(Moraes Moreira & Elisa Lucinda — Foto: Elena Moccagatta.)
(Foto: Elena Moccagatta.)
(Foto: Felipe Fernandes.)
(O quarteto fantástico da 6ª edição: Elisa Lucinda, Moraes Moreira, Paulo Sabino & Maria Rezende — Foto: Felipe Fernandes.)
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Aos interessados, os 2 últimos vídeos da 6ª edição do projeto “Ocupação Poética”, ocorrido no dia 2 de agosto (terça-feira), no teatro Cândido Mendes (Ipanema – RJ), com a participação estelar de: Elisa Lucinda, Moraes Moreira & Maria Rezende.
No primeiro vídeo desta publicação, a grande homenageada da noite, a poeta & atriz Elisa Lucinda, bate um papo descontraído com o cantor, compositor, instrumentista, poeta & membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, Moraes Moreira, que fala da sua paixão pelo livro “Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada”, o primeiro romance da Elisa & finalista do prêmio São Paulo de Literatura 2015, conta a divertidíssima história de composição do seu poema-canção “Sonhei que estava em Portugal”, além de recitá-lo & recitar um outro poema-canção seu, ainda não gravado & ainda pouco conhecido porque composto recentemente, “O samba e a língua”. No segundo vídeo, a homenageada da noite recita um poema do grande homenageado por ela na noite (e por todos nós, participantes), Fernando Pessoa, um poema do seu heterônimo Álvaro de Campos. Ainda de presente, o áudio da canção “Sonhei que estava em Portugal”, na interpretação da abelha-rainha Maria Bethânia.
Mais à frente, publicarei a noite da 7ª edição do projeto, em homenagem aos 70 anos do poeta, letrista & agitador cultural, além de querido amigo, Jorge Salomão, e já aviso que está acertada a data da 8ª edição do projeto (5 de dezembro), a homenageada da 8ª edição & confirmados alguns vários convidados. Em breve maiores informações.
Divirtam-se!
Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [6ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 02/08/2016. Bate-papo entre Elisa Lucinda &Moraes Moreira. Moraes Moreira recita dois poemas-canções de sua autoria, Sonhei que estava em Portugal & O Samba e a Língua.)
SONHEI QUE ESTAVA EM PORTUGAL (Moraes Moreira)
Sonhei que estava um dia em Portugal
À toa num carnaval em Lisboa
Meu sonho voa além da poesia
E encontra o poeta em pessoa
A lua mingua e a língua lusitana
Acende a chama e a palavra Luzia
Na via pública e em forma de música
Luzia das, luzíadas, Luzias
O SAMBA E A LÍNGUA (Moraes Moreira)
O que é que une o Brasil
De norte a sul com certeza?
É o samba
E a língua portuguesa
O samba e suas vertentes
A língua e os seus sotaques
O que é que nos faz diferentes
É ter os mesmos destaques
O samba e os seus poetas
E eu morro, sim, de amores
Por essas obras completas
O samba tem a cadência
A língua a sua sintaxe
O samba é malemolência
A língua diz: não relaxe
O samba é mais popular
A língua é mais erudita
Eu ouço o povo falar
Cantar de forma bonita
O samba tem a cabrocha
A língua sua cachopa
O samba acende uma tocha
A língua muda de roupa
O samba é uma escola
A língua é Academia
No samba a gente rebola
Na língua a gente vicia
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(do site: Youtube. áudio extraído do cd: Ciclo. artista & intérprete: Maria Bethânia. canção: Sonhei que estava em Portugal. versos: Moraes Moreira. música: Moraes Moreira. gravadora: Universal Music. citação da canção: Anda Luzia. autor: João de Barro.)
(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [6ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 02/08/2016. Elisa Lucinda recita Poema em linha reta, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa.)
POEMA EM LINHA RETA (Álvaro de Campos / heterônimo de Fernando Pessoa)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo, neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
(Os participantes desta 3ª edição do projeto: Vitor Thiré, Luiza Maldonado, Danilo Caymmi, Paulo Sabino, Geraldo Carneiro, Camilla Amado, Maria Padilha, Alice Caymmi, Luana Vieira, Bruce Gomlevsky & Tonico Pereira)
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A quem possa interessar, os 5 últimos vídeos da 3ª edição do projeto “Ocupação Poética”, ocorrido no dia 24 de fevereiro (quarta-feira), no teatro Cândido Mendes (Ipanema – RJ), com a participação de um elenco estelar: Geraldo Carneiro, Bruce Gomlevsky, Tonico Pereira, Vitor Thiré, Maria Padilha, Camilla Amado, Luiza Maldonado, Luana Vieira, Danilo Caymmi & Alice Caymmi.
Nos vídeos desta publicação, poemas & traduções do grande homenageado da noite, o sofisticado poeta & dramaturgo, além de querido amigo, Geraldo Carneiro. Nos 3 primeiros vídeos, a atriz Maria Padilha recita 3 sonetos do poeta & dramaturgo inglês William Shakespeare, na tradução do Geraldo Carneiro: o “Soneto 76”, o “Soneto 138” & o “Soneto 116”. O último vídeo da atriz, recitando o “Soneto 116”, infelizmente, inicia com um corte na leitura do primeiro verso. O poema, na íntegra, encontra-se logo abaixo do vídeo, à leitura & sua total apreensão. No quarto vídeo, o ator Tonico Pereira & a atriz Luana Vieira, sob a direção de cena do ator & diretor Bruce Gomlevsky, interpretam o poema épico “Fabulosa jornada ao Rio de Janeiro”, recém-lançado na recém-lançada antologia poética — “Subúrbios da galáxia” — que comemora os quarenta anos de produção literária do grande homenageado da noite, Geraldo Carneiro, poema que narra, de maneira divertida & ao mesmo tempo crítica, a história da formação desta cidade de onde sou natural, São Sebastião do Rio de Janeiro. No quinto & último vídeo desta postagem, encerrando esta edição do projeto, o próprio Geraldo recita um poema do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, originalmente escrito em inglês & traduzido para o português pelo Geraldo Carneiro.
