SAUDADES
26 de julho de 2012

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ter saudades é viver.
 
e eu, homem sentimental, deveras emocional, a batida do pulso ditando os passos, vivencio saudades.
 
digo & repito: vivencio saudades. e isso não significa dizer que sou saudosista. não não.
 
não há tempo que eu queira viver mais que o presente, não há tempo que eu queira viver mais que o tempo que me cabe neste instante, no agora, no já, no hoje.
 
a vida é válida, e existe, enquanto vivos. e, “vivos” — coisas vivas, pessoas vivas —, apenas no presente.
 
o passado já passou, o futuro não chegou. o que nos resta é o que há nas mãos. e, nas nossas parcas mãos, mãos de alcance limitado, o presente é o que alcançamos, o presente é o que nos cabe.
 
meu tempo é quando: quando falo, quando escrevo, quando peço, quando rio, quando amo, quando gozo, quando choro, quando: vivo.
 
o saudosismo é a valorização demasiada do passado, é a preferência pelo passado. eu não prefiro o passado nem o valorizo em demasia. mas sinto saudades, sinto falta, de algumas vivências que se guardam  no tempo pretérito.
 
sinto saudades do meu pai. sinto saudades do meu avô.
 
sinto saudades, quando não as tenho, das sensações que o amor entre amantes desperta.
 
sinto a falta de determinados momentos vividos.
 
mas a falta que sinto de determinados momentos vividos não me faz querer vivenciá-los novamente justamente porque batalho, verdadeiramente, pelo meu bem-estar existencial a cada minuto, o que acaba por me trazer outras tantas vivências tão felizes (e melhores porque inéditas) quanto as que se guardam no passado.  
 
tenho saudades porque ter saudades é viver. a memória faz parte da vida; as lembranças são faculdades da memória, portanto, capacidades nossas. as lembranças são naturais.
 
sinto saudades pela simples habilidade de rememorar fatos (recordar não me é uma atividade complexa).
 
sinto saudades & não sou nada saudosista. sou de carne, osso & coração, como os senhores.
 
sinto saudades porque o português é saudades.
 
a língua portuguesa é a única, no mundo, que criou uma palavra para designar um tipo certo de falta: saudade.
 
saudade é uma palavra linda, palavra sentimental, emocional, e intraduzível.
 
por isso o português é saudades. e só as sente bem (e só sente bem as saudades) quem tem aquela palavra — no caso, “saudades” — para dizer que as tem. só sente bem as saudades quem tem palavra para dizer que tem: “saudades”.
 
sinto saudades porque as lembranças são faculdades da memória, e a memória, uma aptidão natural do ser humano.
 
saudade: a lua brilha na lagoa.
 
saudade: a luz que sobra da pessoa (a luz do meu pai, que sobrou em mim).
 
saudade: eterno filme em cartaz.
 
não se ressintam de sentir saudades. (saudade não é o mesmo que saudosismo.)
 
quem foge da saudade, por um fio preso a ela (preso à saudade), afoga-se em outras águas (afoga-se em águas da dor, da solidão, do ressentimento) mas no mesmo rio (afinal, as águas da dor, da solidão, do ressentimento, são águas ligadas, são águas presas, à água da saudade empoçada no peito).  
 
não fujam da saudade.
 
sentir saudades significa, em última instância, que a vida nos reservou ótimos momentos.
 
o grande barato é batalhar por ótimas vivências hoje, para que, no futuro, estas se transformem em outras tantas belas recordações.  
 
lembrem-se: o português é saudades.
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia [1918 – 1930]. autor: Fernando Pessoa. editora: Companhia das Letras.)
 
 
 
TER SAUDADES É VIVER.
Não sei que vida é a minha
Que hoje só tenho saudades
De quando saudades tinha.
 
Passei longe pelo mundo.
Sou o que o mundo seu fez,
Mas guardo na alma da alma
Minha alma de português.
 
E o português é saudades.
Porque só as sente bem
Quem tem aquela palavra
Para dizer que as tem.
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(poema-canção extraído do site oficial do: Moska. autores: Chico César / Moska.)
 
 
 
SAUDADE
 
 
Saudade a lua brilha na lagoa
Saudade a luz que sobra da pessoa
Saudade igual farol, engana o mar, imita o sol
Saudade sal e dor que o vento traz
 
Saudade o som do tempo que ressoa
Saudade o céu cinzento, a garoa
Saudade desigual, nunca termina no final
Saudade eterno filme em cartaz
 
A casa da saudade é o vazio
O acaso da saudade, fogo frio
Quem foge da saudade, preso por um fio
Se afoga em outras águas mas no mesmo rio
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(do site: Youtube. áudio extraído do cd: Tua. artista: Maria Bethânia. intérpretes: Maria Bethânia e Lenine. gravadora: Biscoito Fino. canção: Saudade. autores da canção: Moska e Chico César.)
 

A IDADE DO CÉU
13 de janeiro de 2010

bacanas,
 
“o rei na barriga”, sabemos, é uma expressão que não existe à toa.
 
às vezes me impressiona o quanto conseguimos ser arrogantes & presunçosos & soberbos & autoritários & prepotentes, sem darmos conta da nossa pequenez, da nossa insignificância, ante a grandeza do mundo.
 
frente a ele, frente ao mundo, podemos quase nada. não damos pé.
 
o poema “pergunta e resposta”, do magistral ferreira gullar, já publicado neste espaço (https://prosaempoema.wordpress.com/2009/11/05/pergunta-e-resposta/), consegue dimensionar essa verdade incontestável. o artigo do historiador josé augusto pádua, “civilização do risco”, também consegue.
 
não somos o que queríamos ser.
 
somos, dentro de um antigo silêncio, dentro de um silêncio com a mesma idade do céu, um breve pulsar. somos um capricho do sol. somos a piada de deus. formigas facilmente esmagadas pelos dedos. (a natureza os dedos são.) um grão de sal no imenso mar celeste.
 
é preciso um tanto mais de paciência.
 
é preciso um tanto mais de: calma. deixe que o beijo dure. deixe que o tempo cure. deixe que a alma tenha a mesma idade que a idade do céu.
 
abaixo, versos bosquejados por um grande compositor latino-americano, que merece ser mais conhecido por nós, brasileiros, seus vizinhos. linhas vindas de montevidéu, chegadas das mãos do uruguaio jorge drexler. a versão ficou por conta de um outro jovem grande compositor, o (paulinho) moska. 
 
conheçam a canção e cantem-na contra quaisquer sentimentos — sempre mesquinhos — de desmesura que nos assaltem a alma.
 
fiquem bem, e, se possível, em paz.
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(extraído do cd: Tudo novo de novo. artista: Moska. gravadora: EMI.)
 
 
A IDADE DO CÉU  (letra: Jorge Drexler — versão: Moska)
 
Não somos mais
Que uma gota de luz
Uma estrela que cai
Uma fagulha tão só
Na idade do céu
 
Não somos o que queríamos ser
Somos um breve pulsar
Em um silêncio antigo
Com a idade do céu
 
Calma
Tudo está em calma
Deixe que o beijo dure
Deixe que o tempo cure
Deixe que a alma
Tenha a mesma idade
Que a idade do céu
 
Não somos mais
Que um punhado de mar
Uma piada de Deus
Ou um capricho do sol
No jardim do céu
 
Não damos pé
Entre tanto tic tac
Entre tanto Big Bang
Somos um gão de sal
No mar do céu
 
Calma
Tudo está em calma
Deixe que o beijo dure
Deixe que o tempo cure
Deixe que a alma
Tenha a mesma idade
Que a idade do céu