nave”, sendo língua.

a língua é minha pátria. eu canto, falo, declamo, exponho, penso, logo existo, em língua portuguesa.

me navego em língua, “nave” & “ave”.

(“navego”: na palavra em destaque, além de caberem as palavras “nave” & “ego”, uma outra também cabe: “ave”.)

em língua me navego, “nave” que me permite viajar caminho afora, “ave” que me leva em suas asas, na minha tentativa de vôos altos por sobre a vida.

eu sou sol, luz, eu esplendo, eu resplandeço, eu brilho intensamente, sendo sonhador (afinal, fui construindo meu edifício sobre essa arquitetura de quimeras), eu, sendo esplendor, sendo brilho intenso, eu espelho especiaria, sou como o conjunto de temperos que dá aroma & sabor, eu, navegante (dos mares da vida), sou o antinavegador de moçambiques, goas, calecutes, o antinavegador porque nunca me aventurei a descobertas ultramarinas, o antinavegador porque nunca me prontifiquei a vencer os mares em busca de reinos perdidos & tesouros inexplorados, eu, que dobrei & venci o cabo da esperança (sentimento de quem confia na realização daquilo que deseja), eu, que desinventei o cabo das tormentas (das tempestades violentas, das situações conturbadas & perturbadoras), eu, que inventei o vento que me carregou nas minhas andanças, eu, que inventei a “taprobana”, a ilha que só existe na minha ilusão (“taprobana” é o nome pelo qual a ilha de sri lanka era conhecida na antigüidade), eu, que inventei a ilha que não há, talvez “ceilão”, sei lá (“ceilão” foi como a ilha de sri lanka foi denominada até 1972), eu, que inventei o mapa, o astrolábio, a embarcação, a rota, só sei que fui em busca dos meus interesses & sonhos & nunca mais voltei.

me derramei & me mudei em mar — virei a sua voz, me transformei no seu canto, só sei que me morri de tanto amar na aventura das velas caravelas (por todo o fascínio que sempre me despertaram as grandes navegações & suas expedições mundo afora), só sei que morri de tanto amar em todas as saudades de aquém-mar, em todas as saudades que ficam, que permanecem, na parte de cá, neste lado daqui, de quem nunca se lançou em aventuras de além-mar, de quem, viajando em sonhos & desejos, fundou o seu edifício neste reino etéreo & deletério, fundou o seu edifício sobre essa arquitetura de quimeras, cujo arquiteto talvez fosse cego, ou gênio, ou, simplesmente, ausente.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas reunidos. autor: Geraldo Carneiro. editoras: Nova Fronteira / Fundação Biblioteca Nacional.)

 

 

PRINCIPALMENTE

 

sempre fui bem tratado como um príncipe
e fui me afeiçoando aos privilégios
aos florilégios e às vilegiaturas
que me couberam neste reino etéreo
e deletério, porque o esquecimento
é tão inevitável quanto a vida
e a morte é toda feita de mistério.
procuro ouvir a sorte nos meus búzios
como o Bilac ouvia suas estrelas,
coisa que nunca ouvi, mas compreendi
mesmo não tendo credo acreditável.
fui construindo assim meu edifício
sobre essa arquitetura de quimeras,
cujo arquiteto talvez fosse cego,
ou gênio, ou simplesmente ausente.

 

 

A VOZ DO MAR

 

na nave língua em que me navego
só me navego eu nave sendo língua
ou me navego em língua, nave e ave.
eu sol me esplendo sendo sonhador
eu esplendor espelho especiaria
eu navegante, o antinavegador
de Moçambiques, Goas, Calecutes,
eu que dobrei o Cabo da Esperança
desinventei o Cabo das Tormentas,
eu que inventei o vento e a Taprobana,
a ilha que só existe na ilusão,
a que não há, talvez Ceilão, sei lá,
só sei que fui e nunca mais voltei
me derramei e me mudei em mar;
só sei que me morri de tanto amar
na aventura das velas caravelas
em todas as saudades de aquém-mar

ANIVERSÁRIO — 35 PRIMAVERAS
21 de junho de 2011

12
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Ai, Xangô, Xangô menino
Da fogueira de são João
Quero ser sempre o menino, Xangô
Da fogueira de são João 

(trecho de “São João, Xangô Menino”, versos de Caetano Veloso)

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benvindos,

nesta sexta-feira, 24 de junho, dia de são joão, venço as minhas 35 primaveras.

como no dia 23 de junho, quinta-feira, viajo bem cedo para um lugar onde não tenho acesso à internet, antecipo as comemorações no “prosa em poema”.

