MINHA SEREIA, RAINHA DO MAR
2 de fevereiro de 2016

Paulo Sabino_Pés à beira-mar

Ipanema_Cagarras & Stand Up Paddle

(O elemento que mais fascina, o elemento do puro delírio, o elemento que vira a cabeça, de Paulo Sabino: água marinha: mar: útero às vistas: berço de todas as existências.)
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dia 2 de fevereiro é dia de festa no mar. portanto, deixo, aqui, a minha saudação à rainha do elemento que mais me fascina, elemento do meu delírio, elemento que vira a minha cabeça: o mar.

dia 2 de fevereiro: dia de saudar iemanjá, a grande mãe de todos os orixás.

muito me impressiona que tanto a ciência quanto as lendas africanas convirjam — ainda que por caminhos díspares — ao dizer que a origem & o desenvolvimento dos seres — os primeiros indícios de vida — se deram com o/no mar, se deram com as/nas águas marinhas.

o mais abundante elemento natural deste planeta azul, água para onde correm todas as águas, útero às vistas, criatório de tantas & diversas vidas, onde a mãe-d’água iemanjá permite que boiemos como quando no ventre de nossas mães-da-terra.

eu, até hoje, não aprendi a viver sem água & sem o mar à minha contemplação.

(e espero nunca aprender!)

em sua homenagem, uma compilação de textos & dois poemas-canções (com direito ao áudio das canções) que traçam o perfil & contam um pouco dos mitos que envolvem a mais prestigiosa entidade feminina da mitologia & dos cultos africanos.

salve minha mãe-d’água iemanjá!
salve a rainha do meu amante mor: o mar!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do: Dicionário do folclore brasileiro. autor: Luís da Câmara Cascudo. editora: Global.)

 

 

IEMANJÁ.  Mãe-d’água dos iorubanos. Orixá marítimo, a mais prestigiosa entidade feminina dos candomblés da Bahia. Recebe oferendas rituais, festas lhe são dedicadas, indo embarcações até alto-mar atirar presentes. Protetora de viagens, no processo sincrético das deusas marinhas passou a ser Afrodite, Anadiômene, padroeira dos amores, dispondo uniões, casamentos, soluções amorosas. Sua sinonímia é grande: Janaína, Dona Janaína, Princesa do Mar, Princesa do Aiocá ou Arocá, Sereia, Sereia do Mar, Oloxum, Dona Maria, Rainha do Mar, Sereia Mucunã, Inaê, Marbô, Dandalunda. Tem o leque e a espada como insígnias; seus alimentos sagrados são o pombo, o milho, o galo, o bode castrado; as cores rituais são o branco e o azul (…). Protege, defende, castiga, mata. Por vezes se apaixona. Tem amantes, os quais leva para o fundo do mar. Nem os corpos voltam. É ciumenta, vingativa, cruel, como todas as égides primitivas. A festa de Iemanjá na cidade de Salvador é em 2 de fevereiro, Nossa Senhora do Rosário. Nos candomblés e xangôs é representada, no salão exterior das danças, como uma sereia.
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(do livro: Mitologia dos orixás. autor: Reginaldo Prandi. editora: Companhia das Letras.)

 

 

IEMANJÁ AJUDA OLODUMARE NA CRIAÇÃO DO MUNDO

 

Olodumare-Olofim vivia só no Infinito,
cercado apenas de fogo, chamas e vapores,
onde quase nem podia caminhar.
Cansado desse seu universo tenebroso,
cansado de não ter com quem falar,
cansado de não ter com quem brigar,
decidiu pôr fim àquela situação.
Libertou as suas forças e a violência
delas fez jorrar uma tormenta de águas.
As águas debateram-se com rochas que nasciam
e abriram no chão profundas e grandes cavidades.
A água encheu as fendas ocas,
fazendo-se os mares e oceanos,
em cujas profundezas Olocum foi habitar.
Do que sobrou da inundação se fez a terra.
Na superfície do mar, junto à terra,
ali tomou seu reino Iemanjá,
com suas algas e estrelas-do-mar,
peixes, corais, conchas, madrepérolas.
Ali nasceu Iemanjá em prata e azul,
coroada pelo arco-íris Oxumarê.
Olodumare e Iemanjá, a mãe dos orixás,
dominaram o fogo no fundo da Terra
e o entregaram ao poder de Aganju, o mestre dos vulcões,
por onde ainda respira o fogo aprisionado.
O fogo se consumia na superfície do mundo e eles apagaram
e com suas cinzas Orixá Ocô fertilizou os campos,
propiciando o nascimento das ervas, frutos,
árvores, bosques, florestas,
que foram dados aos cuidados de Ossaim.
Nos lugares onde as cinzas foram escassas,
nasceram os pântanos e nos pântanos, a peste,
que foi doada pela mãe dos orixás ao filho Omulu.
Iemanjá encantou-se com a Terra
e a enfeitou com rios, cascatas e lagoas.
Assim surgiu Oxum, dona das águas doces.
Quando tudo estava feito
e cada natureza se encontrava na posse de um dos filhos de Iemanjá,
Obatalá, respondendo diretamente às ordens de Olorum,
criou o ser humano.
E o ser humano povoou a Terra.
E os orixás pelos humanos foram celebrados.

