(Os participantes do projeto “Ocupação Poética”: em pé: Salgado Maranhão, Adriano Espínola, Antonio Carlos Secchin, Alex Varella & Antonio Cicero; abaixados: Paulo Henriques Britto & Paulo Sabino.)
(Casa cheia — platéia do teatro Cândido Mendes.)
(Na platéia, uma das minhas musas, a cantora & compositora Adriana Calcanhotto.)
(Paulo Sabino & um dos grandes mestres da poesia, que estava na platéia, Geraldo Carneiro, rosados.)
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Na primeira foto, o TIMAÇO de poetas escalado para o projeto “OCUPAÇÃO POÉTICA – TEATRO CÂNDIDO MENDES” (Ipanema – RJ), acontecido nos dias 31/07, 01/08 & 02/08.
Só CRAQUES! Bateram um bolão!
O projeto foi tão bonito, tão emocionado, tudo deu tão certo, que surgiu a idéia (e o mais bacana: a idéia partiu dos próprios poetas participantes!) de fazermos, neste mesmo formato, um fim de semana em SÃO PAULO!
Estou SUPER animado & vou batalhar para que este desejo (de todos nós!) se torne realidade!
Eu sou PURA GRATIDÃO! Só tenho a agradecer a TODOS OS MESTRES que confiaram em mim, de peito aberto, para a coordenação dos saraus, todos EXUBERANTES!
Vamos que vamos, porque, no que depender de mim, levaremos POESIA aos quatro cantos do mundo!
“A poesia sopra onde quer”, versejou Murilo Mendes. E eu concordo plenamente.
(Em breve, videozinhos com algumas leituras.)
Aos senhores, uma das poesias da seleção do poeta Alex Varella, poesia que fez bastante sucesso na sua leitura. E muito divertida, bem-humorada, leve, como foi todo o evento.
Dei à minha morte o nome de Vicente.
Anotei Vicente num cartão
e guardei Vicente no bolso do paletó.
Para cima e para baixo eu ando com Vicente; Vicente é um silogismo, uma consumição, mas
não chega a ser a dor.
Encontro Vicente quando vou pegar o ônibus,
o lotação, a entrada para o teatro; Vicente transita de um bolso para outro,
misturou-se com os meus papéis,
o meu passaporte, a minha identidade, o telefone
da Margarida… o diabo. Vicente anda amarfalhado, apalpado, usado;
dobro e desdobro Vicente.
Um dia
eu perco Vicente na rua, na praia, no escritório,
e vai e alguém acha Vicente — e pronto, e eu
fico ETERNO.
ODEIO o tipo de gente que, como o venerável cardeal, vê tanto espírito no feto (e do alto do seu moralismo conclama o absurdo que é a legalização do aborto no país, não importando o número de mortes anuais de mulheres & todo o estrago que essas mortes levam aos mais próximos) & nenhum no marginal (e do alto do seu moralismo conclama a pena capital, pena de morte, no país, não importando o fato de que, num país como o Brasil, preconceituoso até o pescoço, muitos morreriam injustamente em cadeiras elétricas, e a ineficiência do Estado poderia aumentar).
Tanto espírito no feto & NENHUM no marginal…
O Brasil, em diversos aspectos, soa-me como uma piada pronta de muito mau gosto. O Brasil me enoja em diversas questões. Às vezes tenho dó deste país, tenho pena da mediocridade deste país — e o sentimento estende-se ao mundo em geral.
A fila de soldados (da Polícia Militar), quase todos pretos, dando porrada na nuca de malandros pretos, de ladrões mulatos. E, outros, “quase brancos”, tratados como pretos só para mostrar, aos outros “quase pretos” (e são quase todos pretos) & aos “quase brancos” pobres como pretos, como é que pretos, pobres & mulatos, e quase brancos “quase-pretos”, de tão pobres, são tratados.
Na TV, uma mulher pobre, preta, que morava em uma favela no bairro de Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, subúrbio da cidade, é arrastada por um camburão da P.M., como mostra uma das fotos que ilustra esta publicação.
Na TV, um deputado, em pânico mal dissimulado (no fundo, pouco se importando com o assunto), diante de um plano qualquer de educação, que parece fácil & rápido & que representa uma “ameaça” de democratização do ensino de primeiro grau.
O silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina: afinal, presos são quase todos pretos, ou “quase pretos”, ou quase brancos “quase-pretos” de tão pobres.
(E pobres são como podres. E todos sabem como se tratam os pretos.)
E não importa se olhos do mundo inteiro possam estar, por um momento (seja por causa do carnaval, seja por causa da Copa), voltados para o país. Não importa nada: ninguém é cidadão.
Os direitos civis são violados o tempo inteiro.
O Brasil, em diversos aspectos, é um imenso Haiti. Eu sinto raiva, eu sinto pena, eu sinto cansaço.
Obstruções, trincheiras, impedimentos: são muitas as barreiras: grande o aperto…
(Pense no Haiti, reze pelo Haiti…)
Paulo Sabino.
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(do livro: Letra só. autor: Caetano Veloso. seleção e organização: Eucanaã Ferraz. editora: Companhia das Letras.)
HAITI
Quando você for convidado pra subir no adro
Da Fundação Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos, pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque, um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados
De escola secundária em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada
Nem o traço do sobrado, nem a lente do Fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for ver a festa do Pelô
E se você não for
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado
Em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo
Qualquer qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino de primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua
Sobre um saco brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina: 111 presos indefesos
Mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
E todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
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(do site: Youtube. videoclipe da canção: Haiti. produção: Conspiração Filmes. música: Gilberto Gil / Caetano Veloso. letra: Caetano Veloso. intérpretes: Gilberto Gil / Caetano Veloso.)
falam em “fealdade”, em “bruteza de pedra” — selvagem (a célebre “selva de pedra”).
falam que não há belezura de paisagem, que não há formosura de natureza, pura, no azul a pino, no pleno sol, ao mar que ondula.
falam de lêmures (para os antigos romanos, espectros de pessoas mortas que atormentavam os vivos) sonados, falam de uma (talvez) diana flechadora (na mitologia grega, deusa da lua e da caça, guerreira), de dríades (na mitologia grega, ninfas, divindades que habitam rios, fontes, lagos, montes & bosques) sem estâmina, sem capacidade vital de resistência, anoréxicas, para além das pistas duma famosa avenida, num falso templo, num trianon trivializado: um “paul (villon) fantasmal”.
falam de lugares absolutos, debaixo dos viadutos, e de transeuntes exsurtos, isto é, de transeuntes soerguidos, levantados, bruscamente, inesperadamente, das latrinas vesperais cor de urina, que caminham das sentinas dissolutas.
falam que esta cidade é sem beleza de paisagem, com seus rios sem ninfas, que correm de costas para o mar que não é mar, um mar desaguado, um mar ressequido, e que desembocam, naufragam, num asfalto negro tinto.
porém,
confesso que amo essa fereza e sua beleza impura, amo a perversa aspereza de água-tofana (veneno concentrado em arsênio, muito utilizado na itália entre os séculos 15 e 17), a perversa aspereza de baudelaire (e suas flores do mal), a perversa aspereza de corrosão e azedume de couro cru — e fecho-ecler.
amar essa fereza e sua beleza impura, amar a cidade como a uma mulher de coração minado, mulher de coração cujo terreno, por estar repleto de minas, é perigoso demais para se andar, para passos, para caminhada.
a cidade como a mulher de coração minado, como uma fera, como a leo–parda, ou como a leo–nesa, ou como a tigresa, encarcerada no armário hermético do concreto (do concreto: do que é real, do que é existente; do concreto: do que diz respeito ao verso concreto; do concreto: do cimento armado com vigas de ferro, que arma as formas, as curvas, as silhuetas, da cidade).
esta cidade & seu charme de pantera acerada, isto é, seu charme de pantera revestida, de pantera guarnecida, de aço, à espreita nas esquinas, sempre alarmada, sempre em estado de alerta (o alarme vermelho, atenção redobrada).
esta cidade, esta dona pétrea, esta beleza ferina, esta executiva da saia cinza me embebe até a medula.
a cidade, com sua graça petrina, graça multi–vária, multi–tudinária (graça de multidão variada). cidade que não é minha, mas que admiro.
por isso, pela admiração, por apreciar-lhe o garbo, vejo-a por um lado de dentro, por um ângulo diferente, por um doce recesso (por um intenso re–excesso).
a cidade & sua beleza antiproust, beleza sem memória do passado, beleza que não sai em busca do tempo perdido, beleza sem olhar parado (olhar presente no passado), beleza sem anamnese, sem recordação, sem o cheiro de “madeleine” que reaviva a reminiscência da infância.
a beleza da cidade é im–passiva (é ativa, a sua beleza está em plena atividade), é des–mêmore (é des–lembrada, é sem memória), é im–plosiva (explosões em–si, explosões internas: a auto-detonação), no tenso & absurdo dilema (um dilema difícil, um tópico utópico) de tê-la, de vê-la, como:
a memória do futuro.
se o futuro, uma memória, essa memória é são paulo.
são paulo, por seu avanço tecnológico, por seu desenvolvimento econômico, por sua capacidade de estar à frente, de ser moderna, de ser “futurista”, é já a memória de tudo o que representa: o tempo seguinte, o tempo à frente: o tempo futuro.
aqui pousa a minha gratidão à terra da garoa, terra que me acarinha com muitas coisas bonitas, muitas coisas bacanas — na música, na literatura, nas artes cênicas, nas artes plásticas —.
são paulo: my love… (joão gilberto, num disco seu, ao vivo, antes de cantar “desafinado”, profere essa tão singela declaração à cidade. eu fico muito comovido & contente toda vez que a escuto; acho-a forte, significativa, saída da boca de um baiano — e que baiano!)
um beijo em todos!
outro, GRANDE, em sampa!
paulo sabino / paulinho.
(após o poema, um vídeo da metrópole e a canção “sampa”, de caetano veloso, custurando as imagens.)