NÉLIDA PIÑON ENTREVISTA PAULO SABINO — PROGRAMA PRÓXIMA PÁGINA
30 de novembro de 2017

(Paulo Sabino e Nélida Piñon preparando-se para a gravação)

(No Espaço Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras)

(Passeando com Nélida pela Academia Brasileira de Letras)

(No teatro Raimundo Magalhães Júnior, da Academia Brasileira de Letras)

(Paulo Sabino e Nélida Piñon com a talentosa e querida equipe do programa Próxima Página)
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Meu coração não contenta! Imagine-se recebendo uma ligação em que a pessoa do outro lado da linha te convida pra participar de um programa de entrevistas cuja dinâmica é a seguinte: o entrevistado de um episódio vira o entrevistador do próximo episódio. Pois bem, o convite foi pra que eu fosse o entrevistado. Querem saber quem foi a minha entrevistadora? É só olhar as fotos que seguem… Sim sim sim, fui entrevistado pela grande dama da literatura brasileira Nélida Piñon!

A nova série audiovisual da MultiRio, empresa de mídia educativa e cultural do município do Rio de Janeiro, reúne personagens, como a escritora Nélida Piñon, em torno de um tema comum: a paixão pelos livros. Para o programa, intitulado “Próxima página”, eu tive o grande prazer de ser entrevistado por ela, pela grande dama da literatura, na sua “casa”, a Academia Brasileira de Letras (ABL). Uma alegria e uma honra! Os programas mostram bate-papos entre pessoas apaixonadas pela literatura e que trazem à tona as diversas maneiras de entrar nesse mundo e vivenciar a leitura. O lançamento da nova produção aconteceu agorinha, neste final de novembro.

No programa, falo sobre a minha origem poética, os primeiros passos, sobre a nossa formação cultural e lingüística, sobre Machado de Assis, sobre Paulo Leminski, sobre Luis Turiba, sobre Maria Bethânia, sobre Fernando Pessoa, sobre Castro Alves, sobre o meu projeto “Ocupação Poética” e muitas outras coisas. 12 minutinhos, assistam porque tá muito bacana! Uma alegria que levarei para sempre porque não é todo dia que conto com uma entrevistadora deste quilate!

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. programa: Próxima Página. Nélida Piñon entrevista Paulo Sabino. local: Academia Brasileira de Letras — ABL. direção: Denise Moraes. produção e realização: MultiRio.)

 

ARS POÉTICA   (autor: Paulo Sabino)

 

 

marcar o papel a palavra
fogo
coisa que queime,
que permita combustão

rasgar a folha a metáfora
faca
coisa que corte,
que sangre emoção

lamber a linha a imagem
língua
coisa que arrepie,
que concentre tesão

molhar o branco a figura
água
coisa que inunde,
que contemple imensidão

O OBJETO DO MEU MAIS DESESPERADO DESEJO
11 de março de 2013

Entardecer em Ipanema, Rio de Janeiro

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objeto do meu mais desesperado desejo, não seja aquilo por quem ardo & não vejo. não.

objeto do meu mais desesperado desejo, seja aquilo por quem ardo & vejo, e toco, e alcanço:

objeto do meu mais desesperado desejo, seja a estrela que me beija, seja a luz que vem de encontro, objeto do meu mais desesperado desejo, o oriente que me reja (tudo o que há de belo & sábio nas culturas orientais: a apreciação do silêncio; a observação do mínimo, do micro; a observação do micro que acaba nos levando ao macro, ao que é universal, ao que é maior; as técnicas de concentração & esvaziamento da mente), que me reja tudo aquilo que me oriente ao azul (do céu, do mar), que me reja tudo aquilo que me oriente ao amor (pelos meus amigos, pelo meu amante), que me reja tudo aquilo que me oriente à beleza (da flor, da cor, do sorriso).

faça qualquer coisa, contanto que você — a estrela que me beija, oriente que me reja — seja o meu amor em qualquer coisa que faça.

faça qualquer coisa, mas pelo amor de deus, mas por favor, seja — o meu amor.

faça qualquer coisa, mas pelo amor de deus, pelo amor da — suposta — força que nos criou, ou, ao menos, se não pelo amor de deus, se não pelo amor da — suposta — força que nos criou, pelo amor de nós dois, majestades de tão nobre sentimento, seja (o meu amor: a estrela que me beija, oriente que me reja).

(que assim suceda: sorte & sucesso, sobretudo.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Toda poesia. autor: Paulo Leminski. editora: Companhia das Letras.)