 

 

IEMANJÁ DÁ À LUZ AS ESTRELAS, AS NUVENS E OS ORIXÁS

 

Iemanjá vivia sozinha no Orum.
Ali ela vivia, ali dormia, ali se alimentava.
Um dia Olodumare decidiu que Iemanjá
precisava ter uma família,
ter com quem comer, conversar, brincar, viver.
Então o estômago de Iemanjá cresceu e cresceu
e dele nasceram todas as estrelas.
Mas as estrelas foram se fixar na distante abóboda celeste.
Iemanjá continuava solitária.
Então de sua barriga crescida nasceram as nuvens.
Mas as nuvens perambulavam pelo céu
até se precipitarem em chuva sobre a terra.
Iemanjá continuava solitária.
De seu estômago nasceram então os orixás,
nasceram Xangô, Oiá, Ogum, Ossaim, Obaluaê e os Ibejis.
Eles fizeram companhia a Iemanjá.

 

 

IEMANJÁ É NOMEADA PROTETORA DAS CABEÇAS

 

Dia houve em que todos os deuses
deveriam atender ao chamado de Olodumare para uma reunião.
Iemanjá estava em casa matando um carneiro,
quando Legba chegou para avisá-la do encontro.
Apressada e com medo de atrasar-se
e sem ter nada para levar de presente a Olodumare,
Iemanjá carregou consigo a cabeça do carneiro
como oferenda para o grande pai.
Ao ver que somente Iemanjá trazia-lhe um presente,
Olodumare declarou:
“Awojó orí dorí re.”
“Cabeça trazes, cabeça serás.”
Desde então Iemanjá é a senhora de todas as cabeças.

 

 

IEMANJÁ MOSTRA AOS HOMENS O SEU PODER SOBRE AS ÁGUAS

 

Em certa ocasião, os homens estavam preparando
grandes festas em homenagem aos orixás.
Por um descuido inexplicável, se esqueceram de Iemanjá,
esqueceram de Maleleo, que ela também se chama assim.
Iemanjá, furiosa, conjurou o mar
e o mar começou a engolir a terra.
Dava medo ver Iemanjá, lívida,
cavalgar a mais alta das ondas
com seu abebé de prata na mão direita
e o ofá da guerreira preso às costas.
Os homens, assustados, não sabiam o que fazer
e imploraram ajuda a Obatalá.
Quando a estrondosa imensidão de Iemanjá
já se precipitava sobre o que restava do mundo,
Obatalá se interpôs, levantou seu opaxorô
e ordenou a Iemanjá que se detivesse.
Obatalá criou os homens e não consentiria na sua destruição.
Por respeito ao Criador, a dona do mar acalmou suas águas
e deu por finda sua colérica revanche.
Já estava satisfeita com o castigo imposto
aos imprudentes mortais.

 

 

IEMANJÁ IRRITA-SE COM A SUJEIRA QUE OS HOMENS LANÇAM AO MAR

 

Logo no princípio do mundo,
Iemanjá já teve motivos para desgostar da humanidade.
Pois desde cedo os homens e as mulheres jogavam no mar
tudo o que a eles não servia.
Os seres humanos sujavam suas águas com lixo,
com tudo o que não mais prestava, velho ou estragado.
Até mesmo cuspiam em Iemanjá,
quando não faziam coisa muito pior.