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sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo, sábio é o que se contenta com o espetáculo da vida terrena, sábio é o que bebe da vida e que, ao beber, não se recorda do que bebeu, para quem tudo é novo & imarcescível (que não perde o viço), sempre.

coroe o sábio o que for da vida — heras, rosas volúteis, peixes, pássaros —, pois o sábio sabe que a vida passa por ele e que a tesoura de átropos (na mitologia grega, a deusa responsável pelo “corte” do “fio” da vida) tanto corta, ou seja, tanto talha, tanto encerra, a hora da rosa como encerra a hora do peixe, a hora do pássaro, e também a hora do sábio.

assim sendo, já que a tesoura de átropos corta a flor como corta o peixe o pássaro o sábio, o que ao sábio resta é viver, saboreando o gosto do vinho e deixando que o sabor do vinho saboreado esconda tão bruta realidade — a de que tudo, um dia, cessa, acaba, finda, morre.

o que ao sábio resta é viver, bebedor tranqüilo, apenas desejando, num desejo mal tido (porque pouca & pequena a preocupação), que a abominável onda última, a onda que vem nos buscar para o mundo dos mortos, não o molhe tão cedo.

o que ao sábio resta é viver, admirando as rosas dos jardins de adônis — deus nascido da casca duma árvore encantada, deus belo dos campos —, admirando as rosas que, cultivadas em culto ao deus, nascem & morrem no mesmo dia.

para essas rosas, a luz é eterna, porque as rosas nascem com o sol já nascido, e acabam antes do astro-rei se pôr.

assim façamos a nossa vida: como se um dia fosse, como se a nossa vida toda luz fosse, como se a nossa vida fosse apenas claridade, voluntariamente inscientes, isto é, voluntariamente não cientes, voluntariamente ignorantes, de que noite há antes & após do pouco que duramos.

(luz! quero luz!)

afinal, deste mundo se leva: nada.

deste mundo leva-se apenas o oco, leva-se apenas o vazio.

já que deste mundo nada se leva, nem mesmo o último óbolo (moeda grega de pouco valor, espécie de “esmola”) que tenhamos nas mãos, já que deste mundo nada se leva, nem uma memória na alma:

de que adiantam os tronos & as coroas recebidos se não existem tronos & coroas que não sejam desbancados por átropos, a deusa responsável pelo corte do fio da vida?

se da vida nada se leva:

de que adiantam os louros, de que adiantam as glórias, se não existem louros & glórias que não fanem, que não murchem, ante as vontades, ante os arbítrios, de minos (rei da ilha de creta que, depois de morto, desceu ao mundo subterrâneo onde se tornou um dos juízes dos mortos)?

já que tudo passa, abdiquemos de tronos & coroas & louros & glórias e sejamos somente reis de nós mesmos.

aprendamos a governar com maestria as nossas vidas.

só nós somos sempre iguais a nós próprios.

grande & nobre é sempre viver simplesmente. e simplesmente: viver.

a realidade sempre é mais ou menos feita do que nós queremos.

grande & nobre é sempre viver simplesmente:

seguir o destino que nos cabe.

regar as plantas.

amar as rosas.

deixar a dor nas aras, nos altares, como ex-voto, como oferenda, aos deuses.

vejamos a vida de longe, calmos, serenos. de nada adianta interrogá-la. a existência não tem boca, o mundo não tem idioma. nada podem nos dizer.

(a resposta está além dos deuses.)

serenamente, imita o olimpo, que é a morada dos deuses, no seu coração.

façamos do cerne do ser a casa certa, o destino traçado pelos deuses, pelas belezas sem razão & pela razão.

35 primaveras vencidas, e uma grande alegria de viver.

beijo todos!
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(do livro: Ficções do Interlúdio / 2-3 — Odes de Ricardo Reis / Para além do outro Oceano de C[oelho] Pacheco. autor dos poemas: Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa. editora:Nova Fronteira.)

 

 

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranqüilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio.
Pagã triste e com flores no regaço.

 

 

Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.

Coroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas volúteis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos a tesoura.

Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.

E ele espera, contente quase a bebedor tranqüilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.

 

 

As rosas amo dos jardins de Adônis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

 

 

Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,

Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,

Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.

Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?

Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?

Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra

Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.

Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.

 

 

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Imitação da vida. artista & intérprete: Maria Bethânia. poema: “Para ser grande”. autor: Ricardo Reis — heterônimo de Fernando Pessoa. canção: “Segue o teu destino”. poema: Ricardo Reis — heterônimo de Fernando Pessoa. música: Sueli Costa. gravadora: EMI.)

SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO
20 de janeiro de 2010

End of the Afternoon Mirante Dona Marta
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hoje, 20 de janeiro, é dia de são sebastião,  padroeiro da cidade de do rio de janeiro, padroeiro da cidade onde nasci & me criei.

o rio é uma cidade de cidades misturadas. é ao mesmo tempo bela & banguela, feito a (baía de) guanabara.

no asfalto, luxo & glamour. nos morros, pobreza & violência.

mesmo com todos os problemas existentes, gosto de viver aqui. céu & mar, mar & montanha, montanha & queda d’água: uma cidade mágica por abrigar muitas possibilidades de convívio com belezas naturais. esse aspecto, no rio, me fascina.

sempre que, pela via expressa do aterro do flamengo, passo pelo pão de açúcar, este bloco maciço, empedernido, gigante pela própria natureza, canto, para mim, estes versos do oswald de andrade:


ESCAPULÁRIO

No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia
De Cada Dia

 

não há um dia que não passe por esse monumento à beira-mar e não repare na sua lindeza quotidiana. a cada dia uma novidade que o próprio dia arquiteta, repaginando, a cada momento, a (belíssima) paisagem.

então, de presente à cidade (ainda) maravilhosa, seguem estes dois poemas que adoro.

(rio de janeiro, gosto de você. gosto de quem gosta deste céu, deste mar, desta gente feliz.)

beijo festivo!
paulo sabino.
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RIO DE JANEIRO

 

Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este Rio é filho.
Louvo o santo padroeiro
— Bravo São Sebastião —
Que num dia de janeiro
Lhe deu santa defensão.

Louvo a cidade nascida
No morro Cara de Cão,
Logo depois transferida
Para o Castelo, de então
Descendo as faldas do outeiro,
Avultando em arredores,
Subindo a morros maiores,
— Grande Rio de Janeiro!

Rio de Janeiro, agora
De quatrocentos janeiros…
Ó Rio de meus primeiros
Sonhos! (A última hora
De minha vida oxalá
Venha sob teus céus serenos,
Porque assim sentirei menos
O meu despejo de cá.)

Cidade de sol e bruma,
Se não és mais capital
Desta nação, não faz mal:
Jamais capital nenhuma,
Rio, empanará teu brilho,
Igualará teu encanto.
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.

(extraído do livro: Estrela da Vida Inteira. autor: Manuel Bandeira. editora: Nova Fronteira.)

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SÃO SEBASTIÃO

 

São Sebastião
Tua cidade tem as curvas
Quais as curvas de um nobre violão
Não será razão de tanta música bonita
Ter-se feito em sua mão?
Ó Pai Odé
Protege as matas que circundam esse altar
Que da maré vazante ou cheia
Já se ocupa Yemanjá

São Sebastião do Rio flechado
Em seu peito atravessado
Pelas setas dos seus filhos
Queira Deus que os meninos
Achem a trilha nos seus trilhos
Inspirados na beleza do seu verde e seu anil
E mereçam a cidade estandarte do Brasil
E que outros mil poetas
Venham te cantar, meu Rio

São Sebastião
Tua cidade cor de rosa
Fez da prosa um belo samba de Noel
Se eu fosse Gardel cantaria um tango
Pelo tanto dos encantos de Isabel
Ó meu São Tomé, se alguém duvida
Passe os olhos pela Urca e o Sumaré
Onde a Imperatriz beijou a flor
Porta-bandeira da cidade mais feliz

São Sebastião do Rio flertado
Ribeirão puro, encantado
Sol no casco dos navios
Te naveguem as mais belas
E os mais belos dos bravios
Nessas águas que fizeram de Machado
Suas letras imortais
Entre copas de Salgueiros e Mangueiras tropicais
E que novas musas venham te inspirar a paz

(extraído do cd: Menino do Rio. artista: Mart’nália. selo: Quitanda. gravadora: Biscoito Fino. autor dos versos: Totonho Villeroy.)

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(do site: Youtube. Áudio extraído do álbum: Menino do Rio. artista & intérprete: Mart’nália. canção: São Sebastião. autor: Totonho Villeroy. participação especial: Maria Bethânia recita trechos de Cartão Postal. autor do poema: Vinicius de Moraes. selo: Quitanda. gravadora: Biscoito Fino.)