PASSAGEM (2017/2018)
10 de janeiro de 2018

(Sempre que possível, caminho do mar, meu amante maior. Mais do que alegria, mais do que presente, uma bênção estar bem juntinho dele numa virada de ciclo. 2018 e mais os que virão, e mais os que verão.)
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“Começar o ano com um poema de Ana Martins Marques mais suas fotos e seu belo sorriso é uma ótima abertura! Grande abraço, Armando”.

(Armando Freitas Filho — poeta e pesquisador)

 

 

pense em quantos acontecimentos até chegar a este acontecimento: o de poder sentar em frente ao computador e escrever uma publicação que, ao mesmo tempo, feche o ano que passou e brinde o que acabou de chegar.

apesar dos pesares, apesar da crise política e econômica que nos assola, 2017 foi um ano bastante produtivo, cheio de projetos, conquistas e realizações bonitas. muito a agradecer.

tantos momentos até chegar a este momento: muitos projetos, muitos compromissos, fechei o ano passado de trabalho e na seqüência parti para uma viagem de descanso, muitos risos e contemplação da natureza.

o início do fim de 2017: os projetos que encerraram o ano: no dia 13 de novembro, aconteceu a última edição (do ano), a 11ª, do projeto “ocupação poética”, que homenageou o poeta e designer gráfico andré vallias e contou com a participação da cantora, performer e psicanalista Numa Ciro. uma noite linda, de casa cheia, e presenças ilustres na platéia.

(o homenageado da 11ª edição da ocupação, andré vallias — foto: luciana queiroz)

(o coordenador do projeto, paulo sabino, e a cantora, performer e psicanalista numa ciro — foto: luciana queiroz)

(o homenageado da 11ª edição, andré vallias, entre os participantes paulo sabino e numa ciro — foto: luciana queiroz)

(platéia bonita no teatro cândido mendes de ipanema — foto: luciana queiroz)

(paulo sabino, numa ciro e a professora e pesquisadora da área de literatura heloisa buarque de hollanda — foto: luciana queiroz)

(paulo sabino com a artista plástica vera roesler e o poeta, letrista e filósofo antonio cicero — foto: luciana queiroz)

um mês depois da última edição de 2017 do projeto ocupação poética, no dia 14 de dezembro participei do projeto “geleia tropical – show game”, na sala baden powell, um conceito novo de espetáculo, onde a platéia é peça fundamental da noite, pois é a platéia, através de um jogo, quem escolhe a ordem de entrada dos artistas e o que cada artista apresenta.

(divulgação com a estampa do apresentador do “geleia tropical” — foto: thiago facina)

(todos os participantes do espetáculo “geleia tropical — show game”)

no dia 19 de dezembro teve repeteco do tributo em homenagem ao negro gato de arrepiar do estácio, luiz melodia, “baby te amo”, na casa de jazz blue note.

(o poeta e mestre de cerimônias do tributo ao luiz melodia “baby te amo” — foto: laura limp)

(os artistas ao final da apresentação, segurando um grafite do grande homenageado da noite — foto: laura limp)

no dia seguinte, 20 de dezembro, fechando o ano de atividades de 2017 com chave de ouro, a última edição, a 11ª, do projeto “somos tropicália”, projeto que coordenei e produzi ao lado do jornalista rafael millon ao longo de 2017, ano em que o movimento tropicalista completou os seus 50 anos. nesta última edição, casa lotada, abarrotada, de um jeito que tive que parar um pouquinho a apresentação a fim de reacomodar as pessoas no gabinete de leitura guilherme araújo. foi mágico, uma lindeza só. para o encerramento, o projeto contou com a super cantora (e minha futura professora de canto, começamos as aulas na semana próxima!) marcela mangabeira, com os instrumentistas elisio freitas e ivo senra, e com o poeta e designer gráfico andré vallias. todas as fotos a seguir, de divulgação, são da luciana queiroz.

(andré vallias, marcela mangabeira, elisio freitas, gal costa na pintura e ivo senra)

pense em quantos outros acontecimentos, em quantos outros momentos, em quantos outros projetos para chegarmos a este acontecimento, a este momento, a este projeto: o de estar sentado de frente pro computador, escrevendo uma publicação que, ao mesmo tempo, feche o ano que passou e brinde o que acabou de chegar.

pense em quantos verões até precisamente este verão, este, em que me encontrei à beira de um mar rigorosamente igual — rigorosamente igual porque a única coisa que não muda, no mar, é o fato de ele mudar o tempo inteiro.

pense em quantas tardes e praias vazias foram necessárias para chegarmos ao vazio das praias e tardes em que estive na virada do ano.

pense em quantas línguas até que a língua fosse esta, a portuguesa, pense em quantas palavras até esta palavra, esta aqui, que encerra este texto que é a tentativa de, ao mesmo tempo, fechar o ano que passou e brindar o que acabou de chegar.

pense em quantos acontecimentos e momentos e projetos nos aguardam com o andar dos passos.

2018 promete. muita coisa boa por vir. sigamos juntos.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: O livro das semelhanças. autora: Ana Martins Marques. editora: Companhia das Letras.)

 

 

Pense em quantos anos foram necessários para
………………………………………….[chegarmos a este ano
quantas cidades para chegar a esta cidade
e quantas mães, todas mortas, até tua mãe
quantas línguas até que a língua fosse esta 
e quantos verões até precisamente este verão
este em que nos encontramos neste sítio
exato
à beira de um mar rigorasamente igual
a única coisa que não muda porque muda sempre
quantas tardes e praias vazias foram necessárias
………………………………………….[para chegarmos ao vazio
desta praia nesta tarde
quantas palavras até esta palavra, esta

SER FELIZ
30 de junho de 2017

(Foto: Thiago Facina)
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dia 24 de junho, dia de são joão, dia de xangô menino, dia do santo festeiro: dia em que este que vos escreve completou as suas 41 primaveras. muitíssimo bem vividas, graças.

não sou pessoa de saudosismos; adoro a vida — e espero continuar assim — no momento em que ela é, no momento presente, no momento atual. acho muito bonito olhar para trás e ver o que este jovem rapaz de 41 anos realizou em prol da poesia e literatura e o que ainda tem a fazer. muita coisa bonita e bacana acontecendo, muita coisa bonita e bacana pra acontecer, muita coisa bonita e bacana pra compartilhar. aguardem.

e, nesta trajetória que me cabe, com tanta coisa a ser realizada, apesar dos pesares, apesar dos perigos, apesar de todas as pedras no meio do caminho, sigo apostando na flor, no amor, na alegria. aposto no bem-estar.

ser feliz com as minhas realizações e também ser feliz com a felicidade alheia: a felicidade do outro, se dermos espaço a ela, pode contagiar-nos a ponto de aplacar algumas feridas que trazemos. a ponto de aprendermos com quem vive a felicidade apesar dos pesares, apesar dos perigos, apesar de todas as pedras no meio do caminho. a ponto de percebermos que o nosso umbigo não é tão fundo e que os nossos problemas não são os maiores.

os momentos felizes não estão escondidos nem no passado e nem no futuro. a vida gosta de quem gosta da vida. eu sou um que gosto.

fique feliz porque outras pessoas estão felizes. porque os filhos de outras pessoas estão em escolas melhores. sorria porque alguém deixou de ser analfabeto. alegre-se por aqueles que também têm ceia. porque o outro pode simplesmente ser você, recebendo de volta tudo aquilo de bom que você, ao longo da sua existência, desejou aos outros.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Flores de alvenaria. autor: Sérgio Vaz. editora: Global.)

 

 

SER FELIZ

 

Fique feliz

porque outras pessoas estão felizes.

Um brinde àquele seu amigo que saiu da fila do
………………….desemprego,
ou que encontrou um novo amor.

Por soldados de uma guerra que não te afeta,
que acabam de se abraçar para selar a paz.
Pelas pessoas que você nem conhece,
mas que já não têm problemas de saúde.

Fique feliz
porque os filhos de outras pessoas estão
em escolas melhores e não mais mendigam nos
………………….semáforos,
e uma pessoa que você nunca viu, e provavelmente
………………….nunca verá,
está dando seu beijo pela primeira vez.

Porque a mãe e o pai de alguém
estão chorando de felicidade vendo seu filho com o
………………….diploma na mão.

Sorria
porque alguém deixou de ser analfabeto.

Pela criança que começou a andar.
Por pais e avós que voltaram a ser criança.
Pelo seu amigo que agora tem mais dinheiro e não
………………….anda mais de ônibus, mas de bicicleta.

Porque alguém ao sul de Angola ou a leste da Tan-
………………….zânia acaba de dizer: eu te amo.
Por todas as pessoas que saíram do aluguel e, mais
………………….feliz ainda,
por aqueles que conseguiram seu teto.

Alegre-se
por aqueles que também têm ceia, ou não,
mas que já não disputam migalhas nas calçadas.
E porque sabe que o Deus em que você acredita
………………….não é seu personal trainer, e ele também
………………….deve atender às orações de outras pessoas.

Fique feliz
em saber que o brilho de outras pessoas
não é aquilo que te traz escuridão, mas a
………………….luminosidade.
Porque o outro pode simplesmente
ser você recebendo de volta
tudo aquilo de bom que você desejou aos outros.

O ESTRANGEIRO
28 de agosto de 2009

queridos,
 
as linhas que seguem para vocês me chegaram através de associações as mais curiosas (curiosas para mim, que, até agora, não entendo exatamente como foram surgindo…).
 
primeiro pensei num comentário que li, da marina lima, sobre a peça “o estrangeiro”, baseada no livro homônimo de albert camus, em cartaz no rio de janeiro. depois me surgiu uma conversa que mantive com um grupo de pessoas, onde o meu amado amado amado thiago facina, também conhecido como “abel”, fizera uma observação sobre esta mesma personagem, o “estrangeiro”, a personagem da peça comentada por marina, personagem, inclusive, bastante conhecida por estudos filosóficos e psicossociais.
 
“estrangeiro” é aquele indivíduo que não pertence ao lugar em que está; é o diferente, o que se localiza à parte. o “estrangeiro” de camus é um homem que desaceita o jogo social moralista e rompe com as convenções. é um homem que se vê distanciado, esquivo àquela conjuntura do seu círculo social. e paga o preço por sua ousadia. 
 
deste modo, pensando em camus e na sua personagem, cheguei a hilda hilst e ao seu livro intitulado “kadosh”, termo hebraico que dá sentido ao que se faz separado, ao que é diferente, ao que é distanciado do grupo, sendo “a diferença” — “a particularidade” que causa a diferença — associada a uma característica sagrada, santificada. porém, na obra de hilst, o que importa é o sentido que esta palavra, “kadosh”, abriga para nomear aquilo que se encontra à parte, à distância, em destaque.
 
daí, saltando de hilda, agarrei-me ao autor das palavras abaixo. porque ele foi, de algum modo, por sua postura ante a vida e pelo preço que pagou por causa desta sua postura, um “estrangeiro”. um homem que quebrou algumas importantes convenções sociais da sua época, as convenções que, segundo o próprio, estariam na categoria das “ações más que não podemos cometer”. um escritor que experimentou a fama e a difamação de forma vertiginosa. um intelectual que nos tem muito a dizer, a notar pela seleção de frases e trechos aqui deixados.
 
aproveitem-no!
 
beijo em vocês.
paulinho / paulo sabino.
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(livro: As obras-primas de Oscar Wilde. editora: Ediouro. capítulo: Frases, Citações e Aforismos. tradução: Dilermando Duarte Cox)
 
Todo meu gênio coloquei em minha vida;
no trabalho, tudo o que pus foi meu talento.
 
 
Experiência é algo que você não pode obter em troca de nada.
 
 
É uma pena que só levemos a sério as lições da vida
quando elas já não nos servem mais.
 
 
A beleza é a única coisa contra a qual a força do tempo nada pode.
As filosofias se desfazem como areia, as crenças sucedem-se
umas após outras, mas o que é belo é uma alegria a qualquer tempo,
algo que pertence a toda humanidade para sempre.
 
 
Eu não sou jovem suficiente para saber de tudo.
 
 
Não há outro jeito de livrar-se de uma tentação
a não ser sucumbindo a ela.
 
 
O mundo classifica as ações segundo três categorias: as ações boas, as ações más que podemos cometer, e as ações más que não podemos cometer. Se vocês se limitarem às boas ações, merecerão o respeito dos bons. Se ficarem apenas com as más ações que podem ser cometidas serão respeitados pelos maus. Mas se realizarem as más ações que não podem ser cometidas, os bons e os maus se juntarão contra você e não haverá mais coisa alguma que possa salvá-lo. 
 
O egoísmo não está em vivermos conforme nossos desejos,
mas em exigirmos que os outros vivam da mesma forma.
O verdadeiro altruísmo é deixar cada um viver
do modo que lhe parecer melhor.  
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(trecho extraído de: O retrato de Dorian Gray. tradução: Marina Guaspari. livro: As obras-primas de Oscar Wilde. editora: Ediouro.)
 
O prazer é a única coisa merecedora de que se lhe dedique uma teoria (…). Mas desconfio de que não posso reivindicar a qualidade de autor desta teoria. Ela pertence à natureza e não a mim. O prazer é o teste da natureza, o seu sinal de aprovação. Quando somos felizes, sempre somos bons, mas, por sermos bons, nem sempre seremos felizes.
 
(…)
 
Ser bom é estar em harmonia consigo mesmo (…). A discordância está em sermos forçados a viver em harmonia com os outros. A nossa vida: eis o que importa. A vida dos nossos semelhantes… quem quiser dar-se ares de pedante ou de moralista poderá julgá-la pelos seus critérios morais, mas a vida alheia não é da nossa conta. (…) A moral moderna consiste em aceitar o padrão da nossa época. Ora, a meu ver, um homem de cultura aceitar o padrão da sua época é uma forma da mais crassa imoralidade.

SAIBA FOMES E SEDES
7 de agosto de 2009

pessoas,

a motivação de mandar-lhes os textos que colho aqui e ali parte, sempre, primeiramente do coração.

seja prosa, seja poesia, tem que mexer, emocionar, tocar a sensibilidade primeira, que em mim é muito intuitiva, para, depois, o exercício mais cerebral, o de (tentar)  compreender o objeto — o texto — de modo mais inteiro.

por isso, por trás das linhas que lhes chegam, há sempre algum motivo, alguma razão, deveras emocional, muito muito muito sentimental (rs).

lembro-me de que, numa conversa com o meu querido, amado e idolatrado (salve salve!) amigo thiago facina, vulgo “abel”, fotógrafo de olhos cheios (http://www.flickr.com/photos/tfacina/), ele me disse uma sentença que não mais esqueci: “muitas vezes estou ouvindo alguma música do arnaldo antunes e penso: ‘porra, como eu queria ter escrito isso!'” de pronto, respondi com um sorriso largo, de concordância, porque, como ele, eu também gostaria de ter escrito muitas e muitas e muitas e muitas de suas letras.

o arnaldo antunes, sinto-o ser da mesma escola e estirpe do gilberto gil, do vinicius de moraes, do chico buarque: é um poeta cujo discurso (o que é dito, a sua intenção com o que é dito), por conta do seu estilo ortográfico, é de fácil absorção — consegue-se entender de cara o que o poeta intenciona –, embora o trabalho de feitura, o de elaboração dos versos, seja pra poucos, porque complicadíssimo o encaixe de melodia e texto com tamanhas riquezas estilísticas e metafóricas (quando linhas para canções!, ressalva importante de ser feita). trocando em miúdos, arnaldo antunes pertence à escola que vinicius de moraes disse pertencer o chico buarque: fácil de entender, difícil de fazer. algumas das suas letras seguem aqui por essa genialidade, por essa capacidade tão cara (e incomum a muitos).

adorava quando estávamos na casa antiga, na casa onde morávamos, eu, no meu quarto, e o zé luiz brandão, uma espécie de anjo-irmão com quem moro, de repente, do seu quarto, largava o dedo no play do i-tunes e deixava fluir a voz gravíssima cantando “se tudo pode acontecer, se pode acontecer qualquer coisa…” ou qualquer outra coisa construída por arnaldo, verdadeiro arquiteto-titã das palavras. o sorriso largo brotava invariavelmente (rs). maravilha, zé (rs)!

por essas & por outras (sempre ótimas memórias), seguem os versos de um dos bambas na minha vida, para matar determinadas fomes e sedes.

aliás, nunca deixem de se perguntar durante a vida, em todos os momentos se possível: você tem fome de quê? você tem sede de quê? e mais que perguntar, procurem saciar fome & sede.

um beijo em todos vocês,

o preto,

paulinho.

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SAIBA

Saiba: todo mundo foi neném
Einstein, Freud e Platão também
Hitler, Bush e Sadam Hussein
Quem tem grana e quem não tem

Saiba: todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu

Saiba: todo mundo teve medo
Mesmo que seja segredo
Nietzsche e Simone de Beauvoir
Fernandinho Beira-Mar

Saiba: todo mundo vai morrer
Presidente, general ou rei
Anglo-saxão ou muçulmano
Todo e qualquer ser humano

Saiba: todo mundo teve pai
Quem já foi e quem ainda vai
Lao Tsé Moisés Ramsés Pelé
Ghandi, Mike Tyson, Salomé

Saiba: todo mundo teve mãe
Índios, africanos e alemães
Nero, Che Guevara, Pinochet
e também eu e você

INCLASSIFICÁVEIS

que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio , que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?

que preto branco índio o quê?
branco índio preto o quê?
índio preto branco o quê?

aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos mamelucos sararás
crilouros guaranisseis e judárabes

orientupis orientupis
ameriquítalos luso nipo caboclos
orientupis orientupis
iberibárbaros indo ciganagôs

somos o que somos
inclassificáveis

não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,

não há sol a sós

aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
americarataís yorubárbaros.

somos o que somos
inclassificáveis

que preto, que branco, que índio o quê?
que branco, que índio , que preto o quê?
que índio, que preto, que branco o quê?

não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não tem cor, tem cores,

não há sol a sós

egipciganos tupinamboclos
yorubárbaros carataís
caribocarijós orientapuias
mamemulatos tropicaburés
chibarrosados mesticigenados
oxigenados debaixo do sol

PODER (em parceria com tadeu jungle)

pode ser loucura, pode ser razão

pode ser sim, pode ser não
pode ser maria, pode ser joão
pode ser carro, pode ser avião
pode ser saúde, pode ser educação
pode ser porta, pode ser portão
pode ser amor, pode ser prisão
pode ser drama, pode ser pastelão
pode ser laranja, pode ser limão
pode ser bíblia, pode ser alcorão
pode ser inverno, pode ser verão
pode ser pé, pode ser mão
pode ser nevoeiro, pode ser poluição
pode ser samba, pode ser baião
pode ser são jorge, pode ser dragão
pode ser circo, pode ser pão

só não sei porque
eu e você
não pode não

pode ser purê, pode ser pirão
pode ser rei, pode ser peão
pode ser chapeuzinho, pode ser lobão
pode ser raio, pode ser trovão
pode ser sujeira, pode ser sabão
pode ser seda, pode ser algodão
pode ser bermuda, pode ser calção
pode ser beijo, pode ser chupão
pode ser reforma, pode ser revolução
pode ser creme, pode ser loção
pode ser conselho, pode ser lição
pode ser gato, pode ser cão
pode ser eva, pode ser adão
pode ser fila, pode ser procissão
pode ser madeira, pode ser carvão
pode ser antes, pode ser então

só não sei porque
eu e você
não pode não

pode ser guitarra, pode ser violão
pode ser brocha, pode ser garanhão
pode ser trepada, pode ser masturbação
pode ser cama, pode ser chão
pode ser visita, pode ser invasão
pode ser regra, pode ser excessão
pode ser tristeza, pode ser preocupação
pode ser marte, pode ser plutão
pode ser xadrez, pode ser gamão
pode ser sério, pode ser gozação
pode ser solteiro, pode ser sultão
pode ser papo, pode ser discussão
pode ser progresso, pode ser recessão
pode ser bolsa, pode ser pregão
pode ser favela, pode ser mansão
pode ser fim, pode ser introdução

só não sei porque
eu e você
não pode não

pode ser cinema, pode ser televisão
pode ser cara, pode ser coração
pode ser mentira, pode ser plantão
pode ser hobby, pode ser profissão
pode ser país, pode ser nação
pode ser santos, pode ser cubatão
pode ser palpite, pode ser dedução
pode ser cópia, pode ser invenção
pode ser cagaço, pode ser precaução
pode ser frango, pode ser faisão
pode ser arroz, pode ser feijão
pode ser juros, pode ser inflação
pode ser incompetência, pode ser distração
pode ser águia, pode ser gavião
pode ser mocinho, pode ser vilão
pode ser um, pode ser milhão

só não sei porque
eu e você
não pode não

pode ser problema, pode ser solução
pode ser pobre, pode ser barão
pode ser biriba, pode ser balão
pode ser bela, pode ser canhão
pode ser anágua, pode ser combinação
pode ser bagre, pode ser salmão
pode ser geladeira, pode ser fogão
pode ser pai, pode ser patrão
pode ser acaso, pode ser intenção
pode ser pico, pode ser injeção
pode ser hotel, pode ser pensão
pode ser arte, pode ser borrão
pode ser doente, pode ser são
pode ser áries, pode ser escorpião
pode ser inteiro, pode ser fração
pode ser tudo, pode ser tão

só não sei porque
eu e você
não pode não

SE TUDO PODE ACONTECER (em parceria com alice ruiz, paulo tatit e joão bandeira)

se tudo pode acontecer
se pode acontecer
qualquer coisa
um deserto florescer
uma nuvem cheia não chover

pode alguém aparecer
e acontecer de ser você
um cometa vir ao chão
um relâmpago na escuridão

e a gente caminhando
de mão dada
de qualquer maneira
eu quero que esse momento
dure a vida inteira
e além da vida
ainda de manhã
no outro dia
se for eu e você
se assim acontecer

CABIMENTO (em parceria com paulo tatit)

como uma agulha cabe

numa caixa de fósforos
ou num caixão
num palheiro, num jardim,
no bolso de uma pessoa
na multidão
caminhão, montanha,
tudo cabe em seu tamanho
tudo no chão
hoje eu caibo nesse mesmo
corpo que já coube
na minha mãe
minha mãe, minha avó
e antes delas minha tataravó
e antes delas um milhão
de gerações distantes
dentro de mim
um lugar num porão
uma cama num colchão
como um átomo num grão
uma estrela na galáxia
como a bala de revolver
cabe no revólver
cabe também
numa caixa, num buraco
bem no centro do alvo
ou em alguém
onde cabem coração
cabeça tronco e membros
soltos no ar
como cada gesto cabe
no seu movimento
muscular
só nós dois, meu amor
não cabemos em mim
ou em você
como toda gente tem
que não ter cabimento
para crescer

DEBAIXO D’ÁGUA

Debaixo d’água tudo era
mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar

Debaixo d’água
se formando
como um feto
sereno confortável
amado completo
sem chão sem teto
sem contato com o ar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo d’água por encanto
sem sorriso e sem pranto
sem lamento e sem saber
o quanto esse momento
poderia durar

Mas tinha que respirar

Debaixo d’água ficaria
para sempre
ficaria contente
longe de toda gente
para sempre
no fundo do mar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo d’água
protegido salvo
fora de perigo aliviado
sem perdão e sem pecado
sem fome sem frio
sem medo
sem vontade de voltar

Mas tinha que respirar

Debaixo d’água tudo era
mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar

Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

DO VENTO (em parceria com paulo tatit e sandra peres)

alimenta o fogo
atormenta o mar
arrepia o corpo
joga o ar no ar
leva o barco a vela
levanta lençóis
entra na janela
leva a minha voz

nuvens de areia
folhas no quintal
canto de sereia
roupas no varal

tudo vem do vem tudo vem
do vento vem tudo vento vem
do vento vem tudo

sacode a cortina
alça os urubus
sai pela narina
canta nos bambus

cabelo embaraça
bate no portão
espalha a fumaça
varre a plantação

lava o pensamento
deixa o som chegar
leva esse momento
traz outro lugar

tudo vem do vem tudo vem
do vento vem tudo vento vem
do vento vem tudo

COMIDA (em parceria com marcelo fromer e sérgio britto)

Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.

Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.