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preferência / predileção: ação de escolher uma coisa entre outras.
se a preferência / predileção implica em escolha, o escolhido é uma possibilidade entre outras possibilidades.
a preferência / predileção implica em possibilidades de escolha:
prefiro os parques de área verde.
prefiro os cachorros.
prefiro chico buarque a cole porter.
prefiro-me gostando das pessoas do que amando a humanidade (amar a humanidade é amar todos. e, no mundo, há pessoas de que não gosto, pessoas com quem não simpatizo).
prefiro a cor azul.
prefiro não achar que a razão é a culpada de tudo (os impulsos & arroubos têm o seu lugar no mundo).
prefiro conversar, se encontro algum médico (amigo ou apenas conhecido), sobre outra coisa que não seja doença.
prefiro, no amor, os aniversários não marcados — para celebrá-los todos os dias.
prefiro a bondade astuta (que não se deixa enganar, esperta, matreira) à bondade confiante demais (a bondade que confia em si demasiadamente não pondera, não questiona, se, de fato, está sendo boa).
prefiro a terra à paisana, prefiro a terra sem fardas & armas & toques de recolher.
prefiro os países conquistados aos conquistadores.
prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem (ao menos no caos estou em ordem com o mundo: confuso desordenado desarrumado inexplicável).
prefiro os contos de machado de assis às manchetes dos jornais.
prefiro os cães sem a cauda cortada.
prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
prefiro muitas coisas que não mencionei aqui a muitas outras também não mencionadas.
prefiro os zeros soltos do que postos em fila para formar cifras.
prefiro o tempo dos insetos (breve) ao das estrelas (eterno).
prefiro desvirar o chinelo com a sola para cima.
prefiro não perguntar quanto tempo ainda & quando (desejo apenas viver o quanto me for permitido viver).
prefiro, inclusive, ponderar, prefiro questionar, a própria possibilidade do ser ter sua razão: será o homem, de fato, um ser pensante, um ser racional? ou, no fundo, um lunático, ser que fundou um mundo de fábulas & fantasias, recheado de deuses, significações absurdas & acontecimentos desastrosos (guerras, escravidões, fome, depredação do meio ambiente)?
porém, independentemente de tudo & mais um pouco:
prefiro o ridículo de escrever poemas ao ridículo de não escrevê-los.
alguns gostam de poesia. “alguns” — ou seja: nem todos.
e esses “alguns” — que gostam de poesia — não chegam a ser a maioria de todos, mas a minoria.
(sem contar a escola, onde o estudo de literatura é obrigatório & os próprios poetas seriam talvez uns dois num universo de mil alunos.)
alguns — a minoria de todos — gostam de poesia. mas também se gosta de canja de galinha, gosta-se de galanteios, gosta-se da cor azul, gosta-se de fazer o que se tem vontade.
no mundo, gosta-se de inúmeras coisas. a poesia — para muitos dos “alguns” que gostam — está apenas entre as tantas outras coisas de que se gosta. desse modo, a poesia — para muitos dos “alguns” que gostam — pode tornar-se um “item” apreciado porém esquecido no fundo de uma gaveta empoeirada ou de um velho baú.
alguns gostam de poesia… mas o que é isso: “poesia”?
muita resposta já foi dada a essa pergunta & até hoje não se chegou a um consenso. portanto, qualquer resposta é vaga, qualquer resposta deixa a desejar, qualquer resposta não responde exatamente:
o que é isso — “poesia”?
pois eu digo que não sei, não sei & não sei, e, mesmo não sabendo a resposta, me agarro a ela como a uma tábua de salvação.
(a poesia aguça minha inteligência, a poesia melhora meu humor, a poesia me livra das azias existenciais, a poesia imprime ritmo à minha vida.)
salve a sua existência na minha!
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas. autora: Wislawa Szymborska. seleção & tradução: Regina Przybycien. editora: Companhia das Letras.)
POSSIBILIDADES
Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão.
ALGUNS GOSTAM DE POESIA
Alguns —
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.
Gostam —
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.
De poesia —
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.