 

objeto
do meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo

seja a estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza

faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
seja 

ESTE AQUÉM: O ALÉM A QUEM INTERESSAR POSSA
31 de maio de 2011

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antigamente, se morria, versejou o poeta.
 
antigamente, segundo o poeta, morria-se praticamente de tudo: bastava um susto, um lenço no vento, um suspiro, e pronto, lá se iam mais defuntos à terra dos pés juntos.
 
antigamente, dizem os versos, morrer era um tipo de festa, uma das coisas da vida, como ser ou não ser convidado. pela morte, o escândalo era de praxe. mas os danos (à alma) eram pequenos. sempre alguém tinha uma frase que deixava aquilo “mais ou menos”: “descansou”. “partiu”. “deus o tenha”.
 
afinal, a vida é um “upa”, é a vida um “opa”, a vida é um “já foi”, a vida é um “qual é”.
 
porém, agora, confabulam as linhas, a morte está difícil. agora a morte tem limites: tem recursos, tem asilos, tem remédios.
 
hoje, a morte está difícil, declara o poeta.
 
tanto é que a ciência da eternidade, a ciência que almeja o prolongar sem fim da vida, essa ciência inventou a criônica (segundo o dicionário houaiss, “técnica de congelamento de pessoas, imediatamente após sua morte, na esperança de trazê-las de volta à vida quando for descoberta a cura da doença que as vitimou”).
 
com tanta tecnologia para a humanidade livrar-se da morte, hoje, sim, pessoal, a vida é “crônica” (atenção ao sentido múltiplo da palavra “crônica”).
 
mas a morte, que é o desembarque derradeiro, a morte, que é o fim da viagem, a morte: quem a quer?
 
(ninguém quer a morte! só saúde & sorte!)
 
a morte é o início de um estado eterno.
 
de lá, até onde se sabe, ninguém volta.
 
nós, do lado de “cá”, do lado da vida.
 
nós, do lado de “cá”, a morte, do lado de “lá”.
 
a morte: um além sem pressa, pois que um “além eterno”.
 
a quem interessa esse além sem pressa?
 
se morrer é ir para o “além”, é ir para além do chão, se morrer é ir a um “além-acima”, a mim interessa, a/penas, este “áquem”, a mim interessa, unica/mente, este “abaixo” em que vivo & existo, a mim só interessa esta realidade mundana, feita de carne & osso, e pedra & água & folha & bicho & gente & céu.
 
este aquém: o “além” a quem possa interessar.
 
este aquém é o único que nos leva “além”: é neste “aquém” que: descobertas, constatações, dúvidas, medos, pesares, maravilhas, alegrias, vontades. está neste “aquém” a nossa possibilidade de alcançar horizontes, está neste “aquém” a nossa possibilidade de ir “além”.
 
este aquém: o além a quem interessar possa.
 
a mim muito interessa!
 
por isso, lá vou eu, gesto no movimento:
 
quando chove, eu chovo. faz sol, eu faço. de manhã, amanheço. de noite, anoiteço.
 
daqui (de mim) me vejo: lá vou eu, gesticulação, meneio, lá vou eu, ação no movimento.
 
e é justamente no “agir”, e é justamente na realização do gesto, que o gesto é gestado.
 
gesto (elaboro, penso, preparo) o gesto (a gesticulação, o ato, a ação) no movimento.
 
lá vou eu:
 
a quem interessar possa, o meu interesse pela poesia, o meu interesse pela página que gesta a poesia. 
 
lá vou eu: 
 
a quem interessar possa, textos & textos & textos de belezas incontáveis, incomensuráveis, em verso & prosa.
 
textos textos textos: malditas (malditas muito benditas, malditas muito benvindas) placas fenícias (aos fenícios, povo da antiguidade, é atribuída a invenção do alfabeto fonético), placas que, no fim das contas, nos trouxeram, tantos os caminhos tortuosos & tantas as errâncias & acasos, até aqui, placas fenícias que nos trouxeram até esta linguagem & até estes textos que hoje lemos, textos textos textos que deixam a mente torta de malícias, entortada de percepções, torta de espertezas — ser o lobo do lobo do homem —, e torta de ciscos, de partículas que tornam piscos os olhos, olhos que, vezenquando, tantos os ciscos, não conseguem enxergar muito bem.
 
textos textos textos: como deixam a mente “torta” de malícias, como deixam a mente um “bolo recheado” de malícias, como deixam a mente um “bolo confeitado” de perversões, como deixam a mente torta de “ciscos” (que seria o ato, a ação, de “ciscar” aqui & ali, a ação de “ciscar” em quintais & terrenos os mais variados)!…
 
textos textos textos: um bom texto poético, um bom poema, leva anos de maturação, anos de experiências, anos de vivências na bagagem “de mão”.
 
um bom poema leva anos praticando esporte, estudando, carregando pedra, namorando a vizinha, ou o vizinho, ou os dois (rs), um bom poema leva anos levando porrada, andando sozinho.
 
um bom poema exige muito, um bom poema exige o mundo, e o tempo todo.
 
e exige todo o tempo porque um bom poema custa uma eternidade caminhando junto; caminhando junto, lado a lado, folha a folha, letra a letra, vida a vida: o poema & o poeta.
 
poesia: a liberdade da minha linguagem.
poesia: o além a quem interessar possa.
 
beijo todos!
paulo sabino. 
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(do livro: La vie en close. autor: Paulo Leminski. editora: Brasiliense.)
 
 
O QUE PASSOU, PASSOU?
 
Antigamente, se morria.
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.
Tinha coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que tem que morrer,
tinha coisas que tem que matar.
A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
deixar tudo para os filhos
e virar fotografia?
Ninguém vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Mas ninguém tem culpa.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Não tem o que reclamar.
Agora, vamos ao testamento.
Hoje, a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.
 
 
 
 
a quem
interessa
esse
além
sem
pressa
?
 
a mim
este
aquém
 
o
além
a
quem
interessar
possa
 
 
 
PROFISSÃO DE FEBRE
 
quando chove,
eu chovo,
faz sol,
eu faço,
de noite,
anoiteço,
tem deus,
eu rezo,
não tem,
esqueço,
chove de novo,
de novo, chovo,
assobio no vento,
daqui me vejo,
lá vou eu,
gesto no movimento
 
 
 
TEXTOS TEXTOS TEXTOS
malditas placas fenícias
cobertas de riscos rabiscos
como me deixastes os olhos piscos
a mente torta de malícias
ciscos
 
 
 
um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
 
 
 
LIMITES AO LÉU
 
POESIA: “words set to music” (Dante
via Pound), “uma viagem ao
desconhecido” (Maiakóvski), “cernes e
medulas” (Ezra Pound), “a fala do
infalável” (Goethe), “linguagem
voltada para a sua própria
materialidade” (Jákobson),
“permanente hesitação entre som e
sentido” (Paul Válery), “fundação do
ser mediante a palavra” (Heidegger),
“a religião original da humanidade”
(Novalis), “as melhores palavras na
melhor ordem” (Coleridge), “emoção
relembrada na tranqüilidade”
(Wordsworth), “ciência e paixão”
(Alfred de Vigny), “se faz com
palavras, não com idéias” (Mallarmé),
“música que se faz com idéias”
(Ricardo Reis/Fernando Pessoa), “um
fingimento deveras” (Fernando
Pessoa), “criticism of life” (Mathew 
Arnold), “palavra-coisa” (Sartre),
“linguagem em estado de pureza
selvagem” (Octavio Paz), “poetry is to
inspire” (Bob Dylan), “design de
linguagem” (Décio Pignatari), “lo
imposible hecho posible” (García
Lorca), “aquilo que se perde na
tradução” (Robert Frost), “a liberdade
da minha linguagem” (Paulo
Leminski)…  

 

CONFISSÃO
24 de setembro de 2010

a vocês,
 
belíssima confissão poética, onde o meu (talentosíssimo) poeta das alagoas, adriano nunes, mostra que as diferenças podem & devem ser complementárias, inda mais se tratando de poesia.
 
uma coisa que não canso de proferir (digo & repito aos quatro ventos) é que:
 
belezas não nasceram para exclusão, nasceram para complementaridade
 
sinto que a poesia, os poetas e os leitores só têm a ganhar com as singularidades de cada voz poética.
 
percebo que me torno melhor sendo o eco de tantas vozes divergentes; acumulo saberes.
 
detesto enquadramentos. 
abomino rótulos.
não suporto classificações. 
 
sinto-me fora de tudo: fora de esquadro, fora de foco, fora do centro. o trabalho que desempenho não tem nome, não pede enquadramento, rótulo ou classificação.
 
por isso absorvo tantos vates, sem pré-conceitos. acima de tudo, o que busco é autenticidade. e a autenticidade, senhores, pode ser encontrada em qualquer livro-ambiente. basta o ser: autêntico. 
 
essa “libertinagem literária” (rs), que apoio inquestionavelmente, está presente nas linhas que seguem.
 
nos versos, o poeta revela ao leitor algumas importantes influências literárias suas, as mais díspares (e eu ADORO!):
 
engole ferreira gullar, dorme com carlos drummond, e, tamanha “libertinagem” (rs), é uma pessoa ligada em pessoa (no fernando) e, como o bardo português, repleto de pessoas na pessoa.
 
e continua poemafora:
 
andando a pé (o pé com a dor), pecador de ofício, segue dando bandeira ao lado do manuel. na visão, dois campos (o augusto e o haroldo). na razão, os mil anjos de rilke. às quintas, mário quintana & sua companhia.
 
(uma pausa para verificações: que sabe mais o poeta de si se tudo o que de si sabe está envolto em poesia?) 
 
prossegue, fazendo um divertido jogo poético com a gênese que resultou no que hoje denominamos “brasil”: citação ao descobridor do país, pedro álvares cabral, que, nos versos, acaba por ser descoberto (rs), ao responsável pelo primeiro texto literário de que se tem notícia em terras brasileiras, que é a carta de pero vaz de caminha (famoso escrivão da esquadra de pedro álvares cabral), na qual descreve o seu deslumbramento ante o mundo novo que se descortinava ao seu olhar, e citação ao padre antônio vieira, jesuíta que viveu no brasil no século 17, famoso por seus satíricos sermões contra determinadas práticas da sua época, sermões de suma relevância para a literatura barroca brasileira & portuguesa. 
 
de repente as linhas dão um salto para os modernos: e waly sailormoon?, onde está o navegante luarento? e adélia, será que junto ao seu: prado? e piva, o roberto, o poeta de paranóias da paulicéia desvairada, cadê?
 
são tantos os responsáveis pelo emaranhado de versos… a quem dedicá-los? a circe, a “feiticeira das odisséias”?, ou a cecília, a “poeta das canções”?   
 
ao final, a constatação de que ficam muitos (tantos & tantos & tantos outros) poetas apenas no pensamento e na intenção, à margem desta confissão, e a ressalva, confessando ao último mestre citado, o grande paulo leminski, que lamenta por todos os outros não citados.
 
toda homenagem é um tanto “desfalcada”, um tanto “incompleta”, deixa sempre algo de fora. porém, o fato de deixar, sempre, algo de fora não a torna menos bonita, delicada & inspiradora.  
 
deliciem-se com esta belíssima confissão, ventada das alagoas e devidamente pousada neste espaço!
 
beijo em todos!
um outro, especialíssimo, no meu querido poeta adriano nunes!   
 
o preto,
paulo sabino / paulinho. 
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(do blogue: QUEFAÇOCOMOQUENÃOFAÇO. de: Adriano Nunes.)
 
 
CONFISSÃO  (autor: Adriano Nunes)
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engulo gullar
durmo com drummond
sou uma pessoa
ando muito a pé
pecador de ofício
dou tanta bandeira
na visão, dois campos
na razão, mil anjos
às quintas, quintana
que sei mais de mim?
descubro cabral
conto pra caminha
confesso a vieira
onde está waly?
no ar? nos túneis? nada!
eu, nunca? nem ela,
minha piva, adélia.
pra circe ou cecília?
os outros, os outros…
lamento, leminski!

APRENDIZAGEM
22 de março de 2010

prezados,
 
no poema abaixo, uma lição aprendida por mim:
 
palavra: feita de substância excêntrica, exótica, intrigante, pois que compacta, maciça, espessa a sua carne, digo: concreta (ao avistá-la no branco do papel), ao mesmo tempo em que é porosa, ventilada, esponjosa, digo: flexível, vaporosa, ao se pensar que, apesar da concretude, quando disposta na folha, os seus significados dançam, soltos, no ar da página. não há olho que dê conta de “abocanhar” todo o cardápio de achados — todas as metáforas e imagens possíveis — oferecido pelo sarcocárpio — pela polpa — duma palavra, visto as tantas maneiras de se interpretar um único texto, os diferentes tesouros poéticos desencavados pelos mais variados tipos de olhar.
 