Iemanjá foi queixar-se a Olodumare.
Assim não dava para continuar;
Iemanjá Sessu vivia suja,
sua casa estava sempre cheia de porcarias.
Olodumare ouviu seus reclamos
e deu-lhe o dom de devolver à praia
tudo o que os humanos jogassem de ruim em suas águas.
Desde então as ondas surgiram no mar.
As ondas trazem para a terra o que não é do mar.

 

 

IEMANJÁ AFOGA SEUS AMANTES NO MAR

 

Iemanjá é dona de rara beleza
e, como tal, mulher caprichosa e de apetites extravagantes.
Certa vez saiu de sua morada nas profundezas do mar
e veio à terra em busca do prazer da carne.
Encontrou um pescador jovem e bonito
e o levou para seu líquido leito de amor.
Seus corpos conheceram todas as delícias do encontro,
mas o pescador era apenas um humano
e morreu afogado nos braços da amante.
Quando amanheceu, Iemanjá devolveu o corpo à praia.
E assim acontece sempre, toda noite,
quando Iemanjá Conlá se encanta com os pescadores
que saem em seus barcos e jangadas para trabalhar.
Ela leva o escolhido para o fundo do mar e se deixa possuir
e depois o traz de novo, sem vida, para a areia.
As noivas e as esposas correm cedo para a praia
esperando pela volta de seus homens que foram para o mar,
implorando a Iemanjá que os deixe voltar vivos.
Elas levam para o mar muitos presentes,
flores, espelhos e perfumes,
para que Iemanjá mande sempre muitos peixes
e deixe viver os pescadores.
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(do encarte do cd: Mar de Sophia. artista: Maria Bethânia. autor dos versos: Paulo César Pinheiro. gravadora: Biscoito Fino.)

 

 

IEMANJÁ RAINHA DO MAR

 

Quanto nome tem a Rainha do Mar?
Quanto nome tem a Rainha do Mar?

Dandalunda, Janaína,
Marabô, Princesa de Aiocá,
Inaê, Sereia, Mucunã,
Maria, Dona Iemanjá.

Onde ela vive?
Onde ela mora?

Nas águas,
Na loca de pedra,
Num palácio encantado,
No fundo do mar.

O que ela gosta?
O que ela adora?

Perfume,
Flor, espelho e pente
Toda sorte de presente
Pra ela se enfeitar.

Como se saúda a Rainha do Mar?
Como se saúda a Rainha do Mar?

Alodê, Odofiaba,
Minha-mãe, Mãe-d’água,
Odoyá!

Qual é seu dia,
Nossa Senhora?

É dia dois de fevereiro
Quando na beira da praia
Eu vou me abençoar.

O que ela canta?
Por que ela chora?

Só canta cantiga bonita
Chora quando fica aflita
Se você chorar.

Quem é que já viu a Rainha do Mar?
Quem é que já viu a Rainha do Mar?

Pescador e marinheiro,
Quem escuta a Sereia cantar.
É com o povo que é praieiro
Que Dona Iemanjá quer se casar.
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Mar de Sophia. artista & intérprete: Maria Bethânia. canção: Iemanjá Rainha do Mar. música:Pedro Amorim. versos: Paulo César Pinheiro. gravadora: Biscoito Fino.)


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(do encarte do cd: Gal canta Caymmi. artista: Gal Costa. autor dos versos: Dorival Caymmi. gravadora: PolyGram.)

 

 

RAINHA DO MAR

 

Minha sereia, rainha do mar
Minha sereia, rainha do mar
O canto dela faz admirar
O canto dela faz admirar

Minha sereia é moça bonita
Minha sereia é moça bonita
Nas ondas do mar
Aonde ela habita
Nas ondas do mar
Aonde ela habita

Ai, tem dó
De ver o meu penar
Ai, tem dó
De ver o meu penar
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Gal canta Caymmi. artista & intérprete: Gal Costa. canção: Rainha do Mar. autor da canção: Dorival Caymmi. gravadora: PolyGram.)

OCUPAÇÃO POÉTICA — TEATRO CÂNDIDO MENDES (2ª EDIÇÃO): OS VÍDEOS IV
6 de outubro de 2015

Paulo Sabino_Ocup Poet_2ª Ed_09 Set 2015
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A quem possa interessar, mais 2 vídeos da 2ª edição do projeto “Ocupação Poética”, ocorrido nos dias 9 (quarta-feira) & 10 (quinta-feira) de setembro, no teatro Cândido Mendes (Ipanema – RJ), com a participação de 4 feras da poesia contemporânea: Luis Turiba, Cristiano Menezes, Mauro Sta Cecília & Claufe Rodrigues!

Em ambos os vídeos, o encerramento da minha participação no projeto, tanto no dia 09/09 como no dia 10/09, onde recito, no primeiro vídeo (09/09), um poema do sofisticado poeta & compositor Paulo César Pinheiro, e, no segundo vídeo (10/09), um poema do francês Paul Éluard, em tradução dos mestres Carlos Drummond de Andrade & Manuel Bandeira.

Fabrício Corsaletti, autor de “Seu nome”, postado na publicação de título “Ocupação Poética — Teatro Cândido Mendes (2ª Edição): Os Vídeos II”, faz, inclusive, uma menção ao poema de Paul Éluard que aparece nesta publicação. Dizem os seus versos:

 

o último verso do famoso poema de Éluard poderia muito
……………………………………………….[bem ser o seu nome

 

Pois bem, aos senhores, aqui, o famoso poema de Éluard.

E, assim, com o encerramento das duas noites, encerro as postagens de vídeos referentes à segunda edição deste projeto que, para mim, é um grande prazer & uma grande honra poder coordenar.

Que venham as próximas edições!

Divirtam-se!

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 09/09/2015. Paulo Sabino recita Brasil moleque, poema de Paulo César Pinheiro.)

 

BRASIL MOLEQUE  (Paulo César Pinheiro)

Uma era branca,
Pureza de moça,
Boneca de louça,
Que ninguém nos ouça,
Do queixo cair.
Outra era preta
Da cor do azeviche,
Boneca de piche,
Vudu de fetiche,
Moleca saci.
O moço, um caboclo
De sangue mestiço,
De olho mortiço,
Jogando feitiço
Nas moças dali.

A branca era filha
De nhô de fazenda
De gado e moenda,
De dote e de prenda
Pro moço servir.
A preta era cria
De eito e senzala,
Mucama de sala,
Daquela que embala
Sinhá pra dormir.
O moço era solto,
E, sem ter grande coisa,
Era moço de pose,
Viola de doze,
A cantar por aí.

A branca, uma noite,
Seguiu rio abaixo,
Com fogo no facho,
Sem nada por baixo
Do seu organdi.
A lua amarela,
De cana no tacho,
Mostrou, no riacho,
Presença de macho
Banhando-se ali.
Caiu seu vestido,
E o moço muchacho
Desmanchou-lhe o cacho,
E viu, rio abaixo,
Um sangue sair.

Depois foi a preta,
Com o fogo da raça
Queimando a carcaça,
Soltando fumaça
No seu frenesi.
Na beira do rio,
Emborcando a cabaça
De mel com cachaça,
Rolava devassa
Que nem sucuri.
E o moço na preta
Foi sentando praça,
Deixando outra graça,
No rio que passa,
De sangue a cobrir.

Depois nove-luas
Do fogo no cio,
Do sangue no rio,
Pulou, do baixio
Da branca, um guri.
Era um mameluco,
Mas de carapinha,
Cheirando a morrinha,
Puxado na linha
De Ganga-Zumbi.

Também nove-luas
Do sangue da preta,
Coisa do Capeta,
Grudado na teta
Tinha um bacuri.
Mas era um cafuzo,
Cheirando a cidreira,
Lisa cabeleira,
Da raça guerreira
Do sangue Tupi.

Brasil não tem raça,
Que raça não conta,
Tem gente que é tonta,
Que vive de afronta
Com as raças daqui.
Contei só uma estória,
Tem tanta já pronta,
Que, de ponta a ponta,
Quanto mais se conta
Mais tem pra se ouvir.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [2ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 10/09/2015. Paulo Sabino recita Um único pensamento, poema de Paul Éluard, em tradução de Carlos Drummond de Andrade & Manuel Bandeira.)

 

UM ÚNICO PENSAMENTO  (Paul Éluard / Tradução: Carlos Drummond de Andrade & Manuel Bandeira)

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jângales, no deserto
Nos ninhos e nas giestas
Nos ecos da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Em meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas no horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças regorgitantes
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
De meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes de meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade

A FOGUÊRA DE SÃO JOÃO — SARAU DE ANIVERSÁRIO
22 de junho de 2015

Sarau Largo das Neves_PEmP

São João_Fogueira
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Um convite a TODOS:

Para a 4ª edição do SARAU DO LARGO DAS NEVES, em SANTA TERESA (Rio de Janeiro), em frente ao BAR ALQUIMIA (percebe-se o bar pela movimentação das pessoas no largo), na quinta-feira dia 25 DE JUNHO, concentração às 19h, comemorando os 39 aninhos que completo no dia anterior ao do sarau, dia de são João Xangô menino, 24 de junho — viva são João! viva o milho verde! viva a refazenda!

(Vai ter bolo para o parabéns!)

Justamente por ser um sarau à época dos festejos juninos, preparei uma seleção, para a abertura do sarau, toda voltada ao são João, aos festejos em nome do santo. Abro com 6 autores: Patativa do Assaré; Décio Valente; Waly Salomão; Cecília Meireles; Noel Rosa; Roque Ferreira. 6 poemas todos com a temática do são João. Para o decorrer do evento, separei alguns outros poemas que ampliam a temática da festa para a sua ambiência: o interior, a roça, a vida simples & ordinária, ao mesmo tempo riquíssima & sofisticada, do campo: Thiago de Mello, Manoel de Barros, Cora Coralina, Adélia Prado, Manuel Bandeira, Paulo César Pinheiro, e mais o que pintar!

Queridos, saliento o fato de que NÃO SE TRATA de um sarau TEMÁTICO. NÃO. Estou me propondo a questão de recitar poemas juninos & de temática interiorana — para a abertura & algumas costuras no decorrer da noite — mas isso, de maneira nenhuma, é OBRIGATÓRIO para participar das leituras. O sarau continua aberto a TODO & QUALQUER TEMA. Sei que todos nós temos cotidianos agitados, cotidianos por vezes (inúmeras!) apressados, então não quero ninguém catando, feito louco, poemas de são João ou com temas do interior. Pelamor! Vamos relaxar, minha gente! Estamos aqui, antes de tudo & qualquer coisa, para GOZAR & SER FELIZ! Então: se quiser levar, se quiser procurar, se tiver em casa, se se lembrar, ótimo, venha com seus versos juninos e/ou interioranos. Se não quiser, não tiver, não lembrar, ótimo também, traga os versos de amor, de amizade, de solidariedade, de humor, de protesto, enfim, versos são sempre BEM-VINDOS!

A idéia, desta vez, é o sarau literalmente na praça do largo, pegando, emprestada, a energia do bar Alquimia, comandado pela querida amiga Denise Cunha, para o microfone & a caixa de som. Sairmos do bar & invadirmos a praça: com amor no coração, preparamos a invasão!

O sarau é organizado por mim & por uma turma de amigos imprescindível, que faz a coisa acontecer da maneira mais delicada & generosa! Obrigadíssimo, turma amada & idolatrada (salve salve!), por existir na minha vida!

No mais, o mesmo de sempre: vamos com a nossa alegria, o nosso sorriso, os nossos versos, a nossa vontade de ser feliz!

Recapitulando:

Sarau no largo das Neves (na frente do bar Alquimia), em Santa Teresa
Quinta-feira (25/06), a partir das 20h30
19h: concentração para uns drinques & um bate-papo animado
– Comemoração dos 39 aninhos deste que vos escreve

Poeme-se!
Eu & a turma organizadora aguardamos vocês!

Ilustrando esta publicação, deixo um poema, comovido, delicado, que integra a minha seleção para o sarau, sobre a noite alegre & rica, o lindo festejo & o santo sertanejo.

Beijo todos!
Paulo Sabino.

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(do livro: Melhores poemas. seleção: Cláudio Portella. autor: Patativa do Assaré. editora: Global.)

 

 

A FOGUÊRA DE SÃO JOÃO

 

Meu São João, meu São Joãozinho!
Quanto amô, quanto carinho,
Quanto afiado e padrinho
Nesta terra brasilêra
Não tem a gente arranjado,
No quilaro abençoado,
Tão belo e tão respeitado,
Da sua foguêra.

Meu querido e nobre santo,
Que a gente qué e ama tanto,
Sua foguêra é o encanto
Da gente do meu sertão.
Não pode sê carculada
A porva que vai queimada
Nessas noite festejada
Da foguêra de São João.

Quantos véio bacamarte
Virge, que nunca fez arte,
Não tão guardado de parte,
Com amô e devoção,
Mode o povo sertanejo
Com eles fazê trovejo,
No mais alegre festejo
Da foguêra de São João!

Pois quarqué arma ferina,
Bacamarte ou lazarina,
Já criminosa, assarsina,
Como é a do caçadô,
Não tem a capacidade
De atirá com liberdade
Na santa quilaridade
Desta foguêra de amô.

Meu São João! Meu bom São João!
Santo do meu coração,
Repare e preste tenção
Quanto é lindo o seu festejo.
Repare lá do infinito
Como isto tudo é bonito,
Sempre digo e tenho dito
Que o senhor é sertanejo!

O homem pode sê ruim
E tê mardade sem fim,
Vivê da intriga e moitim,
Socado na perdição,
Mas a farta mais grossêra,
Mais e feia e mais agorêra,
É de quem não faz foguêra
Na noite de São João.

No mundo tem tanta gente
Véia, já quage demente,
Que não sente o que nós sente
E desfruita por aqui,
Gente sem gosto e sem sorte,
Que já vai perto da morte,
Sem vê um São João do Norte,
Nas terras deste Brasí.

Quem veve lá na cidade
Não conhece de verdade
A maió felicidade,
Três cabôco empareiado,
Com seus bacamarte armado
Dá três tiro encarriado:
— Pei! Pei! Pei! Viva São João!

E o foguete e o buscapé,
E o traque faz rapapé,
Arvoroçando as muié,
Quando elas vai sê madrinha,
E a contente criançada,
Na mais doce gargaiada,
Vai puxando uma toada,
Brincando de cirandinha.

Nesta noite alegre e rica
O prazê se mutiprica,
Na latada de oiticida
Tudo dança com despacho.
O véio Jirome Guéde,
Que sacrifiço não mede,
Toca o que o povo lhe pede
Numa armonca de oito baxo.

Meu São João! Meu bom São João!
Chuvinha, tiro e balão
Nós lhe manda do sertão,
Do nosso grande país,
Damo viva a toda hora
Quando o bacamarte estora,
Dos santo lá da Gulora
O senhô é o mais feliz!

A cinza santa e sagrada
De sua foguêra amada,
Com fé no peito guardada
Quem tira um pôquinho dela
Despois que se apaga a brasa
E bota em roda da casa,
Na vida nunca se atrasa,
Se defende das mazela.

É tão grande, é tão imensa
A minha fé e minha crença,
Que se Deus me dé licença,
Quando eu morrê, vou levá
Grosso fêcho de madêra
De angico e de catinguêra,
Pra fazê uma foguêra
Lá no céu, quando eu chegá.

INDÍCIO: O PARADEIRO DO POETA
9 de dezembro de 2014

Coração_Árvore_Tronco

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na noite acesa de um luar certeiro, de um luar altaneiro, o paradeiro do poeta foi a velha mesa de onde foi presa, de onde foi a caça, quando aventureiro do primeiro amor que lhe deu tristeza.

de uma beleza de não ter parceiro, de uma beleza sem par, beleza ímpar, única, o candeeiro branco da princesa (candeeiro: no brasil colonial, chapéu de três pontas, também chamado tricórnio) causou surpresa, espanto, pasmo, ao poeta violeiro, que se deu inteiramente à boniteza da princesa & seu candeeiro branco.

sendo, o poeta, cavaleiro de sua princesa, alteza do seu reino amoroso, o poeta pôs, no tinteiro, a pena com firmeza, e, com presteza, foi o mensageiro de sua alteza, que é o seu amor.

findo, com delicadeza, o roteiro em versos, o poeta deixa, na velha mesa (de onde foi a presa, de onde foi a caça), um verso brasileiro que, no fim das contas, resulta em homenagem ao cancioneiro & à língua portuguesa.

pois, ainda que o poeta desejasse secreta a sua paixão por sua alteza, paixão nenhuma nunca foi secreta.

paixão nenhuma nunca foi secreta: tem sempre um rastro, um rabo, um indício, que vai ser achado. por mais oculta que ela tenha estado, nasce uma luz quando a paixão se projeta.

paixão nenhuma nunca foi secreta: no tronco velho da árvore, um coração cavado; dentro dele, a ponta de uma seta. um simples nome escrito ali, dentro ou próximo ao coração, completa o antigo indício de um apaixonado.

paixão nenhuma nunca foi secreta: tem sempre um rastro, um rabo, um indício, que vai ser achado. por mais que a alma queira ser discreta, o coração quer ser desmascarado: a luz da paixão, do amor, confunde o peito iluminado, iluminado pela luz de um candeeiro, pela luz de um lampião, que vai dentro.

o amor não deixa vida alguma quieta, sossegada: há sempre um arroubo, um desvario, um disparate, a ser cometido.

para o amor não há muitas escolhas: ou morre dele quem ficar calado, abafando-o, sufocando-o, reprimindo-o, ou vive dele quem virar poeta, confessando-o, declarando-o, louvando-o, em versos.

(paulo sabino escolheu viver dele.)

beijo todos!
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(do livro: Sonetos sentimentais pra violão e orquestra. autor: Paulo César Pinheiro. editora: 7Letras.)

 

 

PARADEIRO

 

Na noite acesa
De um luar certeiro
Meu paradeiro
Foi a velha mesa
De onde fui presa
Quando aventureiro
Do amor primeiro
Que me deu tristeza.

De uma beleza
De não ter parceiro
O candeeiro
Branco da Princesa
Causou surpresa
A esse violeiro
Que deu-se inteiro
À sua boniteza.

De Sua Alteza
Sendo cavaleiro
Pus no tinteiro
A pena com firmeza
E com presteza
Fui seu mensageiro.

Findo o roteiro
E com delicadeza
Deixo na mesa
Um verso brasileiro
Ao Cancioneiro
E à Língua Portuguesa.

 

 

INDÍCIO

 

No tronco velho um coração cavado
E dentro dele a ponta de uma seta.
Um simples nome escrito ali completa
O antigo indício de um apaixonado.

Paixão nenhuma nunca foi secreta.
Tem sempre um rastro que vai ser achado.
Por mais oculta que ela tenha estado
Nasce uma luz quando ela se projeta.

A luz confunde o peito iluminado.
Por mais que a alma queira ser discreta
O coração quer ser desmascarado.

O amor não deixa vida alguma quieta.
Ou morre dele quem ficar calado
Ou vive dele quem virar poeta.

CARTA DE AMOR
5 de abril de 2012

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não mexe comigo.
 
não mexe comigo, que eu não ando só.
 
eu não ando só. 
 
não mexe, não.
 
eu tenho zumbi dos palmares, tenho besouro (lenda da capoeira), o chefe dos tupis.
 
sou tupinambá.
 
tenho os erês, caboclo-boiadeiro, mãos-de-cura, morubixabas, cocares, arco-íris, zarabatanas, curare, flechas & altares.
 
tenho a velocidade da luz, o escuro da mata escura, o breu, o silêncio, a espera.
 
(o tempo sempre a meu favor.)
 
todos os pajés em minha companhia.
 
o menino deus brinca & dorme nos meus sonhos, o poeta (português) me contou.
 
não misturo. não me dobro.
 
rainha do mar anda de mãos dadas comigo. me ensina o baile das ondas & canta canta canta para mim.
 
é do ouro de oxum que é feita a armadura que guarda o meu corpo, garante meu sangue, minha garganta. o veneno do mal não acha passagem.
 
me sumo no vento. cavalgo no raio de iansã. giro o mundo. viro, reviro. vôo entre as estrelas.
 
vou além. me recolho no esplendor das nebulosas, descanso nos vales, montanhas, durmo na forja de ogum guerreiro.
 
rezo com as três marias no céu.
 
mergulho no calor da lava dos vulcões: corpo vivo de xangô.
 
não ando no breu nem ando na treva.
 
medo não me alcança.
 
no deserto (sozinho, apenas comigo mesmo) me acho.
 
faço cobra morder o rabo. faço escorpião virar pirilampo. 
 
fulminar aquele que é injusto, aquele que maltrata, aquele que transforma a vida nas mazelas a que assistimos no dia-a-dia: 
 
tu, pessoa nefasta! 
 
(eu não provo do seu fel, eu não piso o seu chão, e para onde você for, pessoa nefasta, não leva meu nome, não.)
 
onde vai, “valente”?…
 
você, pessoa nefasta, secou. seus olhos insones secaram. seus olhos não vêem brotar a relva que cresce livre & verde, longe da sua cegueira. seus ouvidos se fecharam a qualquer som. o próprio umbigo é a única coisa que interessa. 
 
tu, pessoa nefasta, estás tão mirrada, que nem o diabo te ambiciona: não tens alma. tu, pessoa nefasta, pessoa que corrompe a vida, pessoa que coloca na boca dos seus semelhantes o gosto de terra & sangue, és o oco do oco do oco do “sem fim” do mundo. um nada.
 
(o que é teu, pessoa nefasta, já está guardado. não sou eu quem vou te dar. é a vida & sua reviravolta ante tantos maus tratos propagados por ti. trata-se da lei da ação & re-ação.)
 
eu posso engolir você, pessoa nefasta, só para cuspir depois.
 
minha fome é matéria que você não alcança: desde o leite do peito de minha mãe, mulher sempre linda & benvinda, até o sem fim dos versos versos versos que brotam no poeta, versos versos versos que brotam em toda poesia.
 
se choro, e quando choro & minha lágrima cai, é para regar o capim que alimenta a vida. chorando, eu refaço as nascentes que você, pessoa nefasta, secou.
 
se desejo, o meu desejo faz subir marés de sal & sortilégio.
 
vivo de cara para o vento. na chuva. e quero me molhar.
 
sou como a haste fina: qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta.
 
não mexe comigo.
 
não mexe comigo, que eu não ando só.
 
eu não ando só. 
 
não mexe, não.
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(Aos senhores, uma das faixas do novo trabalho de Maria Bethânia, diva maior da minha vida, canção do SOFISTICADO poeta-compositor Paulo César Pinheiro & texto — narrado por entre os versos da canção — da própria Bethânia. Esta é a primeira vez que a artista grava, em disco, um texto de sua própria autoria.
 
Me impressiona, sempre & muito, o quanto me vejo traduzido por Bethânia.
 
Deliciem-se com este mimo!
 
Beijo todos!
Paulo Sabino.)
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(do site: Youtube. canção extraída do álbum: Oásis de Bethânia. artista: Maria Bethânia. gravadora: Biscoito Fino. canção: Carta de amor. autor da canção: Paulo César Pinheiro. autora do texto narrado: Maria Bethânia.)
 

RAINHA DO MAR – IEMANJÁ
2 de fevereiro de 2011

Sereias_Uruguay
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dia 2 de fevereiro é dia de iemanjá, que, segundo a mitologia afro-brasileira, é a rainha do mar.

rainha do meu bem maior, rainha do elemento natural que mais me comove, que mais me espanta, que mais me fascina.

o mar, para mim, é, de fato, um útero às vistas, tamanha riqueza imersa em suas águas.

portanto, em homenagem ao dia da rainha do mar, um poema-canção, lindíssimo, que descreve os hábitos daquela que vive nas profundezas marítimas: seus nomes, seus gostos, as razões do seu canto & do seu choro, a maneira correta de saudá-la.

salvem as águas!

salve o mar!

salvem os seus mistérios, profundos!

salve iemanjá, a rainha do meu amante maior!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do encarte do cd: Mar de Sophia. artista: Maria Bethânia. autor dos versos: Paulo César Pinheiro. gravadora: Biscoito Fino.)

 

 

IEMANJÁ RAINHA DO MAR

 

Quanto nome tem a Rainha do Mar?
Quanto nome tem a Rainha do Mar?

Dandalunda, Janaína,
Marabô, Princesa de Aiocá,
Inaê, Sereia, Mucunã,
Maria, Dona Iemanjá.

Onde ela vive?
Onde ela mora?

Nas águas,
Na loca de pedra,
Num palácio encantado,
No fundo do mar.

O que ela gosta?
O que ela adora?

Perfume,
Flor, espelho e pente
Toda sorte de presente
Pra ela se enfeitar.

Como se saúda a Rainha do Mar?
Como se saúda a Rainha do Mar?

Alodê, Odofiaba,
Minha-mãe, Mãe-d’água,
Odoyá!

Qual é seu dia,
Nossa Senhora?

É dia dois de fevereiro
Quando na beira da praia
Eu vou me abençoar.

O que ela canta?
Por que ela chora?

Só canta cantiga bonita
Chora quando fica aflita
Se você chorar.

Quem é que já viu a Rainha do Mar?
Quem é que já viu a Rainha do Mar?

Pescador e marinheiro,
Quem escuta a Sereia cantar.
É com o povo que é praieiro
Que Dona Iemanjá quer se casar.
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Mar de Sophia. artista & intérprete: Maria Bethânia. canção: Iemanjá Rainha do Mar. música: Pedro Amorim. versos: Paulo César Pinheiro. gravadora: Biscoito Fino.)