VER-SE NO QUE VÊ
22 de setembro de 2010

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O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
 
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e incerteza.
 
(trecho do poema “madrigal melancólico”, de manuel bandeira)
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a beleza é um conceito, não existe “em si”. não se tem conhecimento de “força”, ou de “organismo”, não se sabe da existência de nenhum tipo de “ente” a que possamos chamar de: “beleza”.
 
justamente porque a beleza não existe como “força”, ou como “organismo”, ou como “ente”, que não a encontramos no mundo exterior.
 
a beleza só é achada dentro de nós. exatamente por ser “conceitual”, e não “algo material”, a beleza encontra-se somente dentro de cada um, e é moldada, e é construída, e vai constituindo-se, social e culturalmente.
 
por isso, a beleza possui muitas variantes. estas derivam, são provenientes, dos fatores ligados ao modo que nos ensinaram (e o modo que conquistamos) de enxergar a vida & os seus acontecimentos.
 
toda sociedade humana vive os seus padrões de beleza. isto, a experiência com o belo, nos é inerente. o que não nos é inerente é o que denominamos “belo”. os objetos & coisas que denominamos “belos” variam, e justamente por variarem, as coisas & objetos belos possuem um caráter contingente, isto é, um caráter casual, um caráter acidental.
 
as coisas & objetos que denominamos “belos” variam, diferenciam, porque a beleza está no olho de quem vê e não naquilo que é enxergado.
 
daí surge o verso-afirmação de manuel bandeira:
 
A beleza, é em nós que ela existe.
 
é em nós que a beleza existe. pois, para enxergar, para ver, é preciso pensar sobre o que se avista. não vamos longe sem o uso da razão. o mundo, sem a razão, torna-se um caos sem precedentes. necessitamos pensá-lo para que possamos nele existir. 
 
portanto: perceber é conceber águas de pensamento.
 
águas de pensamento, porque a água é o elemento mais apropriado ao pensamento: pois que este, assim como o líqüido, possui a característica da fluência, de nunca estar parado, de modificar-se com o passar do tempo, de ser sempre outro no decorrer da existência, pois que somos, com os nossos pensamentos, metamorfoses ambulantes, assim como os rios, nunca os mesmos, sempre em movimentação.
 
(é deste modo que se dá a beleza: através da percepção nossa.)
 
uma coisa curiosa nos acomete no ato da visão: o que vemos vidafora, almadentro, além de formularmos com o uso da razão, também nos formula. as paisagens que vislumbramos nos nossos caminhos, nas nossas jornadas, contribuem na formação nossa. o nosso olhar está intimamente ligado ao entorno que nos cerca. o nosso olhar também é fruto dele. as paisagens nos moldam, elas nos formam, elas nos criam.
 
logo, posso afirmar que:
 
sou a criatura do que vejo. 
 
no que vejo, entro, vou dentro, avante.
 
inda mais quando desejo o que vejo.
 
o que vejo, de longe, se vejo a partir do desejo, se encaro com olhos de desejo (desejo que acontece desde dentro de mim), e que extrapola a visão, então eu entro, e entro muito dentro, do que vejo.    
 
beijo todos com olhos de carinho & atenção!
o preto,
paulo sabino / paulinho.   
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(do livro: Transblanco. autor: Octavio Paz. tradução: Haroldo de Campos. editora: Siciliano.)
 
 
BLANCO
 
Me vejo no que vejo
Como entrar por meus olhos
Em um olho mais límpido
 
Me olha o que eu olho
É minha criação
Isto que vejo
 
Perceber é conceber
Águas de pensamentos
Sou a criatura
Do que vejo
 
 
(do livro: ET Eu Tu. autores: Arnaldo Antunes / Marcia Xavier. editora: Cosac & Naify.)
 
 
(poema: Arnaldo Antunes)
 
 
vejo
 
de  longe
 
longe
 
vejo
 
o  que  desejo  desde
 
dentro
 
e  entro
 
entro
 
dentro
 
do  que  vejo