(A fúria da beleza de Jurema Armond: quando jovem, na primeira foto, e atualmente, aos 73 anos.)
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hoje, 19 de outubro, aniversário da minha cabocla jurema.
73 anos de muito carinho, 73 anos de muitas delicadezas, 73 anos de muitas histórias da sua infância.
dona jurema armond, minha mãe, adora contar que, na sua infância, havia flores & frutas que são, hoje, raríssimas. como ninguém, quando caminhando pelas ruas, adora identificar os pés de árvores que encontra pela frente: roseiras, goiabeiras, mangueiras, abacateiros, amoreiras, jasmineiros, pés de manacá, onze-horas & dálias. à sua época de criança, tudo isso era encontrado pelos quintais com muita facilidade. e são estas as belezas que a encantam desde sempre. e são estas as belezas que fazem ser furiosa a beleza que encontro em dona jurema armond.
estupendamente funda, a beleza, quando é linda demais, dá uma imagem feita só de sensações, de modo que, apesar de não se ter consciência desse todo, diante de uma beleza tão estupendamente funda, sabemos não nos faltar nada.
é um “pá”, um tapa, um golpe. um bote que nos paralisa, organiza, dispersa, conecta & completa.
estonteantemente linda, a beleza que enxergo em dona jurema armond doeu profundo no peito esta manhã.
penso, às vezes, que vivo para este momento indefinível, sagrado, material, cósmico, quase molecular, o de me deparar com belezas que, de tão belas, chegam a ser furiosas, violentas, intransigentes, incontornáveis.
dona jurema armond, para quem não conhece, como é que me cabe explicar? difícil explicar essa flor que hoje vence as suas 73 primaveras, descrevê-la, conceituá-la cor, pétalas & caule, com seus merecimentos.
a fúria da beleza de dona jurema armond: no fundo, impronunciável. cabe a mim, apenas, percebê-la & intuí-la.
dona jurema armond é assim: é como as árvores & flores que a própria adora identificar pelas veredas em que caminha: furiosamente bela, violentamente encantadora.
a ela, neste 19 de outubro, todos os meus salves & todas as minhas loas!
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: A fúria da beleza. autora: Elisa Lucinda. editora: Record.)
O IMPRONUNCIÁVEL
Na minha infância havia flores e frutas fáceis
que são hoje raríssimas.
Roseira e goiabeira no quintal
eram uma coisa normal.
Veludo era uma planta chique, eu achava,
e sei lá de que família.
Tinha Onze-horas, uma florzinha rosinha-roxeada
que abria só por essa hora,
mulherezinhas que fechavam de noite
e abriam de dia.
E Dália, meu Deus?
Se eu não disser Dália
parece que ela desaparece,
parece que a flor nunca mais existirá,
nunca mais será encontrada.
Dália, pra quem não conhece,
como é que me cabe explicar?
Difícil explicar flor.
Descrevê-la, conceituá-la cor pétalas
e caule com seus merecimentos.
Araçá também sumiu.
Uma frutinha pequena, prima da goiaba,
parecida com, mas diferente de.
E Amora? Uns cachinhos delicadíssimos
que a gente, quando vê no rótulo das geléias,
se não conheceu ao vivo,
fica pensando que a gravura é de algum importado
de um país da ficção
frio e longe, um país que nem se sabe pronunciar o nome.
Na minha memória de olfato e imagem
habitam essas cores,
esse colorido ciclone.
Meu Deus, se eu não disser Dália
a palavra morrerá na minha mão,
a palavra morrerá na minha boca.
Dália!
Ai de mim, Dália não é palavra, é jardim.
A FÚRIA DA BELEZA
Estupidamente bela
a beleza dessa maria sem-vergonha rosa
soca meu peito esta manhã!
Estupendamente funda,
a beleza, quando é linda demais,
dá uma imagem feita só de sensações,
de modo que, apesar de não se ter a consciência desse todo,
naquele instante não nos falta nada.
É um pá. Um tapa. Um golpe.
Um bote que nos paralisa, organiza,
dispersa, conecta e completa!
Estonteantemente linda
a beleza doeu profundo no peito essa manhã.
Doeu tanto que eu dei de chorar,
por causa de uma flor comum e misteriosa do caminho.
Uma delicada flor ordinária,
brotada da trivialidade do mato,
nascida do varejo da natureza,
me deu espanto!
Me tirou a roupa, o rumo, o prumo
e me pôs a mesa…
é a porrada da beleza!
Eu dei de chorar de uma alegria funda,
quase tristeza.
Acontece às vezes e não avisa.
A coisa estarrece e abre-se um portal.
É uma dobradura do real, uma dimensão dele,
uma mágica à queima-roupa sem truque nenhum.
Porque é real.
Doeu a flor em mim tanto e com tanta força
que eu dei de soluçar!
O esplendor do que vi era pancada,
era baque e era bonito demais!
Penso, às vezes, que vivo para esse momento
indefinível, sagrado, material, cósmico,
quase molecular.
Posto que é mistério,
descrevê-lo exato perambula ermo
dentro da palavra impronunciável.
Sei que é dessa flechada de luz
que nasce o acontecimento poético.
Poesia é quando a iluminação zureta,
bela e furiosa desse espanto
se transforma em palavra!
A florzinha distraída
existindo singela na rua paralelepípeda esta manhã,
doeu profundo como se passasse do ponto.
Como aquele ponto do gozo,
como aquele ápice do prazer
que a gente pensa que vai até morrer!
Como aquele máximo indivisível,
que, de tão bom, é bom de doer,
aquele momento em que a gente pede pára
querendo e não podendo mais querer,
porque mais do que aquilo
não se agüenta mais,
sabe como é?
Violenta, às vezes, de tão bela, a beleza é!
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