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ah,
como esta vida é urgente:
é preciso partir, é preciso chegar, é preciso partir, é preciso chegar.
é preciso viajar pela vida.
(o apito da locomotiva: e o trem se afastando, e o trem arquejando, e o trem viajando…)
no entanto, eu gosto mesmo é de partir, de ir, de caminhar.
e — até hoje — quando acaso embarco para alguma parte, acomodo-me no meu lugar, seja este qual for — a cadeira da escrivaninha, o sofá da sala, a cama no quarto, a janela voltada ao azul —, fecho os olhos e sonho:
ir, caminhar, viajar, mas para parte nenhuma… apenas viajar, viajar indefinidamente, ter como principal objetivo o somente caminhar, ir, viajar, como uma nave espacial perdida entre as estrelas.
(é preciso viajar pela vida.)
ir, caminhar, viajar, seguir.
seguir para o mar, deixar-me ser o que sou, o que sempre fui: um rio que vai fluindo.
em vão cantarão as horas em minhas margens, pois não hei de ficar no canto das horas; este (o canto das horas) esvai-se, evola-se, cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido.
um espelho não guarda as coisas refletidas. nada é retido, tudo nos passa (inda mais quando se é um rio, como eu sou), nada nos sobra de paisagem no espelho d’água.
e o meu destino é seguir, é seguir para o mar, as imagens perdendo no caminho. deixar-me fluir, passar, cantar…
todavia,
na via da vida, há coisas que não conseguem ser olvidadas.
as coisas que não conseguem ser esquecidas continuam acontecendo.
sentimo-las fora do tempo, no mundo do “sempre”, onde as datas não datam, onde as datas não têm função; afinal, são coisas que sentimos fora do tempo.
que importa se findou no mundo em que o tempo impera aquilo que sentimos fora do tempo?
há bens inalienáveis, há certos momentos que, ao contrário do que se pensa, fazem parte da vida presente e não do passado, momentos que se abrem no sorriso mesmo quando sorrimos a outras coisas, momentos que estão contidos na alegria de outros momentos.
uma coisa bela é uma alegria para sempre — disse, uma vez, um poeta que não conseguiu morrer, poeta que se mantém vivo através da sua obra, o seu bem inalienável.
(um viva à vida!)
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Baú de espantos. autor: Mario Quintana. editora: Globo.)
POEMA TRANSITÓRIO
Eu que nasci na Era da Fumaça: — trenzinho
vagaroso com vagarosas
paradas
em cada estaçãozinha pobre
para comprar
pastéis
pés-de-moleque
sonhos
— principalmente sonhos!
porque as moças da cidade vinham olhar o trem passar:
elas suspirando maravilhosas viagens
e a gente com um desejo súbito de ali ficar morando
sempre… Nisto,
o apito da locomotiva
e o trem se afastando
e o trem arquejando
é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar… Ah, como esta vida é
urgente!
… no entanto
eu gostava era mesmo de partir…
e — até hoje — quando acaso embarco
para alguma parte
acomodo-me no meu lugar
fecho os olhos e sonho:
viajar, viajar
mas para parte nenhuma…
viajar indefinidamente…
como uma nave espacial perdida entre as estrelas.
DEIXA-ME SEGUIR PARA O MAR
Tenta esquecer-me… Ser lembrado é como
evocar-se um fantasma… Deixa-me ser
o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo…
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
me recamarei de estrelas como um manto real,
me bordarei de nuvens e de asas,
às vezes virão em mim as crianças banhar-se…
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir… é seguir para o Mar,
as imagens perdendo no caminho…
Deixa-me fluir, passar, cantar…
toda a tristeza dos rios
é não poderem parar!
UMA ALEGRIA PARA SEMPRE
Para Elena Quintana
As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides… Que importa se —
depois de tudo — tenha “ela” partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem querias saber o quanto
deves à ingrata criatura…
A thing of beauty is a joy for ever
— disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.
Demais!!!! Bravo!!!!!
ObrigadÍSSIMO, meu poeta PURO-LUXO, meu amigo pra lá de QUERIDO!
Beijo GRANDE!
paulinho amado,
como me lembro de sentir por Quintana uma espécie de familiraridade, uma sensação de que ele escrevia para mim, quando eu era adolescente e colecionava as agendas “Mário Quintana Diário Poético”, que a editora globo comercializou nos anos 90… cada dia um verso de nosso querido poeta das almas doces, todos pertinentes, todos como se falasse particularmente conosco… muitas vezes a poesia dele atenuou em mim uma gravidade, uma falta, uma tristeza.
tocou-me de cheio a passagem:
“há bens inalienáveis, há certos momentos que, ao contrário do que se pensa, fazem parte da vida presente e não do passado, momentos que se abrem no sorriso mesmo quando sorrimos a outras coisas, momentos que estão contidos na alegria de outros momentos.”
obrigada pelo quintana nosso de cada dia!
um beijo, doçurita!
Betina, minha doçura maior,
Quintana é uma espécie de pai-tio-avô que queríamos por perto, e que, no fundo, tivemos/temos por perto, através da sua poesia, através do que nos ditam os seus versos.
Lindo o que você escreveu, minha flor!
Que bom tê-la ao lado nesta incrível viagem que é: a poesia!
Beijoca boa! 🙂
Adorei, adorei! (tô procurando a tecla curtir para apertar 10 vezes)
Beijos,
Lili
Lili,
minha flor de encanto, que bom!
(Deixa eu contar uma coisa que é verdade: quando publiquei, você me veio à cabeça, não poderia deixar de vir… Lembra da poesia que pendurei na sua sala, pra você? Pois é, Quintana…)
BeijO! 🙂