(A ARTE) POÉTICA: O POEMA

senhores e senhoras,
 
a poesia sempre me salva (e muito me encanta). e muito me encanta por uma série de razões. uma delas é o processo de construção de um poema e tudo o que envolve tal construção, isto é, a arte poética.
 
na edificação de um texto poético, o poeta atira-se no escuro, num caminho desconhecido & hostil, não sabendo onde as linhas desembocarão, não conhecendo a natureza da correnteza que as forma. (o surgimento, o aparecimento, saídas de regiões desconhecidas, de idéias-fantasmas que vão se desgarrando do ser do poeta, a fim de ganharem uma forma clara.)
 
e tudo, para que fique a contento, é matematicamente pensado, medido, dosado (como uma tocata de bach ou uma pincelada de cézanne): pois que os sentimentos se curvam, se sub–metem, à força do pensamento, do raciocínio, da psique. num poema, os sentimentos são organizados a partir dos senso e crivo críticos do poeta, que almeja o máximo de beleza para a sua obra.   
 
e uma beleza (a da poesia) que não a natural, que não a relativa à natureza, mas uma beleza (a do poema) arquitetada, ou seja, uma beleza construída por tijolos-palavras, como quando elaboram-se, de pátina & gesso & concreto, ornatos arquitetônicos com suas geometrias, suas exatidões — sejam rosáceas, arcadas ou pilastras —. é assim que dura e esplende uma catedral poética, feita de versos, erguida para muito além de quaisquer árvores. a adaga do pensamento, com seu gume afiado, trespassa, sem dó, a emoção.
 
chico buarque de hollanda, numa fala ou entrevista impressa — não me recordo bem —, diz que o escritor, compositor, poeta, deve conseguir um afastamento sentimental da sua obra para julgá-la merecedora ou não da exposição pública. antes, o rebento poético tem que passar pela aprovação do seu criador, que, anterior a tudo e qualquer coisa, deve ser um leitor interessado e atento ao que, de fato, o seduz e o cativa numa leitura.  
 
gosto de repetir esta sentença:
 
a poesia — a arte poética — me salva, me salvará, sempre!
 
(que assim seja.)
 
beijo bom em todos.
paulo sabino / paulinho.
__________________________________________________________
 
(do livro: Poesia Reunida. autor: Ivan Junqueira. editora: A Girafa.)
 
POÉTICA
 
A arte é pura matemática
como de Bach uma tocata
ou de Cézanne a pincelada
exasperada, mas exata.
 
É mais do que isso: uma abstrata
cosmogonia de fantasmas
que de ti lentos se desgarram
em busca de uma forma clara,
 
da linha que lhes dê, no espaço,
a geometria das rosáceas,
a curva austera das arcadas
ou o rigor de uma pilastra;
 
enfim, nada que lembre as dádivas
da natureza, mas a pátina
em que, domada, a vida alastra
a luz e a cor da eternidade,
 
tal qual se vê nas cariátides
ou nas harpias de um bestiário,
onde a emoção sucumbe à adaga
do pensamento que a trespassa.
 
Despencam, secas, as grinaldas
que o tempo pendurou na escarpa.
Mas dura e esplende a catedral
que se ergue muito além das árvores.
 
 
O POEMA
 
Que será o poema,
essa estranha trama
de penumbra e flama
que a boca blasfema?
 
Que será, se há lama
no que escreve a pena,
ou lhe aflora à cena
o excesso de um drama?
 
Que será o poema:
uma voz que clama?
Uma luz que emana?
Ou a dor que o algema?

2 Respostas

  1. Paulinho,

    Ótimo texto! E os poemas também! Bravo!

    Grande abraço,
    Adriano Nunes.

  2. que bom que gostou, poeta! fico verdadeiramente feliz!

    beijo grande!

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

%d blogueiros gostam disto: