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(do site: Youtube. autor: Arnaldo Antunes.)
ISTO NÃO É UM POEMA
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(do site: Youtube. autor: Arnaldo Antunes.)
ISTO NÃO É UM POEMA
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Este poema eu fiz pensando em todas as pessoas que fazem do seu corpo o seu território, a sua bandeira — porque sabemos que o corpo também é político.
Às pessoas que moldam e enfeitam ao seu bel-prazer este veículo que nos leva à vida: o corpo, esta carcaça de carne, sangue, osso e aparências.
Meu corpo, minha regra.
Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(Maria Ceiça)
(Zezé Motta)
(Flávia Oliveira)
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Aos interessados, 3 vídeos da 4ª edição do projeto “Ocupação Poética”, ocorrido no dia 3 de maio (terça-feira), no teatro Cândido Mendes (Ipanema – RJ), com a participação de um elenco estelar: Geraldo Carneiro, Maíra Freitas, Elisa Lucinda, Zezé Motta, Maria Ceiça, Dani Ornellas, Flávia Oliveira, Wagner Cinelli, Ju Colombo, Maria Gal & Tom Farias.
Nos vídeos desta publicação, leituras dos trechos do livro “Barras, vilas & amores”, do homenageado da noite, o sempre simpático cantor, compositor & escritor Martinho da Vila: no primeiro vídeo, gravado, montado, editado & produzido pelo querido músico, produtor & videomaker Felipe Fernandes (ficou lindo o vídeo, diferentemente dos demais que posto aqui, feitos com a câmera de um celular), a atriz Maria Ceiça lê um trecho do livro em homenagem à Barra da Tijuca, onde atualmente mora o Martinho & que ele chama de sua mais nova namorada; no segundo vídeo, a grande diva Zezé Motta lê um trecho do livro sobre as lutas pelo fim da escravidão/opressão sofrida pelos negros & as lutas pelo fim do racismo, cantando, inclusive, “O mestre-sala dos mares”, de Aldir Blanc & João Bosco; no terceiro vídeo, a jornalista Flávia Oliveira lê um trecho do livro sobre políticas brasileiras de inclusão social, trecho no qual a jornalista & colunista é citada.
Portanto, aos interessados, 3 assuntos que são caros ao Martinho da Vila: a sua nova namorada, a Barra da Tijuca; as lutas pelo fim da escravidão/opressão contra os negros & pelo fim do racismo; e as políticas de inclusão social do Brasil.
Mais vídeos chegarão!
Divirtam-se!
Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [4ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 03/05/2016. Maria Ceiça lê um trecho do livro Barras, vilas & amores, de Martinho da Vila.)
Ela é bonita, muito linda mesmo.
A primeira vez que a vi era ainda muito jovem, quase
virgem. Uma fruta verdinha em todos os sentidos.
Seu verde calmo se confundia com o azul de um imenso
mar. Hoje está mais madura, imponente como uma
égua de competição.
Vista de cima, de asa delta, de monomotor, parapente…
É deslumbrante. Um avião.
Paquerei sem sonhar, pensando: “É muita areia para o meu caminhãozinho”.
A brisa da sorte, aquela que sopra sempre para o lado
dos poetas, me ventilou e tive a ventura de conhecê-la.
Devagarinho fui me achegando. Flertamos.
Descobri seus outros encantos, seus recantos…
Deixei-me levar nas suas águas e estamos namorando,
bem enamorados.
É certo que vou me apaixonar porque ela é bela, segura,
dominante.
Não é Duas Barras, mas é calma. Não tem vila como a
Vila, mas é tranquila.
Não tem muvuca, tem point. É a Barra da Tijuca.
A Barra, como é conhecida popularmente, é um bairro nobre localizado na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Seus moradores pertencem a uma classe privilegiada. É um bairro considerado centro gastronômico e de entretenimento da capital, e muitas pessoas de outros bairros cariocas, em especial da zona sul, têm migrado para lá. A Barra possui uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, a Rocinha, e é também reconhecida como uma área com alto índice de desenvolvimento humano (IDH), por abrigar população de classe alta e emergente. Possui também a praia mais extensa do Rio de Janeiro, com 18 km de belas areias com águas limpas. Fica ali a lagoa de Marapendi, transformada em Área de Proteção Ambiental a Reserva Biológica.
Um dos pontos mais pitorescos da Barra da Tijuca é a ilha da Gigoia, uma ilhota desconhecida pela maioria dos cariocas, habitada por gente simples. Sem ruas nem carros, todo o percurso é feito por vielas, e é possível cruzá-la em uma caminhada de cerca de meia hora. O acesso à ilha é feito por barcos e pequenas balsas.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [4ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 03/05/2016. Zezé Motta lê um trecho do livro Barras, vilas & amores, de Martinho da Vila.)
Adib tinha total razão, queridos leitores, quando disse ao “afilhado” Josuel que a transferência da capital para o Planalto Central, um plano antigo, foi um erro. Nos anos 1950 a aviação de combate e defesa já era primordial, e o perigo passou a ser dos ares. Seria justificável no tempo do Brasil Imperial, quando havia guerras de conquista e os invasores chegavam pelo mar.
A ideia da transferência ganhou força em 1910, ano em que o marinheiro João Cândido tomou a armada brasileira e ameaçou bombardear a cidade em protesto contra o açoite a marinheiros negros no pós-abolição. O episódio, conhecido como a revolta da Chibata, que eu prefiro chamar de revolta da Armada, sempre foi assunto proibido, mas o combativo jornalista e escritor Edmar Morel escreveu, em 1959, um livro sobre o fato que também serviu de inspiração para um antológico samba de João Bosco e Aldir Blanc, poeticamente composto com o subterfúgio da linguagem figurada para driblar a censura:
Há muito tempo nas águas
Da Guanabara
O dragão no mar reapareceu
Na figura de um bravo
Feiticeiro
A quem a história
Não esqueceu
Conhecido como
Navegante negro
Tinha a dignidade de um
Mestre-sala
E ao acenar pelo mar
Na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por
Batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam
Das costas
Dos santos entre cantos
E chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro
Gritava então
Glória aos piratas, às
mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça
Às baleias
Glórias a todas as lutas
Inglórias
Que através da
Nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
O almirante João Cândido é símbolo das lutas dos militantes do Movimento Negro, iniciado com Ganga Zumba, fundador do Quilombo dos Palmares que acolhia escravos fugitivos perseguidos pelos capitães do mato. Zumbi, o Guerreiro da Liberdade, substituiu Ganga Zumba na chefia do quilombo e o expandiu, recrutando mulheres e brancos injustiçados para intensificar as incursões a fazendas para libertar escravos.
O Quilombo dos Palmares era praticamente um estado independente na serra da Barriga, entre Pernambuco e Alagoas. Os quilombolas de Palmares viviam basicamente da agricultura de subsistência, da pesca e da caça. Plantavam milho, banana, feijão, mandioca, laranja e cana-de-açúcar. Faziam também artesanato com cerâmica, tecido, palha… Tinha uma organização política semelhante aos reinos africanos, ou seja, poder centralizado nas mãos de um líder.
Segundo os dicionários, zumbis são almas penadas que vagueiam à noite, causando arrepios e, na minha concepção, a definição é devida ao medo que os fazendeiros escravagistas tinham de Zumbi dos Palmares, líder que na calada da noite invadia propriedades e arregimentava cativos.
No Rio de Janeiro e em alguns outros municípios, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, ou Dia de Zumbi, é feriado.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [4ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 03/05/2016. Flávia Oliveira lê um trecho do livro Barras, vilas & amores, de Martinho da Vila.)
Uma importante fase da luta foi a agressão verbal, cujo ícone Abdias Nascimento representou. Doutor em economia, escritor, jornalista, artista plástico, ator, diretor teatral e dramaturgo, Abdias foi o primeiro negro a assumir uma cadeira no Senado, onde causava constrangimento ao acusar a República brasileira de discriminatória, porque nas fotos de posses dos governantes não se veem negros.
Tinha total razão o combatente Abdias. Hoje mesmo — escrevo no primeiro dia do ano de 2015 — saiu nos jornais a foto dos ministros do governo da presidente Dilma, e não vi nenhum preto.
A jornalista Flávia Oliveira escreveu em sua coluna de O Globo, na edição de 4 de janeiro, uma crônica intitulada “Mal na foto”, que em certo trecho declara:
Difícil acreditar que não existam no país um engenheiro negro de pensamento ortodoxo, currículo assemelhado ao de Joaquim Levy, para conduzir a Fazenda pelos caminhos do tripé macroeconômico que Dilma abraçou no discurso de posse. Ou que não haja uma brasileira doutora em economia por universidade americana, como Alexandre Tombini, para assumir o Banco Central. Ou uma médica capacitada em gestão e planejamento para, como Arthur Chioro, comandar o ministério da Saúde. Certamente, o Brasil tem gays, negros e mulheres formados em direito, com mandato na Câmara Municipal, cargo executivo em empresa pública e experiência em assessoria parlamentar para estar à frente dos Transportes, cargo de Antônio Carlos Rodrigues.