Espero que vocês tenham se divertido com o projeto tanto quanto nós, participantes, nos divertimos realizando.
Mais uma vez, o meu muito obrigado a todos os espectadores & participantes!
Agora, espero os senhores na quarta edição do projeto “Ocupação Poética”, no teatro Cândido Mendes (Ipanema), que está chegando (já temos a data definida, o homenageado & diversos participantes confirmados)! Mais à frente, maiores informações sobre a nova edição!
Até já!
Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [3ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 24/02/2016. Maria Padilha recita o Soneto 76, do poeta & dramaturgo inglês William Shakespeare, tradução de Geraldo Carneiro.)
Por que meu verso é sempre tão carente
De mutações e variação de temas?
Por que não olho as coisas do presente
Atrás de outras receitas e sistemas?
Por que só escrevo essa monotonia,
Tão incapaz de produzir inventos
Que cada verso quase denuncia
Meu nome e seu lugar de nascimento?
Pois saiba, amor, só escrevo a seu respeito
E sobre o amor, são meus únicos temas,
E assim vou refazendo o que foi feito
Reinventando as palavras do poema.
………….Como o sol, novo e velho a cada dia,
………….O meu amor rediz o que dizia.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [3ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 24/02/2016. Maria Padilha recita o Soneto 138, do poeta & dramaturgo inglês William Shakespeare, tradução de Geraldo Carneiro.)
Se minha bem amada diz que jura,
Eu creio, embora saiba que ela mente:
Que ela não me suponha sem cultura
Nas falsas sutilezas dessa gente.
Finjo que ela me considera moço,
Embora ela me saiba já passado.
À falsa lábia dela dou meu endosso:
Suprimo a realidade dos dois lados.
Mas por que ela não diz que é insincera?
Por que eu não digo que sou veterano?
O amor é sábio se parece à vera
E tem horror que alguém lhe conte os anos.
………….Mentimos um ao outro e assim confio
………….Nas mentiras de nossos elogios.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [3ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 24/02/2016. Maria Padilha recita o Soneto 116, do poeta & dramaturgo inglês William Shakespeare, tradução de Geraldo Carneiro.)
Não tenha eu restrições ao casamento
De almas sinceras, pois não é amor
O amor que muda ao sabor do momento
Ou se move e remove em desamor.
Oh, não: o amor é marca mais constante,
Que encara a tempestade e não balança,
É a estrela-guia dos batéis errantes,
Cujo valor lá no alto não se alcança.
O amor não é o bufão do tempo, embora
Sua foice desfigure o lábio e a face.
O amor não muda com o passar das horas,
Mas se sustenta até seu desenlace.
Se isso é erro meu, e assim provado for,
Nunca escrevi, ninguém jamais amou.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [3ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 24/02/2016. Tonico Pereira e Luana Vieira interpretam o poema Fabulosa jornada ao Rio de Janeiro. autor: Geraldo Carneiro. direção de cena: Bruce Gomlevsky.)
FABULOSA JORNADA (Geraldo Carneiro) AO RIO DE JANEIRO
(rap-rapsódia exaltação)
1. De como eu, Brás Fragoso, vim dar às terras do Brasil, por ordem de el-rei Dom Sebastião, o Desejado
Rio-verão, pós Eva e Adão, cheguei:
segundo a lenda, os outros navegantes
que por este cenário navegaram
supunham que aqui fosse foz de um rio,
ou chamava-se “rio” a qualquer angra;
e como o mês talvez fosse janeiro,
chamaram o sítio Rio de Janeiro,
futura foz de tanta fantasia.
eu vim com a armada de Estácio de Sá,
fidalgo, primo do Governador,
para tomar o Rio dos franceses
…………heréticos blasfemos protestantes
…………traficantes da Caesalpinia echinata
……………………………………vulgo pau-brasil
…………o ouro original de nossas matas.
como se não bastasse esse pecado,
ainda faziam com nossas nativas
o mesmo que Jacó fez com Raquel
e Davi praticou com Betsabá.
assim se originou minha odisseia:
eu mal sabia das desaventuras
que mudariam todo o meu futuro,
por força de meus sonhos naufragados;
e embora batizado Brás Fragoso,
aqui meu nome, Brás, virou Brasil,
e o Fragoso tornou-se Naufragoso.
mas pra saber dessa aventura inglória,
há que saber, no entanto, a minha história.
2. Breve retrospecto das condições adversas em que encontrei a terra do Rio de Janeiro
na baía da Guanabara
não havia como apartar o joio do joio
era tamoio ligado com francês
era francês ligado com tamoio
TUDO DOMINADO
os donos do tráfico os traficantes
todo mundo cantando em coro:
(Entra o funk “Tá tudo dominado”,
com a voz processada pelo DJ, misturando
frases em diversas línguas.)
todos os tamoios nas trapaças
……………………dos franceses
colonizados no Forte Coligny
……………………colignyzados
só quem não fazia parte da tramoia
……………………era Arariboia
ex-cacique exilado em Cabo Frio
……………………agora office-tupinamboy
não podia nem desembarcar em Niterói
você não sabe como é que dói.
3. De como encontramos no Brasil um aliado paranormal, sem o qual nossa vitória seria impossível
felizmente, além da fé e da razão,
tínhamos do nosso lado um super-herói:
o irmão José de Anchieta.
Anchieta, com o perdão da má palavra,
era um jesuíta carne de pescoço,
conversava com os bichos e com as feras,
chamava urubu de meu brother
e papagaio de meu louro,
e quando não tinha homem branco
……………………urubuzando por perto
Anchieta andava sobre as águas
e de vez em quando voava,
voava sobre a terra e sobre o mar,
nunca deixando um português olhar
porque nós, o pessoal de Portugal,
somos mais burros do que São Tomé:
necessitamos ver para não crer.
Anchieta, não contente em escrever
a primeira gramática da língua tupi,
ainda ensinou os índios a dizer goodbye, arrivederci, hasta la vista
tudo isso no mais perfeito latim.
e quando alguém era inimigo do império
………………………………./ de Portugal,
Anchieta baixava o pau.
graças a ele e aos seus superpoderes,
superamos as tempestades do verão
& no dia primeiro de Março
desembarcamos cá para fundar
entre o Cara de Cão e o Pão de Açúcar
esse projeto de esplendor à beira-mar:
São Sebastião do Rio de Janeiro.
