“Conheço há bastante tempo o blog do Paulo Sabino e acompanho o entusiasmo, a competência e o conhecimento que ele tem das atividades literárias e musicais. Estou feliz em participar de um encontro com leitores e colegas poetas e compositores, num evento de respeito e amor pela literatura e pela música popular brasileira. Espero que haja surpresas com a presença de parceiros e amigos e dos desconhecidos que passarão a ser conhecidos.”
(Abel Silva)
Dia 15 de maio (segunda-feira), a partir das 20h, acontece a 9ª edição do projeto OCUPAÇÃO POÉTICA no teatro Cândido Mendes de Ipanema, que tem o prazer de receber como homenageado o grande poeta e letrista da música popular brasileira ABEL SILVA!
O Abel Silva, pra quem não sabe, é o letrista responsável por clássicos do nosso cancioneiro como “Festa do Interior” (música do Moraes Moreira e grande sucesso na voz da Gal Costa), “Simples Carinho” (música do João Donato e grande sucesso na voz da Ângela Ro Ro), “Quando o amor acontece” (música do João Bosco e sucesso na voz do próprio João), “Jura Secreta” (música da Sueli Costa e um super hit na voz da Simone), entre outros.
Na noite, leitura dos seus poemas além de algumas canções deste requintado poeta-compositor que serão apresentadas ao violão. Guardamos uma surpresinha pro público!
Para esta 9ª edição, a alegria de receber este timaço na homenagem ao Abel Silva:
– o filósofo, poeta e letrista ANTONIO CICERO (foto);
– o cantor e compositor GERALDO AZEVEDO (foto);
– a atriz, escritora e jornalista TESSY CALLADO (foto);
– o poeta e jornalista CHRISTOVAM DE CHEVALIER (foto);
– a poeta, atriz, cantora e dramaturga ELISA LUCINDA (foto);
– o violonista ANDRÉ TRINDADE SILVA (foto);
– o poeta e coordenador do projeto, PAULO SABINO (foto);
– e, é claro, o grande homenageado da noite, ABEL SILVA (foto).
Aguardamos vocês para esta festa de poesia e música!
SERVIÇO:
Ocupação Poética (9ª edição)
Coordenação: Paulo Sabino
Participantes: Abel Silva e convidados especiais
Teatro Cândido Mendes
Rua Joana Angélica, 63 – Ipanema
Tel: (21) 2523-3663
Data: 15/05 SEGUNDA-FEIRA
Horário: 20h
Entrada: R$ 20,00 (inteira) R$ 10,00 (meia)***
Vendas antecipadas na bilheteria
Classificação livre
Link do evento no Facebook: http://www.facebook.com/events/1824165584571094/
*** Deixe o seu nome nos “comentários” desta publicação e pague meia entrada (R$ 10,00)
(do livro: O gosto dos dias. autor: Abel Silva. editora: 7Letras.)
O GOSTO DOS DIAS
O tempo confere
o gosto dos dias
o tempo apura
o açúcar e o sal,
e remedia
o que não tem remédio
e lambe ou cura
a ferida a cal.
O tempo não tira
de mim um pedaço
mas soma e acresce
o que cabe a mim,
o tempo abastece
o que sou e o que faço
e vem sempre comigo
que me levo a pé.
O rumo, presumo,
segue indecifrado
às vezes labirinto
outras, avenida,
atento às pedras
e aos pedágios da vida,
a pouca bagagem
seu peso não sinto,
e o fim do caminho
não sei quando é.
sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo, sábio é o que se contenta com o espetáculo da vida terrena, sábio é o que bebe da vida e que, ao beber, não se recorda do que bebeu, para quem tudo é novo & imarcescível (que não perde o viço), sempre.
coroe o sábio o que for da vida — heras, rosas volúteis, peixes, pássaros —, pois o sábio sabe que a vida passa por ele e que a tesoura de átropos (na mitologia grega, a deusa responsável pelo “corte” do “fio” da vida) tanto corta, ou seja, tanto talha, tanto encerra, a hora da rosa como encerra a hora do peixe, a hora do pássaro, e também a hora do sábio.
assim sendo, já que a tesoura de átropos corta a flor como corta o peixe o pássaro o sábio, o que ao sábio resta é viver, saboreando o gosto do vinho e deixando que o sabor do vinho saboreado esconda tão bruta realidade — a de que tudo, um dia, cessa, acaba, finda, morre.
o que ao sábio resta é viver, bebedor tranqüilo, apenas desejando, num desejo mal tido (porque pouca & pequena a preocupação), que a abominável onda última, a onda que vem nos buscar para o mundo dos mortos, não o molhe tão cedo.
o que ao sábio resta é viver, admirando as rosas dos jardins de adônis — deus nascido da casca duma árvore encantada, deus belo dos campos —, admirando as rosas que, cultivadas em culto ao deus, nascem & morrem no mesmo dia.
para essas rosas, a luz é eterna, porque as rosas nascem com o sol já nascido, e acabam antes do astro-rei se pôr.
assim façamos a nossa vida: como se um dia fosse, como se a nossa vida toda luz fosse, como se a nossa vida fosse apenas claridade, voluntariamente inscientes, isto é, voluntariamente não cientes, voluntariamente ignorantes, de que noite há antes & após do pouco que duramos.
(luz! quero luz!)
afinal, deste mundo se leva: nada.
deste mundo leva-se apenas o oco, leva-se apenas o vazio.
já que deste mundo nada se leva, nem mesmo o último óbolo (moeda grega de pouco valor, espécie de “esmola”) que tenhamos nas mãos, já que deste mundo nada se leva, nem uma memória na alma:
de que adiantam os tronos & as coroas recebidos se não existem tronos & coroas que não sejam desbancados por átropos, a deusa responsável pelo corte do fio da vida?
se da vida nada se leva:
de que adiantam os louros, de que adiantam as glórias, se não existem louros & glórias que não fanem, que não murchem, ante as vontades, ante os arbítrios, de minos (rei da ilha de creta que, depois de morto, desceu ao mundo subterrâneo onde se tornou um dos juízes dos mortos)?
já que tudo passa, abdiquemos de tronos & coroas & louros & glórias e sejamos somente reis de nós mesmos.
aprendamos a governar com maestria as nossas vidas.
só nós somos sempre iguais a nós próprios.
grande & nobre é sempre viver simplesmente. e simplesmente: viver.
a realidade sempre é mais ou menos feita do que nós queremos.
grande & nobre é sempre viver simplesmente:
seguir o destino que nos cabe.
regar as plantas.
amar as rosas.
deixar a dor nas aras, nos altares, como ex-voto, como oferenda, aos deuses.
vejamos a vida de longe, calmos, serenos. de nada adianta interrogá-la. a existência não tem boca, o mundo não tem idioma. nada podem nos dizer.
(a resposta está além dos deuses.)
serenamente, imita o olimpo, que é a morada dos deuses, no seu coração.
façamos do cerne do ser a casa certa, o destino traçado pelos deuses, pelas belezas sem razão & pela razão.
35 primaveras vencidas, e uma grande alegria de viver.
(do livro: Ficções do Interlúdio / 2-3 — Odes de Ricardo Reis / Para além do outro Oceano de C[oelho] Pacheco. autor dos poemas: Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa. editora:Nova Fronteira.)
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranqüilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio.
Pagã triste e com flores no regaço.
Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo, E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.
Coroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas volúteis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos a tesoura.
Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.
E ele espera, contente quase a bebedor tranqüilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.
As rosas amo dos jardins de Adônis, Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Imitação da vida. artista & intérprete: Maria Bethânia. poema: “Para ser grande”. autor: Ricardo Reis — heterônimo de Fernando Pessoa. canção: “Segue o teu destino”. poema: Ricardo Reis — heterônimo de Fernando Pessoa. música: Sueli Costa. gravadora: EMI.)