(…)
Querido leitor ou leitora!
Se você é contra as ações afirmativas para a inclusão social, como sistema de cotas raciais, aqui vai um dado para pensar. O jornal O Dia de 26 de abril de 2015, no caderno Economia, na Coluna do Servidor, de Alessandra Horto com Hélio de Almeida, foi publicada a matéria “União tem apenas 4% de negros em seus quadros”. E informa que “pouquíssimos estão no Poder Executivo e que, mesmo com curso superior, a maioria dos negros ainda está em funções de nível auxiliar”. O argumento tópico tem mais detalhes e foi baseado no Censo Demográfico de 2010, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
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o vendedor, na praia, lembra um rei de maracatu em meio ao colorido das cangas.
o manto multicor de um rei de maracatu, o vendedor de cangas em meio ao colorido das peças.
entretanto, apesar da semelhança, o vendedor de cangas samba — dança, agita-se, caminha o seu passo de baile — no compasso da mercadoria que está ali para ser vendida, que está ali para garantir o pão de cada dia, o vendedor de cangas não brinca maracatu.
o vendedor de cangas, em meio ao colorido da mercadoria, trabalha duro, pesado:
afinal, a vida não é alegoria, a vida não é metáfora, não é simbologia (o manto multicor de um rei de maracatu — o colorido das cangas do vendedor).
afinal, a vida não é maracatu (a dança, a música, a alegria), a vida é mandacaru (planta espinhenta, que resiste à secura, à aspereza, do ambiente em que vive).
a vida não é maracatu: é mandacaru. mandacaru lá do nordeste, lá do sertão: tão seco, tão áspero.
o vendedor de cangas, sem dançar maracatu, com sua vida que não é alegoria, é trabalho duro, pesado, tem o semblante carregado por ossos protuberantes & terminações nervosas nada conclusivas, nada definitivas, terminações nervosas abespinhadiças, o semblante coberto de pêlos, que indicam trinta anos ou mais, mas que não chegaram, ainda, a idade de (jimi) hendrix, que morreu aos 27 anos (completaria 28 anos em 2 meses).
o vendedor de cangas, sem dançar maracatu, com sua vida que não é alegoria, é trabalho duro, pesado, tem suporte de óculos & das marcas amargas — as suas vivências em condições precárias de vida — moldado pela poeira pesada, dos seus dias pesados, em meio ao suor dos poros fechados para o riso, fechados para a alegria, fechados para o bem-querer.
como manter os poros abertos ao riso, os poros abertos à alegria, os poros abertos ao bem-querer, se, na calada da noite, o vendedor de cangas se dana?
como manter os poros abertos ao riso, os poros abertos à alegria, os poros abertos ao bem-querer, se, na calada, na surdina, a casa do vendedor de cangas é acordada, em meio à madrugada, pelo bico do coturno estatal — a violência, promulgada pela polícia militar, que invade casas em favelas sem o mínimo de respeito aos moradores — & tem gavetas com peças puídas & armários vazios revirados?
(a justificativa dos policiais militares, para ações tão truculentas, e que acontecem cotidianamente nas favelas, é de que procuram a boca de fumo, local onde drogas — ilícitas — são vendidas. a grande questão é que, na busca pela boca, muitas casas são invadidas arbitrariamente, inclusive a casa do vendedor de cangas.)
como manter os poros abertos ao riso, os poros abertos à alegria, os poros abertos ao bem-querer, se, na calada, na surdina, a casa é acordada, em meio à madrugada, pelo bico do coturno estatal & tem a sua destruição garantida pelo braço legal do estado?
ninguém sabe, ninguém viu (além da boca — de fumo — procurada pela polícia militar), no chão, os dentes fora da boca, os dentes que não são encontrados quando falamos ou sorrimos, os dentes da arcada forjada, inventada, criada, no ódio rangendo revanche, no ódio rilhando vingança.
a toda & qualquer ação, uma re-ação na mesma medida.
afinal: como manter os poros abertos ao riso, os poros abertos à alegria, os poros abertos ao bem-querer, se, na calada, na surdina, a casa é acordada, em meio à madrugada, pelo bico do coturno estatal & tem a sua destruição garantida pelo braço legal do estado?
ninguém gosta de receber, em casa, pessoa inconveniente, que apareça, por exemplo, sem ter sido convidada.
imagine o que seja ter a casa invadida à base de pontapé, gritos & tapas!…
respeitar para ser respeitado.
cuidar para ser cuidado.
amar para ser amado.
eis a base de tudo.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Dentro da betoneira. autor: Thiago Cervan. apoio cultural: Incubadora de artistas.)
o vendedor
na praia
lembra um
rei de maracatu
em meio ao
colorido das cangas
o vendedor de cangas
samba no compasso
da mercadoria
e não brinca maracatu:
nego, a vida
não é alegoria
é mandacaru
SECO
o sembante carregado
por ossos protuberantes e terminações nervosas
………………………………………………nada conclusivas
coberto de pelos que indicam trinta ou mais
mas que não chegaram ainda a idade de hendrix
suporte de óculos e marcas amargas
moldado pela poeira pesada em meio ao suor
dos poros fechados para o riso
NA CALADA
a casa acordada em
meio à madrugada
pelo bico do coturno
estatal tem gavetas
com peças
puídas e armários
vazios revirados.
procuram a boca.
vira-latas latem
luzes vizinhas
acendem à procura
de decifrar o enigma.
ninguém sabe
ninguém viu no chão
os dentes fora da boca
arcada forjada no ódio
rangendo revanche
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elegia: poema lírico de tom terno & triste.
uma elegia feita ao ano de 1938 & transportada ao ano de 2014:
tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, trabalhas sem alegria, sem ânimo, para um mundo caduco, trabalhas sem alegria para um mundo demente, insano, decrépito, onde as formas — formas de trabalho, modelos de relação, estilos de vida — & as ações — o que priorizar, o que valorizar, o que desprezar, o que aniquilar — não encerram nenhum exemplo, onde as formas & as ações não encerram, não contêm, não incluem, nenhum exemplo.
tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, praticas laboriosamente, praticas sofridamente, triste, angustiado, os gestos universais, os gestos comuns a todos nós, seres de carne & osso & coração, sentes calor & frio, sentes a falta de dinheiro, fome & desejo sexual.
tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, praticas laboriosamente os gestos universais, os gestos comuns a todos nós, enquanto heróis — os homens de destaque, homens prestigiosos, de atitudes “nobres” — enchem os parques da cidade em que te arrastas & preconizam, recomendam, alardeiam: a virtude (ser bom, aceitando o que é empurrado goela abaixo), a renúncia (abdicar de prazeres pelo trabalho, ainda que sufocante, ainda que asfixante, ainda que opressivo), o sangue-frio (manter a calma diante de toda a calamidade que é a tua vida), a concepção (acreditar & investir na criação, na formulação, na produção, deste mundo caduco).
à noite, se neblina, se chuvisca, se garoa, os heróis (os homens de destaque, homens prestigiosos, de atitudes “nobres”) abrem guarda-chuvas de bronze, guarda-chuvas tão poderosos que os protegem de todo & qualquer respingo deste mundo, ou se recolhem aos volumes de bibliotecas sinistras, bibliotecas nefastas, maléficas, assustadoras, bibliotecas que ensinam os meandros do ter mais do que ser, do capital, da riqueza, do papel-moeda, das cifras, da especulação financeira.
tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra (à noite, dormes o teu sono profundo, cansado) & sabes que, dormindo, os problemas, os pesares todos, te dispensam de morrer. mas o terrível despertar (“terrível” porque mais um despertar em que trabalharás para este mundo caduco) prova a existência da “grande máquina” em que o mundo se transformou (provando, assim, a sua grande caducidade) & ele, o terrível despertar, te repõe, pequenino, ínfimo, limitado, em face de indecifráveis palmeiras, palmeiras altaneiras, palmeiras enigmáticas, palmeiras no mundo caduco para quê?
tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, caminhas entre mortos (entre os teus, que já partiram deste mundo caduco) & com eles conversas sobre coisas do tempo futuro — teus planos, teus anseios — & negócios do espírito, assuntos que dizem respeito à tua existência. a literatura, arte do livro que te livrou do mundo caduco, arte a que recorreste na tentativa de amenizar dores & dissabores, estragou as tuas melhores horas de amor, e ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear (de semear as tuas horas de amor).
tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, entristecido, desanimado, sentindo-se um fracassado: coração orgulhoso, coração vaidoso, coração empertigado, tens pressa de confessar tua derrota & adiar, para outro século, a felicidade coletiva.
coração orgulhoso, coração vaidoso, coração empertigado, tens pressa de confessar tua derrota & adiar, para outro século, a felicidade coletiva: confessar a própria derrota é confessar a derrota de todo um tempo, de todo um sistema, de todo um modelo, de todo um estilo, de toda uma concepção de vida, que, ao adiar a felicidade coletiva, instaura a infelicidade coletiva, instaura o mal-estar do grupo, a tristeza & o desânimo de todo & qualquer ser humano comum, de carne & osso & coração, assim como eu, assim como você, leitor.
tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, aceitas a chuva, a guerra, o desemprego & a injusta distribuição porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de manhattan, ilha onde se localiza wall street, rua da ilha célebre, onde se situa a bolsa de valores de nova iorque, a mais importante do mundo, por isso mesmo, ilha considerada o centro nervoso da economia mundial.
tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas & as ações não encerram nenhum exemplo: por isso, eu & tu, nós, temos que cavar, temos que batalhar, temos que alcançar, maneiras, modos, formas & ações que neutralizem todos os malefícios do mundo demente, insano, decrépito, para o nosso próprio bem, e porque a existência, até onde se sabe, é uma só, e é melhor que a façamos valer a pena, valer as dores & dissabores.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Antologia poética. autor: Carlos Drummond de Andrade. editora: Record.)
ELEGIA 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
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(do site: Youtube. Caetano Veloso interpreta o poema Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade.)
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para Chico Buarque, pelo seu aniversário de 70 anos hoje
à parte toda a (des)organização promovida pelo comitê responsável pela realização do mundial de futebol, aqui no brasil, & todos os gastos, ainda mal explicados à população, com a produção da copa 2014, num mundial de futebol, o que interessa a quem o mundial interessa é: o futebol.
o futebol, a bola em campo, o rolar da partida.
confesso aos senhores que não sou um grande entusiasta do esporte, mas sei admirar uma bela disputa futebolística. e a copa é um grande momento, momento propício, a grandes partidas de futebol.
e toda grande partida de futebol costuma ser recheada de gols, alguns, de fato, pela precisão & tiro certeiro, verdadeiras obras de arte.
um chute a gol com precisão de flecha & folha seca: pintura mais fundamental.
pintura mais fundamental é um chute a gol com precisão de flecha & folha seca: e que pintura alcançaria toda a beleza que compreende um chute a gol com precisão de flecha & folha seca?
como emplacar o momento do chute a gol, tão belo & tão instantâneo, em que pinacoteca emplacá-lo, como captá-lo para sempre em moldura, nega?
um belíssimo chute a gol é pintura que se perde no ar, vaporosa.
o poeta-compositor sonha em conseguir, na sua canção, efeito igual ao de um belíssimo chute a gol, com precisão de flecha & folha seca, o poeta-compositor sonha em conseguir, com a sua canção, captar o visual de um chute a gol & a emoção da idéia quando ginga — a emoção da idéia do jogador, ao pensar, em milésimos de segundos, junto com sua emoção, junto com sua adrenalina, tática para seu chute a gol, de acordo com sua posição em campo & a dos demais colegas & rivais. e, assim, começam os passes & dribles: para mané, para didi, para mané (a troca de bola entre os jogadores, cavando oportunidades de ataque), mané para didi para mané, para didi, para pagão, para pelé, e canhoteiro (e, de repente, estufa-se o filó da rede, um belíssimo gol).
mas o poeta-compositor não acha que sua canção alcance a beleza de um chute a gol com precisão de flecha & folha seca, considerando-a capenga & desejando anular a natural catimba (a natural manha, astúcia, malícia) do cantor (que é o próprio poeta-compositor).
capenga aos olhos do poeta-compositor, mas, aos olhos deste que festeja, hoje, 19 de junho, os seus 70 anos, os 70 anos do poeta-compositor, uma obra-prima, uma belíssima pintura, emplacada em música & versos.
o futebol, a bola em campo, o rolar da partida: a arte de uma bela partida futebolística: que belos chutes a gol, em campeonatos diversos, nos permitam pinturas que ficarão eternamente emplacadas em nossas memórias.
salve chico buarque!
salve a sua existência na minha!
beijo todos!
paulo sabino.
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(Do livro: Tantas palavras. autor: Chico Buarque. editora: Companhia das Letras.)
O FUTEBOL
Para Mané, Didi, Pagão, Pelé e Canhoteiro
Para estufar esse filó
Como eu sonhei
Só
Se eu fosse o Rei
Para tirar efeito igual
Ao jogador
Qual
Compositor
Para aplicar uma firula exata
Que pintor
Para emplacar em que pinacoteca, nega
Pintura mais fundamental
Que um chute a gol
Com precisão
De flecha e folha seca
Parafusar algum joão
Na lateral
Não
Quando é fatal
Para avisar a finta enfim
Quando não é
Sim
No contrapé
Para avançar na vaga geometria
O corredor
Na paralela do impossível, minha nega
No sentimento diagonal
Do homem-gol
Rasgando o chão
E costurando a linha
Parábola do homem comum
Roçando o céu
Um
Senhor chapéu
Para delírio das gerais
No coliseu
Mas
Que rei sou eu
Para anular a natural catimba
Do cantor
Paralisando esta canção capenga, nega
Para captar o visual
De um chute a gol
E a emoção
Da idéia quando ginga
(Para Mané para Didi para Mané
Mané para Didi para Mané
para Didi para Pagão
para Pelé e Canhoteiro)
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Uma palavra. artista & intérprete: Chico Buarque. autor da canção: Chico Buarque. gravadora: BMG.)
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hoje, que a noite pulsa tranqüila dentro do meu quarto, busco a tranqüilidade de coisa nenhuma, de coisa nenhuma porque coisa inerte, coisa inanimada, tranqüilidade como a que observamos nas pedras: sua constituição maciça, inteiriça, inerte, inanimada, silenciosa, parada no tempo, pregada ao chão.
busco a tranqüilidade de coisa nenhuma, inerte, inanimada, por sentimentos de cores apagadas: apesar de sentimentos coloridos, o colorido é sem cor, como o colorido da tranqüilidade pétrea: pois que a tranqüilidade da rocha, um ente inanimado, só exterior, sua tranqüilidade parada no tempo, pregada ao chão, gera, nela mesma, sentimentos de cores apagadas.
(tranqüilidade de coisa nenhuma só pode gerar sentimentos de cores apagadas.)
este sol que mina, este sol que se espalha, em mim, sol frio (de sentimentos de cores apagadas), este sol que se propaga por todo o resto (por tudo o que enxergo como mundo), faz-me sentir a necessidade inútil ao mundo, à humanidade — sou incapaz de evitar catástrofes nem, ao menos, de dar por elas.
a necessidade inútil ao mundo, à humanidade: não possuo o poder de decisões importantes no tabuleiro político & econômico mundano, não posso salvar vidas efetivamente, não posso assinar decretos nem leis em prol da melhoria das condições existenciais do bicho homem.
mas posso, ao menos, escrever, posso, ao menos, apresentar estas linhas, aos senhores, como faço regularmente.
compreendo, mais do que nunca, que a vida é, e sempre será, uma parte do desconhecido, uma parte do inalcançável, do impenetrável (feito tranqüilidade de pedra), assentada (a tal parte do desconhecido de que se constitui a existência) em tudo que resta & rasteja.
a certeza de uma incerteza insolúvel, incerteza sem solução: a morte? a vida? deus? o universo?
a certeza de uma incerteza insolúvel, o ponto com nó, o ponto sempre embaraçado: a morte? a vida? deus? o universo?
portanto, almejar a viagem de poder debruçar à janela (já que a mim não me foi dado o poder de direção do mundo nem tampouco o poder de direção do universo), condutor-passageiro fervoroso do caminho a ser vislumbrado, condutor-passageiro fervoroso (que exala grande calor, que denota intensidade) do caminho que sigo trilhando, dia-a-dia, com mãos & pés.
em nome dela, da vida que se renova em cada cova, em cada fenda aberta (seja para o plantio da semente de algo que florescerá, seja para o sepultamento de algo que não nos serve mais), minha poesia de navio, de barco, minha poesia itinerante, errática, minha poesia destinada a navegar sempre; em nome dela, da vida que se renova em cada cova, em cada fenda aberta, minha poesia vela, cuida, zela.
em nome dela, da vida que se renova em cada cova, em cada fenda aberta (seja para o plantio da semente de algo que florescerá, seja para o sepultamento de algo que não nos serve mais), minha poesia de navio, de barco, minha poesia “vela”, minha poesia peça de tecido usada para a propulsão eólica da embarcação em que sigo singrando os mares da vida, eu, o antinavegador de moçambiques, goas, calecutes.
beijo todos!
paulo sabino.
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(Autor: Paulo Sabino.)
A CERTEZA DE UMA INCERTEZA
Hoje, que a noite pulsa tranqüila
Dentro do meu quarto,
Busco a tranqüilidade de coisa nenhuma, inerte, inanimada,
Por sentimentos de cores apagadas.
Este sol que mina em mim,
Propagando-se por todo o resto,
Faz-me sentir a necessidade inútil
Ao mundo, à humanidade —
Sou incapaz de evitar catástrofes
Nem, ao menos, de dar por elas.
Compreendo, mais do que nunca,
Que a vida é e sempre será
Uma parte do desconhecido,
Assentada em tudo que resta e rasteja.
A certeza de uma incerteza
Insolúvel, o ponto com nó.
Portanto, almejar a viagem
De poder debruçar à janela,
Condutor-passageiro fervoroso,
Do caminho a ser vislumbrado.
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o menino azul que me habita o peito, cansado dos desmandos & injustiças cometidos por aqueles que se consideram os donos do poder (político, econômico, de informação), sufocado pelas dores & dissabores causados por aqueles que se consideram os donos do poder (político, econômico, de informação), o menino quer um burrinho para passear. um burrinho manso, que não corra nem pule, mas que saiba conversar.
o menino azul que me habita o peito quer um burrinho que saiba dizer o nome dos rios, das montanhas, das flores — de tudo o que aparecer.
o menino azul que me habita o peito quer um burrinho que saiba inventar histórias bonitas, com pessoas & bichos & com barquinhos no mar.
e os dois, o menino azul que me habita o peito & o seu burrinho, sairão pelo mundo, que é como um jardim, apenas mais largo & talvez mais comprido & que não tenha fim.
quem souber de um burrinho desses, pode escrever à rua das casas, número das portas, carta endereçada ao menino azul que não sabe ler.
o menino azul que me habita o peito não sabe ler, sabe somente sentir.
o menino azul que me habita o peito tem apenas duas mãos & o sentimento do mundo.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia completa — volume II. autora: Cecília Meireles. organização: Antonio Carlos Secchin. editora: Nova Fronteira.)
O MENINO AZUL
O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.
O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores
— de tudo o que aparecer.
O menino quer um burrinho
que saiba inventar
histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.
E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.
(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Rua das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)
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ODEIO o tipo de gente que, como o venerável cardeal, vê tanto espírito no feto (e do alto do seu moralismo conclama o absurdo que é a legalização do aborto no país, não importando o número de mortes anuais de mulheres & todo o estrago que essas mortes levam aos mais próximos) & nenhum no marginal (e do alto do seu moralismo conclama a pena capital, pena de morte, no país, não importando o fato de que, num país como o Brasil, preconceituoso até o pescoço, muitos morreriam injustamente em cadeiras elétricas, e a ineficiência do Estado poderia aumentar).
Tanto espírito no feto & NENHUM no marginal…
O Brasil, em diversos aspectos, soa-me como uma piada pronta de muito mau gosto. O Brasil me enoja em diversas questões. Às vezes tenho dó deste país, tenho pena da mediocridade deste país — e o sentimento estende-se ao mundo em geral.
A fila de soldados (da Polícia Militar), quase todos pretos, dando porrada na nuca de malandros pretos, de ladrões mulatos. E, outros, “quase brancos”, tratados como pretos só para mostrar, aos outros “quase pretos” (e são quase todos pretos) & aos “quase brancos” pobres como pretos, como é que pretos, pobres & mulatos, e quase brancos “quase-pretos”, de tão pobres, são tratados.
Na TV, uma mulher pobre, preta, que morava em uma favela no bairro de Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, subúrbio da cidade, é arrastada por um camburão da P.M., como mostra uma das fotos que ilustra esta publicação.
Na TV, um deputado, em pânico mal dissimulado (no fundo, pouco se importando com o assunto), diante de um plano qualquer de educação, que parece fácil & rápido & que representa uma “ameaça” de democratização do ensino de primeiro grau.
O silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina: afinal, presos são quase todos pretos, ou “quase pretos”, ou quase brancos “quase-pretos” de tão pobres.
(E pobres são como podres. E todos sabem como se tratam os pretos.)
E não importa se olhos do mundo inteiro possam estar, por um momento (seja por causa do carnaval, seja por causa da Copa), voltados para o país. Não importa nada: ninguém é cidadão.
Os direitos civis são violados o tempo inteiro.
O Brasil, em diversos aspectos, é um imenso Haiti. Eu sinto raiva, eu sinto pena, eu sinto cansaço.
Obstruções, trincheiras, impedimentos: são muitas as barreiras: grande o aperto…
(Pense no Haiti, reze pelo Haiti…)
Paulo Sabino.
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(do livro: Letra só. autor: Caetano Veloso. seleção e organização: Eucanaã Ferraz. editora: Companhia das Letras.)
HAITI
Quando você for convidado pra subir no adro
Da Fundação Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos, pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque, um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados
De escola secundária em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada
Nem o traço do sobrado, nem a lente do Fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for ver a festa do Pelô
E se você não for
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado
Em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo
Qualquer qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino de primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua
Sobre um saco brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina: 111 presos indefesos
Mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
E todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
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(do site: Youtube. videoclipe da canção: Haiti. produção: Conspiração Filmes. música: Gilberto Gil / Caetano Veloso. letra: Caetano Veloso. intérpretes: Gilberto Gil / Caetano Veloso.)
(Nas fotos, o poeta-compositor Caetano Veloso & o poeta Paulo Sabino.)
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Ah, é? Então quer dizer que você SOFREU na ditadura militar, APANHOU, VIU os maiores absurdos?
Ah, é? Então quer dizer que, à época da ditadura militar, você SENTIU dor, REVOLTOU-se, CLAMOU por justiça?
Pois é, mas tudo isso no passado… Todos os verbos (que denotam AÇÃO), aqui, estão no pretérito.
Vamos parar de legitimar o que pensamos HOJE (que é o que REALMENTE importa) com ações do passado.
Ferreira Gullar também LUTOU & SOFREU na ditadura militar & hoje vai aos jornais para dizer que os empresários são, na área econômica, uma espécie de artistas no modo de conduzir o modelo econômico vigente…
Aí me dá uma tristeza imensa… Artistas?! Empresários?! Só se forem do terror, do horror, das recessões econômicas, das mazelas sociais!
O jornalista Marcelo Rubens Paiva escreveu um texto para o jornal “Estadão” no qual legitima a sua postura anti-black blocs apoiado em ações suas que ficaram no passado. Acho isso o fim.
Mobilização social, por conta de violências praticadas pelo Estado, possui uma dose de violência. Isso tem a ver com aquele conhecimento mais antigo que a vovó: gentileza gera gentileza; e violência, obviamente, violência. Não se pode esperar protestos com flores & bandeiras brancas, por parte de toda a massa que vai às ruas, quando muitos são tratados com extrema violência nos seus cotidianos, quando, TODOS, vivemos num Estado ESCROTO & FILHO DA PUTA como o Brasil em diversos aspectos.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), como bem escreveu um leitor do texto do Marcelo Rubens Paiva, “com seu pleito por terra (até certo ponto muito justo), invade propriedades privadas levando nas mãos foices e enxadas e, algumas vezes, depredam a propriedade e o plantio ali feito. Isso é legítimo.”
Fico pensando: possivelmente os que bradam, veementes, contra as ações dos black blocs, se moradores do campo, ficariam indignadíssimos com a postura do campesinato ligado aos movimentos sociais em prol de uma distribuição de terras mais igualitária. Portanto, a “depredação” & o “quebra-quebra” incomodam porque acontecem do ladinho das suas confortáveis residências urbanas. É muito mais bacana apoiar a causa do MST ou a dos índios, quando também reagem de forma violenta aos abusos cometidos por grandes latifundiários, porque tais formas de protestos acontecem lááááááá no “fim do mundo”, sem o perigo & a ameaça de que o sangue jorrado respingue nos belos apartamentos da zona sul do Rio de Janeiro.
Escreve, ainda, o leitor que bem responde ao texto do Marcelo Rubens Paiva: “colocar uma máscara não é sinônimo de vandalismo. Nem todos os mascarados são vândalos. Muitos usam máscaras pra se proteger da pimenta, do gás e do FICHAMENTO CLANDESTINO feito por policiais e militares sem identificação e com seus rostos cobertos.”
Sabemos das ações pra lá de ARBITRÁRIAS, seja no campo, seja na cidade, utilizadas pelas milícias do Estado, demasiadamente VIOLENTAS.
Eu quero a paz. Eu prefiro a paz. Sou um homem de delicadezas, portanto, um homem pacífico. Mas acho a indignação extrema extremamente proporcional ao estado de violência gerado pelo Estado.
A cada ação, a sua devida re-ação.
A população é maltratada pelo Estado (ação) & isso, naturalmente, evidentemente, pode gerar, em alguns, uma re-ação na mesma medida.
Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do livro: Poemas escolhidos. autora: Sophia de Mello Breyner Andresen. seleção: Vilma Arêas. editora: Companhia das Letras.)
NESTA HORA
Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é importante neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade
Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida
O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe
A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados
Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar
Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
— Sob o ausente olhar silente de atenção —
Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste