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“Muito bem! Forte abraço.”
(Antonio Carlos Secchin — poeta, tradutor, crítico literário & membro da Academia Brasileira de Letras — ABL)
tudo é matéria para o poema. tudo interessa & instiga o verso. qualquer assunto. qualquer acontecimento. qualquer pensamento. tudo serve de alimento ao poema. por isso a liberdade total dos versos: o poema não está preso a nada; e não estando preso a nada, pode absolutamente tudo. pois em tudo o poeta enxerga a possibilidade dos versos & o encanto de deus (do sublime, do divino): na moça que passa perante seus olhos, no menino de sunga verde parado em frente à grandeza do mar, na queda de uma folha, no salto de um gato ou na vida pacata & sem grandes arroubos da mulher virgem, que não lhe pertenceu, que não quis entregar-se a você.
ela, a mulher virgem, não foi de ninguém & sabe que não pertence nem a ela mesma, pois a sua vida, como a vida de todos nós, não está propriamente nas suas mãos — não sabemos nunca o que nos guarda o futuro, o que nos aguarda na próxima esquina, não sabemos quando morreremos, não sabemos nada.
a mulher virgem foi criança que não brincou & moça que não namorou. hoje é mulher que não tem desejos. com uma vida pacata & sem grandes arroubos, a mulher virgem será velha sem passado, sua vida é sem histórias para contar — ela só gosta de estar deitada, olhando não sabe pra onde.
a mulher virgem passa horas sem pensar, passa dias sem comer, passa anos sem mexer, no quarto azul que lhe deram. ela nasceu nele, vive nele & nele, talvez, morrerá, se não aparecer aquele que ela sempre esperará sem cansaço, sem tédio, sem prostração, aquele que fará a mulher virgem levantar, andar & pensar (para além do seu quarto azul), aquele que ensinará à mulher virgem o nome de seus pais & das partes do seu corpo, aquele que revelará, a ela, a sua própria vida, o seu próprio mundo.
a mulher virgem espera alguém que talvez não venha mas que ela sabe que existe, porque sabe da própria existência. assim como ela existe, virgem inútil, que nunca fez muito da sua vida, vida sem propósitos & arroubos, por que não existir aquele que a fará levantar & que lhe ensinará? se, no mundo, existe a possibilidade do grande absurdo que é a sua vida, por que não haveria espaço para aquele que ela sempre esperará sem cansaço?
existir, a mulher virgem sabe que ele existe. porém, ela também sabe que não basta existir; ela sabe que, para além da existência de um & de outro, há de haver a grande magia do encontro.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do site: Youtube. Paulo Sabino recita “A virgem inútil”, poema de Ismael Nery. Em 26/01/2016.)
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(do livro: A poesia é necessária. seleção de poemas: Rubem Braga. autor do poema: Ismael Nery. organização do livro: André Seffrin. editora: Global.)
A VIRGEM INÚTIL
Eu não lhe pertenci porque não quis.
Não fui de ninguém, nem sou minha.
Nasci no dia 9 de julho de 1909
E não sei quando morrerei.
Fui criança que não brincou
E moça que não namorou.
Sou mulher que não tem desejos.
Serei velha sem passado,
Só gosto de estar deitada
Olhando não sei p’ra onde.
Passo horas sem pensar,
Passo dias sem comer,
Passo anos sem mexer
No quarto azul que me deram.
Nasci nele, vivo nele e nele talvez morrerei,
Se não aparecer aquele
Que sempre esperarei sem cansaço,
Que me fará levantar, andar e pensar,
Que me ensinará o nome de meus pais e das partes do meu corpo.
Eu espero alguém que talvez não venha
Mas que sei que existe,
Porque sei que existo.