4. De como fizemos o desembarque, comandados por Estácio de Sá
aqui fincamos nossos estandartes.
e Estácio começou a dizer suas palavras,
“Em nome de el-rei Dom Sebastião”,
etc. e tal,
mas ninguém lhe prestou atenção.
porque vimos, através do olhar de Anchieta,
o espírito de Deus se mover sobre a face
………………………………………………/ das águas.
depois Deus apartando a luz das trevas
depois Deus chamando a luz de Dia
e chamando as trevas de Noite,
e da noite e da manhã fez-se o primeiro dia.
e Deus chamou o firmamento de Céu,
e Deus separou as águas e as terras,
e etc. etc.
e nós, maravilhados, assistindo ao Gênesis
…………no camarote vip na Praia Vermelha.
fomos erguendo a nossa paliçada,
tudo miraculosamente bem,
até que no sexto dia, na hora do descanso,
os tamoios mandaram em cima da gente
uma chuva de flechadas.
Anchieta tentou segurar a rapaziada
dizendo que Deus ia nos proteger,
ia salvar a nossa vida,
mas neguinho já tava careca de levar
………………………………………flecha perdida.
5. De como sobrevivi à chuva de flechadas
um mês depois, o Anchieta se mandou.
e nós aqui, na chuva de flechada,
tomando pau, borduna e cacetada,
comendo o pão que Belzebu amassou.
pensei até em escrever uma epopeia
contando tantos feitos e malfeitos.
mas não achei herói de nenhum lado:
Estácio era um rapaz meio fechado,
e o chefe dos tamoios, Aimberê,
com esse nome, não dava pra escrever.
(Entra uma índia belíssima, com figurino de
Jean-Paul Gautier em versão tropical.)
foi então que encontrei Paraguaçu,
a teteia top model do Baixo Grajaú.
Paraguaçu, falsificada de pai e mãe,
foi trazida aos doze anos do Paraguai,
e aqui, nas praias da Guanabara,
adquiriu a cultura francesa,
conhecia o fleur de rose
o ne me quitte pas
o voulez-vous coucher avec moi.
por obra e graça de Paraguaçu,
eu desisti de ser só português.
e assim me transformei em portugaio,
cruza de português com paraguaio.
6. De como fui me adaptando ao modo de vida da mui leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
e foi assim que eu me tornei mestiço
ou seja, nem isso nem aquilo
imaginei que eu era o poeta Sá de Miranda
só admirando os prodígios do Novo Mundo
fiquei doidão, curtindo a realidade
da mui leal cidade de São Sebastião
só fumando & espiando o movimento
tupinambá de olho na pulseirinha da turista
cunhã na pista oferecendo os balangandãs
tupinambá malhando exibindo o corpão
e eu vendo cada coisa do balacobaco
fumando esse negócio chamado tabaco
achei que tinha chegado ao Paraíso,
pensei em me lembrar de certos versos
que celebravam as graças do universo
mas não lembrei foi xongas, nada não
de tanto que fumei meu baseadão
7. De como percebi que as aparências são enganadoras no Novo Mundo e desejei sinceramente ter ficado em Portugal
de repente, acabou-se o que era doce
Paraguaçu, minha deusa paraguaia,
aproximou-se do meu guarda-sol
à sombra das bananeiras em flor e disse:
PARAG.: “Eu queria te comer todinho.”
sorri, sem compreender a ambiguidade
que estava por detrás da fala dela, mas já
escolado na fala local, lhe respondi:
BRÁS: “Não é uma frase muito apropriada
pra uma índia bem-educada, mas eu aprecio
a ideia, tô dentro.”
PARAG.: “Tá dentro é do moquém.”
BRÁS: “Que diabo é moquém? Quem te en-
sinou a falar assim, quem?
PARAG.: “Meus ancestrais, a minha mãe,
a mãe da minha mãe (em francês), mes amis tupis. Tupãna, Tupã.”
ela então começou a me apalpar.
BRÁS: (gostando) “Não adianta me apalpar,
que eu só gosto mesmo é naquele lugar.”
PARAG.: (sorrindo) “Eu vou ficar só com
as tuas vísceras. Tua cabeça quem vai comer
é Aimberê, depois de te baixar a borduna.
Os curumins vão beber o teu caldinho.”
BRÁS: (com terror) “Paraguaçu, você não pode
fazer uma coisa dessas comigo! Eu sou
teu irmão, teu amásio, teu amigo!”
8. De como recorri à Divina Providência, porque era esta a última providência que me restava tomar
eu que ainda era mais ou menos moço
não tinha idade pra virar almoço
filé sem osso alcatra bacalhau
pra um bando de tamoio canibal,
e furibundo dirigi-me aos céus:
“Ora, Senhor, que tanto me maltratas:
Já me trouxestes a este cu do judas,
E, para arrematar, ainda me matas?”
(Ouve-se um estrondo ao fundo.)
então ouviu-se um estrondo de canhão:
chegaram galeões de Portugal!
e eu assisti do morro do Castelo
ao embate o arranca-rabo o xeque-mate
sem saber qual era o bem, qual era o mal.
9. De como a minha história chegou ao juízo final, ou à desgraciosa falta dele
e veio a guerra e veio a destruição
Paraguaçu fugiu com um temiminó
e foi passar o verão em Guarapari
Aimberê, coitado, foi pras cucuias
virou constelação tupinambá
Estácio tomou uma flecha na cara
morreu flechado como nosso padroeiro
São Sebastião do Rio de Janeiro
e vi todas aquelas almas voando
as almas são mais leves do que o ar
se é que há mesmo almas neste mundo
se não as há, talvez haja mais além
onde os pedaços desconexos da vida
onde os pedaços desconexos
onde os pedaços
lá onde a vida se rejubile
e as alegrias passem em desfile
na Marquês de Sapucaí do infinito
só sobrei eu, já meio soçobrado
só eu: a obra e a sobra
todas as minhas nações e encarnações
para sempre aqui
eu era agora carioca
malocado na minha maloca
num muquifo no Cortiço
ou num barraco do Morro da Favela
ex-Brás Fragoso agora apelidado
Brasil Naufragoso
porque minha alma naufragou aqui
aqui fiquei e aqui me edifiquei
e o pior é que gostei
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética [3ª edição] — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 24/02/2016. Geraldo Carneiro recita Quase soneto a quatro mãos, poema escrito originalmente em inglês por João Ubaldo Ribeiro, tradução de Geraldo Carneiro.)
(poema escrito originalmente em inglês por: João Ubaldo Ribeiro. tradução: Geraldo Carneiro.)
QUASE SONETO A QUATRO MÃOS
até a morte eu me atormentarei
pelo que descobri e não encontrei,
pelo que, pascaliano como sou,
eu compreendi e ainda assim maldigo.
sou o idiota mais perfeito, aliás,
por feito mais de carne que de gás.
é esse fado que me leva adiante
num mundo para o qual não sou prestante.
tudo o que tenho as mulheres me deram:
consolação, razão para existir.
benditas, berenices, beneditas,
também sejam benditos meus amigos,
pois gosto deles, tenham longa vida,
e até eu mesmo, que não a mereço,
mas que a observo e sei qual é seu preço.
(Plantação de couves.)
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Um convite aos navegantes: nesta quinta-feira, 23 de julho, a 5ª edição do Sarau do Largo das Neves, em Santa Teresa, Rio de Janeiro. Na frente do bar Alquimia. As leituras & declamações começam às 20h30, mas a concentração, para uns drinques & um bate-papo animado, a partir das 19h. Aguardando todos!
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Para Antonio Cicero, que me fez lembrar o poema
toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui, na maneira como esta mulher, dos arredores de cantão, na china, ou dos campos de alpedrinha, em portugal, rega quatro ou cinco leiras, rega quatro ou cinco canteiros, de couves: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração.
assim se faz a planta bonita & viçosa: toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui: mão certeira com a água, intimidade com a terra, empenho do coração.
assim se faz o poema: toda a ciência, todo o conhecimento atento & aprofundado de algo, está aqui: mão certeira com a água & intimidade com a terra, mão certeira & intimidade com os nutrientes do poema, com aquilo que o alimenta (a palavra, o vocabulário, as formas poéticas, as brincadeiras lingüísticas), e empenho do coração (a dedicação à causa, o cuidado, o carinho, a atenção, com os versos).
assim se faz a planta bonita & viçosa, assim se faz o poema: mão certeira & intimidade com os nutrientes, com aquilo que os alimenta, e empenho do coração — a dedicação à causa, o cuidado, o carinho, a atenção.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas de Eugénio de Andrade. seleção: Arnaldo Saraiva. autor: Eugénio de Andrade. editora: Nova Fronteira.)
A ARTE DOS VERSOS
Toda a ciência está aqui,
na maneira como esta mulher
dos arredores de Cantão,
ou dos campos de Alpedrinha,
rega quatro ou cinco leiras
de couves: mão certeira
com a água,
intimidade com a terra,
empenho do coração.
Assim se faz o poema.
“Quando em 1500 os portugueses chegaram ao Brasil, na região de Porto Seguro, Bahia, encontraram ali um povo que falava uma língua completamente desconhecida dos europeus. Era o povo tupinaki, que falava a língua tupinambá. A maioria dos povos que viviam ao longo da costa, desde o Rio de Janeiro até o Ceará, falava essa mesma língua. Foi com a língua tupinambá que os colonos portugueses tiveram contato mais estreito durante o século XVI. Para entender-se com os indígenas, a fim de conhecer a nova terra e nela viver, muitos deles tiveram de aprendê-la. Desse contato resultou a grande influência do tupinambá no vocabulário do português do Brasil. Milhares de nomes comuns e nomes de lugares que utilizamos hoje em todo o país são palavras tupinambás.”
“Entre os séculos XVI e XIX foram trazidos para o Brasil entre 4 e 5 milhões de africanos escravizados. Desse total, cerca de 1 milhão foram embarcados nos portos da África Ocidental, entre a Costa do Ouro, atual Gana, e o Golfo de Biafra, na Nigéria. Oriundos dos diversos reinos que existiam na região, começaram a aportar no Brasil a partir da segunda metade do século XVII. Seu principal destino foi a cidade de Salvador e o Recôncavo Baiano, Minas Gerais e o Maranhão. As línguas que eles falavam, como o iorubá e o evé-fon, influenciaram a língua portuguesa no Brasil principalmente no domínio religioso.”
(Textos extraídos de painéis de exposição do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.)
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a língua portuguesa, por misturar-se, mesclar-se, miscigenar-se, ganhou um rosto novo, abrasileirado: a língua — portuguesa — à brasileira, a língua — portuguesa — repaginada à maneira nossa, a língua à moda brasileira.
língua: também designa o órgão muscular situado na boca, responsável, entre outras coisas, pela produção dos sons.
língua: órgão muscular. língua à brasileira: órgão vernacular, órgão próprio de um país.
língua à brasileira: órgão vernacular alongado, encompridado, feito de muitas misturas (europeu + índio + negro), alongado como o órgão muscular, e por isso mesmo: hábil, móvel, tátil.
amálgama lusa malvada, portuguesa malvada nascida da mistura de elementos heterogêneos (europeu + índio + negro), malvada porque mastiga, come, engole, degusta, deglute, deflora, o que encontrar pela frente, mas qual flora antropofágica, no seu movimento de misturar, de mesclar, de miscigenar, salva a pátria mal amada, salva a nação mal cuidada, salva este país de assassinos, corruptos & desigualdades alarmantes.
língua à brasileira: língua-de-trapo & língua solta (língua para quem fala demais), língua ferina (mordaz, venenosa, língua da injúria, da fofoca), língua douta (língua erudita, de muitos saberes): saravá, língua-de-fogo & fósforo (chama, labareda, língua acesa), saravá, língua viva & declinativa (língua feita de declinação: conjunto das diversas formas que os substantivos, adjetivos, pronomes, artigos e numerais apresentam de acordo com a sua função sintática na oração), saravá, língua fônica (língua sonora, melodiosa) & apócrifa (língua inautêntica, toda misturada), saravá, língua lusófona & arcaica, crioula iorubáica (pela forte presença da língua iorubá na língua à brasileira), saravá, língua-de-sogra (faladeira incorrigível) & língua provecta (língua-mestre, avançada, inovadora), saravá, língua morta & ressurrecta (língua nascida do latim, que é uma língua já extinta, portanto, “morta”, e ressurrecta, isto é, língua renascida, ressuscitada, repaginada), saravá, língua tonal (cheia de tons & matizes) & viperina (língua venenosa, per-versa), saravá, palmo de neolatina (a língua portuguesa integra o grupo das línguas neolatinas, línguas derivadas da língua latina), saravá, “poema em linha reta” (poema elaborado pelo maior poeta da língua, o imensurável fernando pessoa), saravá, lusíadas no fim do túnel (referência a um dos mestres da poesia portuguesa, anterior a pessoa, luís de camões), saravá, caetano não fica mudo (o grande poeta-compositor da língua à brasileira possui um dos mais belos poemas-canções já escritos a respeito, intitulado “língua”), saravá, nem fica mudo o “seo” manoel lá da esquina, um dos tantos portugueses donos de estabelecimento comercial.
por ti, afro-gueixa (língua misturada, mesclada, miscigenada), por ti, guesa errante (referência ao mais célebre poema do poeta maranhense sousândrade, intitulado “guesa errante”, inspirado numa lenda andina em que o índio adolescente chamado “guesa” seria sacrificado como oferenda aos deuses), por ti, língua à brasileira, o mar se abre, o sol se deita. o mar se abre, o sol se deita, por mários de sagarana (“sagarana”, título de uma obra do mestre mineiro guimarães rosa, é um neologismo formado a partir da palavra “saga”, de origem européia, que designa “canto lendário ou heróico”, e da palavra “rana”, de origem tupi, que designa “semelhança”, “proximidade”), por magos de saramago (referência ao grande escritor português josé saramago & à magia concentrada em sua prosa vertiginosa).
viva os lábios! viva a língua da boca, a linguagem oral!
viva os livros! viva a língua da página, a linguagem escrita!
viva os lábios, viva os livros, dos rosas, campos & netos (de todos os nossos grandes escritores)! viva os léxicos (o vocabulário, o repertório de palavras) & os êxtases alcançados com os andrades — drummond, mário, oswald! viva toda a síntese da sintaxe dos erros milionários, dos erros que resultam em ganhos, em riquezas!
língua afiada a machado, porque cortante, porque precisa, porque ferina, como a ferramenta, e também porque língua afiada a machado de assis, escritor brasileiro afiadíssimo, considerado o maior de todos os tempos. desafinada índia-preta. por cruzas diversas, por misturas divinas (europeu + índio + negro), mil linguageiras, mil maneiras de se escrever & falar a língua.
a coisa mais língua que existe, a coisa mais comunicável que conheço, é o beijo da impureza desta língua que adeja toda a brisa brasileira: por mim, tupi, índio destas matas; por tu, “guesa”, índio da lenda, com nome que também integra a língua que me língua: a língua portuguesa.
a coisa mais língua que existe, a coisa mais comunicável que conheço, é o beijo da impureza desta língua que adeja toda a brisa brasileira: por mim, tupi, índio destas matas; por tu, leitor, tua língua portuguesa.
(a língua é minha pátria.)
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Qtais. autor: Luis Turiba. editora: 7Letras.)
LÍNGUA À BRASILEIRA
Ó órgão vernacular alongado
Hábil áspero ponteado
Móvel Nobel ágil tátil
Amálgama lusa malvada
Degusta deglute deflora
Mas qual flora antropofágica
Salva a pátria mal amada
Língua-de-trapo Língua solta
Língua ferina Língua douta
Língua cheia de saliva
Saravá Língua-de-fogo e fósforo
Viva & declinativa
Língua fônica apócrifa
Lusófona & arcaica
Crioula iorubáica
Língua-de-sogra Língua provecta
Língua morta & ressurrecta
Língua tonal e viperina
Palmo de neolatina
Poema em linha reta
Lusíadas no fim do túnel
Caetano não fica mudo
Nem “Seo” Manoel lá da esquina
Por ti Guesa errante, afro-gueixa
O mar se abre o sol se deita
Por Mários de Sagarana
Por magos de Saramago
Viva os lábios!
Viva os livros!
Dos Rosas Campos & Netos
Os léxicos, Andrades, os êxtases
Toda a síntese da sintaxe
Dos erros milionários
Desses malandros otários
Descartáveis, de gorjetas.
Língua afiada a Machado
Afinal, cabeça afeita
Desafinada índia-preta
Por cruzas mil linguageiras
A coisa mais Língua que existe
É o beijo da impureza
Desta Língua que adeja
Toda a brisa brasileira
Por mim,
……………Tupi,
……………………Por tu Guesa
a língua em que navego, marinheiro, a língua em que viajo, marinheiro, língua por onde me aventuro no exercício da escrita, a língua em que navego, na proa das vogais & consoantes, na parte dianteira da embarcação que conduz vogais & consoantes, é a língua que me chega, em ondas incessantes, à praia deste texto aventureiro, texto que vai sendo construído ao sabor do acaso, com as palavras (e suas vogais & consoantes) que vão se dando no espaço branco do papel ou da tela.
a língua em que navego é a língua portuguesa, a que primeiro transpôs o abismo & as dores velejantes, no mistério das águas mais distantes (os portugueses foram os primeiros, os pioneiros nas grandes navegações marítimas), e que, agora, me banha por inteiro.
língua de sol, espuma & maresia é a língua portuguesa, língua que a nau dos sonhadores-navegantes (como eu, como tantos) atravessa a caminho dos instantes, atravessa a caminho dos momentos, das circunstâncias, cruzando o bojador de cada dia, cruzando as intempéries de cada dia (o cabo bojador encontra-se na costa atlântica da áfrica & originou mitos, como o da existência de monstros marinhos, por conta do desaparecimento de muitos navios portugueses na região).
ó língua-mar, viajando em todos nós, no teu sal singra, errante, no teu sal singra, errática, no teu sal singra, vária, no teu sal singra, viajante, no teu sal singra, sem bússola, a minha voz.
ó língua-mar, ó língua-pátria (a língua é minha pátria), ó língua portuguesa, a minha voz, sem direção, ao sabor dos ventos, singra o teu mar.
a minha voz, sem direção, ao sabor dos ventos, singra, viaja no mar da língua portuguesa.
a minha voz viaja no mar da língua portuguesa: na praia, um cavalo azul imita o mar.
como se o mar fosse, o cavalo azul, com as crinas espumantes, ondula sobre a areia. o cavalo azul arremessa-se, furioso, contra as dunas.
na garupa de alga do cavalo azul, el-rei dom sebastião, rei de portugal desaparecido em batalha no ano de 1578, encantado, já cavalga com a espada na mão.
veloz, o cavalo azul, que imita o mar, busca asas: mito trespassado de sonhos & sargaços. o cavalo azul, veloz, busca asas, como o mito do cavalo alado (pégaso), mito que representa a imortalidade, o tempo sem fim.
o mar, por sua vez, com suas líquidas patas, cavalga na praia. o mar, com os músculos retesados de maré cheia, com os músculos na sua maior potência (pois a maré, do mar, é a cheia), o mar investe, resfolegante, contra a areia. com as crinas de algas, o mar escoiceia a manhã, o mar dá coices na manhã.
encrespa-se todo o mar, buscando o cavalo, mito ondulado de sal & tempo.
ali, na areia, na praia, os dois — cavalo & mar — se enfrentam: o cavalo-marinho & o mar-eqüestre.
indiferente, o sol assiste à peleja perene das criaturas.
afinal, o mar busca o cavalo azul que, por sua vez, busca o mar: assim, misturam-se, amalgamam-se (mar & cavalo), tornam-se um, na viagem que proponho através da língua que me habita, língua onde construo sonhos & lendas.
(a língua é minha pátria. eu canto, falo, declamo, exponho, penso, logo existo, em língua portuguesa.)
salve a língua portuguesa!
salve a sua existência na minha!
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Beira-Sol. autor: Adriano Espínola. editora: Topbooks.)
LÍNGUA-MAR
A língua em que navego, marinheiro,
na proa das vogais e consoantes,
é a que me chega em ondas incessantes
à praia deste poema aventureiro.
É a língua portuguesa, a que primeiro
transpôs o abismo e as dores velejantes,
no mistério das águas mais distantes,
e que agora me banha por inteiro.
Língua de sol, espuma e maresia,
que a nau dos sonhadores-navegantes
atravessa a caminho dos instantes,
cruzando o Bojador de cada dia.
Ó língua-mar, viajando em todos nós.
No teu sal, singra errante a minha voz.
O CAVALO E O MAR
A Fernando Py
Na praia, um cavalo azul
imita o mar.
Com as crinas espumantes,
ondula sobre a areia.
Arremessa-se, furioso,
contra as dunas.
(Na sua garupa de alga,
El-Rei Dom Sebastião,
encantado, já cavalga
com a espada na mão.)
Veloz,
busca asas:
mito trespassado
de sonhos e sargaços.
O mar com suas líquidas patas
cavalga na praia.
Com os músculos retesados
de maré cheia,
investe,
resfolegante,
contra a areia.
Com as crinas de algas,
escoiceia
a manhã.
Encrespa-se todo,
buscando o cavalo:
mito ondulado de sal e tempo.
Ali,
os dois se enfrentam:
o cavalo-marinho
& o mar-eqüestre.
Indiferente,
o sol assiste
à peleja perene das criaturas.
(Nas fotos, a Estrada Real & o seu mapa.)
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“Em meados do século XVIII já eram muitos os caminhos que conduziam às minas de Minas Gerais, mas também muitos eram os seus descaminhos. Para evitar estes descaminhos a Coroa Portuguesa determinou que o ouro e os diamantes deixassem as terras mineiras apenas por trilhas outorgadas pela realeza, que receberam o nome de Estrada Real.
Inicialmente, o caminho ligava somente a cidade de Paraty às províncias auríferas do interior de Minas, a antiga Villa Rica, hoje Ouro Preto (Caminho Velho). No entanto, a Coroa Portuguesa percebeu a necessidade de um trajeto mais seguro e rápido ao porto do Rio de Janeiro, surgindo então o caminho novo.”
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do mar ao sertão: do estado litorâneo do rio de janeiro ao ser-tão do cerrado mineiro, em diamantina: tão rico, tão encantador, tão diverso, tão quente, tão seco.
nos descaminhos, um caminho enfeitado de ouro & cravado de diamante: a estrada real, caminho que liga minas ao rio, estrada utilizada para o escoamento de ouro & diamante encontrados na região.
do rio a minas, de minas ao rio: num rio de minas, de águas doces & claras, o viageiro buscou as riquezas gerais de janeiro a janeiro, o viageiro buscou as riquezas gerais o ano inteiro.
do rio ao minas, de minas ao rio: no trajeto rio-minas, o viageiro buscou as riquezas (das minas) gerais de janeiro (viageiro vindo de lugar chamado rio de janeiro) a janeiro.
nas estradas da vida, carroça & cavalo. da mata (litorânea, no rio) ao cerrado (mais árido, em minas), areia & barro.
na montanha, uma cruz, um “orai por nós” (no topo do paredão de pedra situado na frente da cidade mineira de diamantina, onde começa a estrada real, uma cruz, que à noite se acende, como se abençoando a cidade). na arte (barroca), um “reino a vós”, um reino ao divino, ao deus católico (diamantina é uma cidade que data do período colonial brasileiro, portanto, cidade cercada de arte sacra por todos os lados).
em tudo na cidade de diamantina, os costumes de uma cidade pequena do interior mineiro: no café com maria, um “bom dia, seu joão”. na cozinha, casinha de terra no chão.
“real”, mais que a estrada que leva esse nome, é sua lida, é seu dia-a-dia de lutas, e seu arroz com feijão: a luta dos garimpeiros, repletos de sonhos de riquezas & conquistas, viageiros que saíam do mar (do rio de janeiro) em busca de ser-tão (nas minas gerais).
beijo todos!
paulo sabino.
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(da publicação: Boletim poético Sempre-Viva — edição especial Diamantina. autora do poema: Ana Ribeiro Barbosa. pesquisa & organização: Sílvio Neves. realização: Espaço de Criação Literária do Ponto de Leitura — Milho Verde, MG.)
DO MAR AO SERTÃO
Nos descaminhos
um caminho
de ouro enfeitado
e diamante cravado
Num Rio de Minas
buscou o viageiro
as riquezas Gerais
de Janeiro a janeiro
Nas estradas da vida
carroça e cavalo
da mata ao cerrado
areia e barro
Na montanha, uma cruz
Um orai por nós
Na arte, o sagrado
Um reino a vós
No café com Maria
Um bom dia, Seu João
Na cozinha, casinha
de terra no chão
Real é sua lida
e seu arroz com feijão
Garimpeiros de sonhos
do mar ao sertão
(Na foto, o dono & atendente da livraria Poesia Incompleta, Changuito.)
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POESIA INCOMPLETA:
a única livraria de que se tem notícia — no Brasil — inteiramente dedicada à poesia!
Tive a alegria de conhecê-la & de conhecer o seu proprietário, que é também o atendente da livraria, o português radicado no Brasil conhecido como Changuito.
Changuito é dessas figuras com quem não se deseja parar de conversar. Além de muita troca sobre o tema que a livraria abarca (tema que Changuito conhece como pouquíssimos), tive o prazer de sua leitura para vários poemas. Todas as dicas foram ilustradas com, pelo menos, uma poesia do autor indicado. Ele me mostrou coisas lindas, surpreendentes!
Não bastando, ainda houve o contento de um bate-papo sobre mercado editorial, as diferenças & proximidades entre brasileiros & portugueses, os novos “talentos” (muitas aspas!) da arte poética (alguns dos que ganham, hoje, alguma projeção da mídia “especializada” — muitas aspas!), e sobre música popular brasileira (outra grande paixão minha & do Changuito), ouvindo canções cabo-verdianas, Pixinguinha & Clementina de Jesus(!).
Um dos grandes baratos da livraria é que há diversas publicações de editoras portuguesas. Changuito fez questão de trazer, na íntegra, o que a sua livraria em Lisboa possuía dos títulos editados por lá.
Por isso consegui encontrar umas coisas que procurava há anos & não achava: as obras completas dos grandes poetas portugueses Natália Correia (no Brasil não há uma antologia poética com as obras dessa poeta!) & Cesário Verde, além de preciosidades que, já disse ao Changuito, voltarei para buscar.
Acho que passei umas 3 horas entre livros, música & conversa de altíssima qualidade.
Changuito é uma figura tão simpática, além de inteligente & culto, que aos amantes de poesia vale muitíssimo conhecer a livraria Poesia Incompleta.
A quem desejar ou interessar, o espaço fica na rua da Lapa, 120, 11º andar, sala 1110, Lapa, Rio de Janeiro.
Abaixo, uma lindíssima poesia de Natália Correia a respeito da “mão oculta”, a mão que arrebata, que fascina, que rouba, que toma, o canto do poeta, a mão que, por debaixo das mangas, escreve com a mão do poeta: a respeito do misterioso ato que é o ato de escrever.
Exatamente de que região, de que área, de que gruta, de que recanto, brotam as palavras que brotam por sobre o papel? E quando brotam, as palavras brotam em razão do quê?…
Beijo todos! Paulo Sabino.
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(do livro: Poesia completa — O sol nas noites e o luar nos dias. autora: Natália Correia. editora: Dom Quixote.)
O MISTÉRIO
Misterioso ciclo da poesia
que como a roda das estações
sobre o meu peito gira.
Que mão oculta move o ponteiro agora
e arrebata o meu canto na suspensão da hora?
Onde se constroem estas tempestades estes oceanos
a água que rasga a terra que fica
mais verde e mais rica?
Gera-os a esperança ou os desenganos?
Serás o desenlace dum fantasma
sempre perto sempre frio sempre a esmo
forma que dei ao medo comigo concebido
e que é o meu vulto reclinado
no que nele mesmo não foi percorrido?
Ou serei eu de olhos abertos
noutras manhãs noutros países
cantando aqui de olhos fechados
a memória de tempos mais felizes?
Serás tu a abominação
o remorso do que não completei
e que completo na canção
do que não vi do que não sei?
Serás a dor que se desloca
no pedido que a boca formula
à voz que na alma canta
e que nunca nunca chega à garganta?
Ou serás apenas mediunidade
o acaso na concha retendo o mar?
A improvisação doutra vontade
que em mim quer continuar?
sonhei, um dia, que estava em portugal, por um dia, à toa, num carnaval em lisboa.
um carnaval em lisboa: meu sonho voa além da poesia & encontra “o poeta” pessoalmente, meu sonho voa & encontra o poeta em: pessoa.
(gosto do pessoa na pessoa.)
no sonho, num carnaval em lisboa, a lua míngua, a lua decresce, a lua declina, pouco iluminando a noite, mas a lusitana língua acende a chama, acende o fogo; a lua míngua e, enquanto a lua míngua, pouco iluminando, a lusitana língua chama a palavra que acende, a lusitana língua chama a palavra que inflama, a lusitana língua chama a palavra que arde: chama, fogo, flama.
a língua lusitana acende a sua chama, iluminando a noite, clareando o breu, e, acendendo a sua chama, a palavra luzia, a palavra brilhava, luzia a linguagem na via pública, em plena rua, em forma de música (era carnaval em lisboa!), a palavra brilhava, a palavra luzia, em forma de marchinha, como esta aqui, de joão de barro, também conhecido por braguinha:
Anda, Luzia
Pega um pandeiro e vem pro carnaval
Anda, Luzia
Que essa tristeza lhe faz muito mal
em forma de música, na via pública, a palavra luzia: luzia-das-lusíadas-luzias.
a palavra luzia, a linguagem brilhava, nas tantas possibilidades de jogos sonoros & sintáticos.
sonhei que estava, um dia, em portugal, à toa, num carnaval em lisboa…
e seja o sonho que for, um dia, acorda-se dele. eu acordei.
pois bem. num belo dia, um amigo, em lisboa, pergunta o que quero de lisboa.