(portanto, a ciência de que este espaço, o “prosa em poema”, propõe-se a desnudar um tanto do que o MEU olhar enxerga & capta nas linhas que me emocionam. não há a pretensão de dizer o que dizem as linhas. isso seria um despautério vindo de mim. não. o que quero, o que desejo, e faço, é compartilhar um tanto da minha visão. e só.) 
 
estes versos são dedicados a alguns bambas da palavra na minha existência (em ordem alfabética, não de importância. a de importância, em mim, inexiste):
 
antonio cicero
armando freitas filho
arnaldo antunes
caetano veloso
carlito azevedo
carlos drummond de andrade
clarice lispector
eucanaã ferraz
paulo leminski
waly salomão
 
um beijo em vocês!
o preto.
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APRENDIZAGEM  (autor: Paulo Sabino.)
 
Lição  aprendida:
palavra:
coisa  estranha
sua  carne
compacta
espessa
maciça e
ao  mesmo  tempo
porosa
ventilada
esponjosa
—  matéria  excêntrica  —
 
Não  há  modo  de
averiguar
constatar
dimensionar
o  que  encerra
seu  sarcocárpio
(cujo  cardápio
de  achados
não  se  abre
por  completo
a  nenhum  olho)
tantos  os  significados
soltos
no  ar
da  página

O NÁUFRAGO NÁUGRAFO
16 de novembro de 2009

navegantes,
 
o poema abaixo é um dos que intitulo como “da minha vida”. desde que o li e o fisguei, tenho-o como grande mote para o que me proponho com as palavras: captar o máximo de significados que elas possam me fornecer. o título das linhas sugere essa busca: “náufrago náugrafo”.
 
náufrago é o indivíduo que se afunda, que caminha para as profundezas do mar. logo, o “náugrafo” nada mais é do que o “náufrago da grafia”, isto é: “náugrafo” é aquele que se propõe a ir fundo nas linhas, a ir fundo na grafia, na escrita, é o indivíduo que se dispõe a soçobrar nos significados, nas entrelinhas que se desdobram dos textos, não importanto se prosa ou poesia.
 
genialmente, paulo leminski, um dos meus grandes mestres, poeta por quem possuo a mais alta afinidade, cria um neologismo ao trocar de posição duas letras da palavra que o origina: náufrago “náugrafo”.
 
sabiamente, utiliza sua observação da palavra “atlântico” para falar do homem que funda nas funduras do ser o seu mundo e a sua lei.      
 
isto, senhores, é o que almejo de mim: ser, sempre, um náufrago náugrafo, o náufrago da grafia, o homem que vai fundo, que vai nas profundezas deste oceano de palavras que me faz e refaz, num molde à deriva de tudo e de todos.
 
paulo sabino: homem que se deseja lento, vago e profundo, feito o oceano: a—tlââââântico… 
 
contemplem esta arquitetura em versos, vale a mirada!
 
beijo em vocês, senhores.
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: distraídos venceremos. autor: paulo leminski. editora: brasiliense.)
 
 
O NÁUFRAGO NÁUGRAFO
 
      a letra A a
funda no A
      tlântico
e pacífico com
      templo a luta
entre a rápida letra
      e o oceano
lento
 
      assim
fundo e me afundo
      de todos os náufragos
náugrafo
      o náufrago
mais
      profundo

PROEMA = PROSA EM POEMA
16 de novembro de 2009

pessoas,
 
uma das razões para que este espaço tenha o nome que tem se deve a existência destes versos. 
 
“prosa em poema” é o título que cabe à minha proposta: a de clarificar por que as linhas escolhidas me tocam, me sensibilizam. os meus textos tentam desnudar a razão de ser disto tudo na minha existência. portanto, é uma espécie de diálogo, de prosa, que travo com as linhas, com os textos e poemas postados; é a prosa que enxergo nos versos, o diálogo que desenvolvo com eles.
 
[proema = prosa + poema = prosa em poema]
 
poesia comunica, significa, por mais hermética, encerrada em si. pois que: verde, o sinal vermelho: isto é: o sinal que (a)parece fechado, sinal de impedimento, vermelho, na verdade, está aberto, está verde, visto que a poesia se propõe sempre às brechas, se dispõe sempre a um diálogo, a uma conversa, a uma prosa, com o seu leitor.  
 
beijo bom em todos.
o preto.
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(do livro: distraídos venceremos. autor: paulo leminski. editora: brasiliense.)
 
PROEMA
 
      Não há verso,
tudo é prosa,
      passos de luz
num espelho,
      verso, ilusão
de ótica,
      verde,
o sinal vermelho.
 
      Coisa
feita de brisa,
      de mágoa
e de calmaria,
      dentro 
de um tal poema,
      qual poesia
pousaria?