“nada”, respondo, não quero senão o que não vem nos postais, isto é: só quero o que não pode vir junto aos postais, só quero o que não pode ser aprisionado em fotos, mais um ou dois postais de lugares onde nunca fui feliz e, ainda assim (agora & sempre), mesmo postais de lugares onde nunca fui feliz, eu quis (a felicidade).
respondo ao meu amigo que não quero, de lisboa, senão o que lisboa não dá, o que ela guarda & é preciso roubar, captar nos seus ares, captar nas frestas da sua arquitetura, captar nas frinchas das suas ruas, abstrata: a secreta alegria que não cabe nos guias de turismo.
quero isso (a secreta alegria que não cabe nos guias de turismo), mais uma ou duas coisas que vêm nos guias de turismo.
vê esses rapazes & moças de olhos azuis, meu amigo? são holandeses. vê esses deuses & essas flores azuis, meu amigo? são azulejos. como trazê-los? como trazer, meu amigo, na bagagem, de presente a este seu amigo, esses rapazes & moças holandeses de olhos azuis, como trazer, meu amigo, na bagagem, de presente a este seu amigo, esses deuses & essas flores azuis de azulejos?
de nada valem os antiquários (as lojas de antiguidades); quando voltamos de lisboa, tudo o que trazemos (dos antiquários), percebemos, está partido, está quebrado, tudo o que trazemos vem faltando um pedaço: o pedaço faltoso: o que lisboa guarda & é preciso roubar, captar nos seus ares, captar nas frestas da sua arquitetura, captar nas frinchas das suas ruas, abstrata: a secreta alegria que não cabe nos guias de turismo nem nas peças dos antiquários.
por isso, respondo ao meu amigo, não vale a pena trazer nada, que daí, de lisboa, só trazemos, sem dar conta, o que nos parte, o que nos corta, mal fechamos a mala (no momento do adeus), mal abrimos a porta (no momento do adeus), saudosos de lisboa ainda em lisboa.
fechamos mal a mala (de saída), abrimos mal a porta (de saída): por isso, parte-se de lisboa e, no partir, parte de nós, em lisboa, permanece. parte-se de lisboa e, no entanto, parte de nós, em lisboa, prevalece.
(em mim, agora & sempre, permanece & prevalece a língua lusitana.)
(do site: Youtube. áudio extraído do cd: Ciclo. artista & intérprete: Maria Bethânia. canção: Sonhei que estava em Portugal. versos: Moraes Moreira. música: Moraes Moreira. gravadora: Universal Music. citação da canção: Anda Luzia. autor: João de Barro.)
a língua portuguesa é uma das grandes paixões da minha vida.
acho-a linda, sofisticada, elegante, adoro sua sonoridade, as palavras que a moldam.
sou, de fato, um seu apaixonado.
(a língua é minha pátria. o que penso, o modo de processar as coisas, penso, processo, em português. paulo sabino existe em língua portuguesa. nenhuma pátria me pariu. quem me pariu, e continua parindo, é a língua.)
e a herança da língua que tanto me encanta, e que canto tanto, devo a portugal, meu avozinho.
só por isso, só pela língua (e por conseqüência: só por camões, por pessoa, por al berto, por eugénio, por sophia, por natália, e por tantos outros), já me é válida a herança portuguesa.
o que, hoje, conhecemos como brasil, tem a sua gênese a partir da chegada dos portugueses. portugal, pai do brasil. eu, como filho deste solo, como mais um filho do solo brasileiro, tenho portugal de avô.
portugal, pai desta terra conhecida por brasil, portanto, portugal, meu avozinho, como foi que temperaste — qual o ponto? — esse gosto misturado de saudade & de carinho?
(ter saudades é viver. e o português é saudades.)
portugal, pai desta terra conhecida por brasil, portanto, portugal, meu avozinho, como foi que temperaste — qual o ponto? — esse gosto misturado de pele branca & de pele trigueira — gosto de áfrica & de europa, que é o da gente brasileira?
(gosto de samba & de fado, portugal, meu avozinho.)
brasil, grande mundo de ternura (& de agrura!), brasil, grande mundo feito da miscigenação de três continentes, de três mundos — tupã, deus, oxalá…
foram os portugueses os grandes responsáveis pelo encontro (marcado a ferro fogo luta sangue) dos três continentes no solo que viu nascer este a que chamamos brasil. portugal, pai do brasil, portanto, meu avozinho de carinhos & castigos, meu avozinho de bênçãos & maldições, meu avozinho de amores & açoites.
nos dias atuais, passados tantos anos, a relação entre portugal & o seu filho brasil & os filhos do seu filho brasil é de admiração mútua, entendida a força das suas culturas — no teatro, na dança, na música, na literatura.
nos dias atuais, passados tantos anos, a relação de admiração mútua aconteceu.
a relação de admiração mútua (portugal – brasil) aconteceu com o passar dos anos, com o passar do tempo — só o tempo fez a cama, como em todo grande amor.
o amor brasil – portugal foi chegando de mansinho, se espalhou devagarinho, foi ficando até ficar. sem maiores encantamentos — sem um sino para tocar, sem que o chão tivesse estrelas, sem um raio de luar.
a relação de admiração mútua (portugal – brasil) simplesmente: aconteceu.
a prova está aqui, nesta publicação: manuel bandeira, um neto ilustre, louvando em versos o seu avozinho de além-mar; também o poeta-compositor péricles cavalcanti & um seu poema-canção, em roupagem de fado, na interpretação da cantora portuguesa cristina branco.
(gosto de samba & de fado, portugal, meu avozinho.)